Gênese e Desenvolvimento da União Europeia: do Tratado de Paris ao Tratado De Lisboa
DOI: 10.19135/revista.consinter.00010.32
Recebido/Received 23.02.2019 – Aprovado/Approved 25.03.2019
Evelyn Pinheiro Tenório de Albuquerque[1] – http://orcid.org/0000-0003-0332-4054
E-mail: evelynalbuquerque@gmail.com
Deilton Ribeiro Brasil[2] – http://orcid.org/0000-0001-7268-8009
E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br
Resumo: Este artigo tem por objetivo apontar as principais características desde a criação e o desenvolvimento da União Europeia, de modo a responder a problemática metodológica que se apresenta sobre com a abordagem histórica dos diversos tratados que regulamentaram a sua gênese tanto das comunidades europeias quanto da própria União Europeia.O texto propõe, com uso do método indutivo onde se busca fazer uma crítica referente à participação dos Estados no processo de unificação.A pesquisa é de natureza teórico-bibliográfica seguindo o método descritivo-dedutivo que instruiu a análise da legislação, bem como a doutrina que informa os conceitos de ordem dogmática.
Palavras-chave: União Europeia; História; Desenvolvimento; Desafios.
Abstract:The aim of this papere is to identify the main characteristics of the European Union’s creation and development, in order to respond to the methodological problems it presents with the historical approach of the various treaties that regulate its genesis both in the European communities and in the Union itself European Union. The text proposes, using the inductive method where it is sought to make a critique referring to the participation of the States in the process of unification. The research is of theoretical-bibliographic nature following the descriptive-deductive method that instructed the analysis of the legislation, as well as the doctrine that informs the concepts of dogmatic order.
Keywords: European Union; Story; Development; Challenges
Sumário: Introdução. 2. Os caminhos da integração europeia. 3. Os desafios do processo de integração. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem o objetivo de abordar os principais Tratados constitutivos da União Europeia, evidenciando as metas que cada um deles buscava atingir no processo de integração. Para tanto, necessário se faz uma abordagem que leve em consideração o momento histórico em que a Europa se encontrava quando iniciadas as primeiras movimentações dos Estados destinadas à formação de um bloco econômico e político comum. Também se busca evidenciar resumidamente cada etapa de construção do bloco europeu, demonstrando as motivações iniciais e as possíveis motivações que direcionaram o seu desenvolvimento.
Atuando por meio de instituições supranacionais independentes e de decisões negociadas entre os Estados-membros, os tratados da União Europeia surgem como mecanismos jurídicos capazes de estabelecer metas políticas e econômicas gerais. Eles são responsáveis pela criação da própria União Europeia, além de instituições com poderes legais indispensáveis para consecução das metas estabelecidas.
Embora os instrumentos jurídicos tenham por primazia a pretensão de serem imutáveis no tempo, regulando as situações para as quais foram concebidos, não foram poucas as modificações sofridas por alguns tratados. Por exemplo, o Tratado de Roma – responsável pela constituição da Comunidade Econômica Europeia – foi sucessivamente modificado ao longo do tempo.
Essas modificações ou a criação de novos tratados são representativas da conjuntura política dos Estados-membros, com especial destaque para aquelas com maior poder econômico e político.
O presente trabalho se justifica pela importância de se identificar quais os entraves que têm impedido uma integração mais ampla da União Europeia, o que apenas é possível se levar em consideração todo o processo de construção da União.
O artigo além da introdução, considerações finais e das referências foi dividido em duas partes: na primeira, foram realizadas algumas considerações sobre os caminhos da integração europeia com destaque para os aspectos históricos; na segunda parte, é desenvolvido no sentido de demonstrar os desafios do processo de integração em sua plenitude.
No que tange à metodologia adotada, utilizou-se da pesquisa teórico-bibliográfica e documental. Foram consultados autores que abordam os temas basilares para a linha de raciocínio que se busca construir no presente estudo e, também, as legislações pertinentes ao tema, de maneira que o mesmo pudesse ser discutido de forma fundamentada. Já no que diz respeito ao procedimento metodológico, adotou-se o método dedutivo, partindo-se de uma concepção do direito à naturalização como direito fundamental, especificando-se a análise no que diz respeito ao direito da naturalização como direito público subjetivo nas hipóteses em que haja previsão legal.
2 OS CAMINHOS DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA
O fim da Segunda Guerra Mundial pode ser considerado um grande marco no tocante à intensificação das relações internacionais. O desenvolvimento tecnológico e industrial ocorrido durante a guerra fez surgir a necessidade de ampliação dos mercados, de modo que a tecnologia e os produtos fabricados pelos países desenvolvidos encontrassem uma destinação. Houve o reconhecimento pelos “Estados de que eles não são autossuficientes, de que o isolamento representa um retrocesso e de que o crescimento está vinculado à cooperação” (MATIAS, 2011, p. 204).
Por outro lado, a aliança com outros Estados se fazia necessária como estratégia para se evitar que mais um grande conflito se desencadeasse. Nesse sentido, Maciel (2009) afirma que:
A cooperação seria a manifestação do desejo de ausência de guerras e equilíbrio no sistema, após diversos conflitos que assolaram o mundo até meados do século XX, e apenas tardiamente ela deixou de ser efeito de alianças para evitar o surgimento de uma superpotência para ilustrar um desejo maior de convivência pacífica.
A Europa encontrava-se devastada. Até mesmo países Aliados, vencedores da guerra, precisavam se reorganizar internamente. O exacerbado sentimento de nacionalismos que impulsionou a guerra somente poderia ser substituído por outro, que privilegiasse a cooperação. Nas palavras de Accioly (2015, p. 46),
O fim da II Guerra trouxe um grande vazio de poder na Europa. Era preciso recomeçar, pois quem ganhou a guerra não estava menos destruído do que quem a perdeu; foram cinco anos de luta, destruição e barbárie, com sessenta milhões de mortos e a trágica bomba atômica. Foi porque não se havia feito uma união antes que houve a II Guerra Mundial.
Nesse contexto, no dia 18.04.1951 foi assinado em Paris o Tratado que instituiu a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA). Em um primeiro momento, essa comunidade era composta pelos países do BENELUX (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), pela França, Itália e República Federativa da Alemanha (RFA). A principal motivação para a sua criação foi a possibilidade de se controlar a produção, comercialização e distribuição do carvão e do aço, matérias-primas essenciais para a indústria bélica.
Os principais articuladores da CECA foram Jean Monet (Ministro de Planejamento do Governo Francês) e Robert Schuman (Ministro das Relações Exteriores da França). Num primeiro momento a ideia era colocar sob controle de uma autoridade comum, o conjunto da produção francesa e alemã. Para isso, o Tratado criava uma União Aduaneira referente ao setor do carvão e do aço, que de acordo com Oliveira (1999, p. 94) possuía quatro objetivos fundamentais que eram: a) criação de um mercado comum ao setor do carvão e do aço; b) livre circulação de fatores no âmbito setorial; c) aspiração política de contribuir com o desenvolvimento da África como forma de recuperação dessa antiga potência colonial e por último, d) estabelecimento de uma federação europeia.
A iniciativa para unir os dois países parte da França, através da atuação de Jean Monnet, “a senior civil servant with a keen eye for political opportunity” (STAAB, 2011, p. 8). A ideia de Monnet era propor um mercado comum europeu de comércio e controle do carvão e do aço, regulado por uma autoridade supranacional, cujo objetivo principal seria alcançar uma coexistência pacífica, o que seria um importante fator de estabilização da Europa (MACHADO, 2014). O brilhantismo da ideia consiste no fato de que o carvão e o aço consistiam, à época, na base das matérias-primas das indústrias armamentistas, além de possuir relevante viés econômico (STAAB, 2011). Jean Monet acreditava que as indústrias alemãs não deveriam ser controladas pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial, mas por uma autoridade supranacional, que controlaria também as indústrias francesas e as dos demais países integrantes do acordo. Assim, a atuação dessa autoridade, que era independente dos interesses nacionais, reduziria a probabilidade de haver novos conflitos, especialmente como as tão devastadoras Grandes Guerras (DAVID, 2016, p. 44-45).
Coube a Robert Schuman adotar o projeto de Jean Monet, cujo plano ficou conhecido como Plano Schuman. Este plano operaria em três perspectivas: inicialmente, resolveria questões políticas e econômicas; em médio prazo, estabeleceria uma base para as relações entre França e Alemanha, inserindo-a novamente na cena política europeia (MARTINS, 2012); e, por fim, serviria como fundamento para a uma nova Europa. O movimento de integração do pós-guerra constituía uma experiência de integração “vertical” ou “funcional”, que atuaria como catalisador de sucessivas integrações, configurando-se como ponto de partida para a preservação da paz na Europa (PITTA E CUNHA, 2004).
Dessa forma, a criação da CECA implicou no surgimento de uma nova forma de exercício do poder soberano por parte dos Estados. Pela primeira vez, um tratado internacional criou instituições e a elas conferiu competências que antes eram exclusivas dos próprios Estados. Isto é, com a entrada em vigor do Tratado de Paris, os Estados-Membros da CECA, no tocante ao mercado do carvão e do aço, passaram a se submeter a uma autoridade comum, de caráter supranacional.
Para o exercício do poder supranacional, a Tratado de Paris estabeleceu a constituição de quatro instituições: Alta Autoridade (posteriormente denominada Comissão), Assembleia, Conselho de Ministros e um Tribunal de Justiça.
A Alta Autoridade era um órgão executivo colegial independente, que tinha por tarefas assegurar a realização dos objectivos fixados no Tratado e agir no interesse geral da Comunidade. Era composta por nove membros (não podendo o número de membros com nacionalidade de um mesmo Estado ser superior a dois) designados por seis anos. Tratava-se de uma verdadeira instância supranacional, dotada de poder de decisão. Velava pela modernização da produção e pela melhoria da sua qualidade, pelo fornecimento dos produtos em condições idênticas, pelo desenvolvimento da exportação comum e pela melhoria das condições de trabalho nas indústrias do carvão e do aço. A Alta Autoridade tomava decisões, formulava recomendações e emitia pareceres. Era assistida por um comité consultivo composto por representantes dos produtores, dos trabalhadores, dos utilizadores e dos comerciantes.
A Assembleia era composta por 78 deputados, delegados dos Parlamentos nacionais: 18 no caso da Alemanha, da França e da Itália, 10 no caso da Bélgica e dos Países Baixos e 4 no caso do Luxemburgo. O Tratado conferia a esta Assembleia um poder de controlo.
O Conselho integrava seis representantes delegados dos Governos nacionais. A presidência do Conselho era exercida rotativamente por cada membro, por um período de três meses. O Conselho destinava-se a harmonizar a acção da Alta Autoridade e a política económica geral dos governos. O seu parecer favorável era necessário para as decisões importantes tomadas pela Alta Autoridade.
O Tribunal de Justiça era composto por sete juízes nomeados, de comum acordo pelos Governos dos Estados-Membros, por seis anos. Assegurava o respeito do direito em relação à interpretação e aplicação do Tratado (EUR-LEX, 2018).
Embora nesse momento não se possa ainda falar sobre uma legitimidade dos membros de cada uma das instituições, visto que não eram eleitos diretamente pelos cidadãos dos Estados-Membros e tampouco a Assembleia (órgão de representação indireta) possuía atribuição legislativa, essas instituições formaram a base do modelo institucional adotados por tratados que foram assinados posteriormente.
A experiência positiva em relação à integração econômica promovida pela CECA deu origem a uma vontade de expandir para outras áreas a abrangência da matéria objeto da cooperação. Assim, em 1957, os seis integrantes da CECA assinaram em Roma dois Tratados que estabeleciam a Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Econômica de Energia Atômica (EURATOM).
Em relação à estrutura institucional das novas comunidades, o Tratado de Roma previu estrutura semelhante àquela adotada pelo Tratado de Paris para a CECA. Assim, tanto CEE quanto Euratom possuíam Comissão, Assembleia, Conselho de Ministros e um Tribunal de Justiça, que exerciam o poder supranacional nas esferas de competências que lhes foram atribuídas pelos Tratados de Roma.
A CEE tinha por objetivo criar um mercado comum entre os Estados-Membros, abrangendo diversas áreas da atividade econômica.
La ambiciosa meta de la Comunidad Económica Europea debía ser “fomentar, a través del establecimiento de un mercado común y del acercamiento gradual de la política económica de los Estados miembros, un desarrollo armónico de la vida económica dentro de la Comunidad, una persistente y equilibrada expansión económica, una mayor estabilidad, una acelerada elevación del nivel de vida y relaciones más estrechas entre los Estados que se habían asociado para formar la Comunidad. Punto medular de la CEE era la unión aduanera, la paulatina supresión de los aranceles internos para una libre circulación de mercancías, que debía estar concluida para 1968. Traía como corolario la necesidad de coordinarlos aranceles aduaneros externos, porque de lo contrario todas las mercaderías se agolparían para entrar por el lugar del arancel más bajo en el Mercado Común (BERNECKE, 2015, p.18)
Já a Comunidade Econômica de Energia Atômica, como o próprio nome indica, tinha sua competência restrita à regulamentação da política sobre a energia atômica. Essa também foi considerada uma área estratégica para a cooperação, uma vez que por meio dela se assegurou que a uso da energia nuclear apenas se daria para fins pacíficos e não em uma possível guerra (ACCIOLY, p. 47).
O ano de 1965 foi marcante para a história da integração, pois nele aconteceram dois fatos aparentemente antagônicos. No dia 8 de abril foi assinado o Tratado de Bruxelas, também conhecido como Tratado de Fusão, que teve por objetivo fundir as instituições das três comunidades, criando uma Comissão única e um Conselho único para as três comunidades.
A fusão das instituições sem dúvida tornou mais simples o funcionamento daqueles órgãos. No entanto, uma análise mais atenta sobre o significado dessa fusão, além da busca pela simplificação, pode elucidar duas vontades políticas importantes:
Em primeiro lugar, afirma claramente que a sua assinatura é realizada com o objetivo principal de “progredir na via da unidade europeia”, numa demonstração clara da opção pela integração europeia. Em segundo lugar, a unificação das comunidades vai além da organização do triângulo institucional único (uma Comissão, um Conselho e um Parlamento, organizados segundo regras mais claras), mas significa o reconhecimento pleno de que as realidades políticas (institucional), estratégicas (EURATOM) e económicas (Comunidade Económica Europeia e Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) são indissociáveis (EUROOGLE, 2017).
Também no ano de 1965, foi assinado o chamado “Acordo de Luxemburgo”, tendo sido esse o documento responsável por mais de uma década de estagnação do processo de integração europeia.
Com base nas disposições transitórias do texto original do Tratado da Comunidade Econômica Europeia, as decisões tomadas pelo Conselho passariam a ser tomadas mediante o voto da maioria dos seus membros e não mais por unanimidade, como vinha sendo até então. No entanto, a França se opunha a essa mudança e, para impedi-la, retirou seu representando do Conselho. Tal atitude impossibilitou o funcionamento daquele órgão, o que ficou conhecido como política da “cadeira vazia”.
As deliberações do Conselho apenas foram retomadas com a assinatura do “Acordo de Luxemburgo”, que previa a possibilidade das votações serem tomadas por maioria, caso a matéria em questão fosse considerada de interesse vital para os Estados-Membros. Essa prerrogativa foi invocada diversas vezes e, por não haver unanimidade nos entendimento, impediu que muitas decisões importantes para o avanço da integração fossem tomadas. Nota-se que, dessa maneira, parte da supranacionalidade foi suprimida em favor das decisões intergovernamentais. Os Estados-Membros passaram a contar com uma espécie de poder de veto, o que por si só já pode ser considerado um retrocesso em termos de integração. Houve uma valorização da vontade do Estado em detrimento à vontade da comunidade.
Devido à grande estagnação no processo de unificação provocada em decorrência do “Acordo de Luxemburgo” a década de 1970 ficou conhecida por ser um período de “euro esclerose”.
Al interior de la Comunidad aumentaron las mezquinas luchas por distribución de competencias, los problemas económicos de los Estados de la Comunidad llevaron a intentos proteccionistas de solución, las negociaciones de ampliación con los Estados de Europa meridional (España y Portugal) no avanzaban, y la Primera Ministra británica Margaret Thatcher con sufijación en los aportes financieros ingleses bloqueaba casi todas las iniciativas de política europea (BERNECKE, 2015, p. 19).
Não se pode dizer, no entanto, que a estagnação da década de 1970 foi completa. Apesar do intergovernamentalismo imposto pelo “Acordo de Luxemburgo”, alguns avanços significativos foram conquistados durante esse período. Em 1973, ocorreu a primeira expansão das comunidades, o que de certa maneira demonstrou que o projeto de uma união europeia não havia sido enterrado pela “euro esclerose” Reino Unido, Dinamarca, e Irlanda se uniram ao bloco, que passou a contar com 9 membros.
Já em 1974, os líderes políticos dos Estados-Membros das Comunidades Europeias, reunidos em Conselho, aprovaram as eleições diretas para o Parlamento Europeu. Essa eleição veio a acontecer cinco anos depois, em 1979, tendo sido o primeiro passo para a democratização das instituições das Comunidades Europeias.
A medida que avanzaba el proceso de traspaso de áreas de soberanía estatal a la esfera comunitaria, se hizo cada vez más evidente la necesidad de una institución democrática. El incansable pedido de los parlamentarios europeos para ser directamente electos tropezó durante décadas con la negativa de los Estados miembros, especialmente Francia. Finalmente, la Decisión y el Acto del Consejo del 20.09.1976 confirieron al pe una legitimidad y autoridad nuevas al disponer la votación por sufragio universal directo, lo cual se concretó en los comicios de 1979 (ALVAREZ, 2011 apud MANIN 1999, p. 213)
A retomada do projeto de integração apenas se efetivou em meados dos anos 1980, com a assinatura do Ato Único Europeu em 1986. Percebendo a grande resistência que havia no seio de alguns Estados-Membros das comunidades em relação à integração política, esse documento priorizava os aspectos econômicos da integração. Assim, tinha por objetivo fazer uma revisão do Tratado de Roma, de maneira que o projeto da construção do mercado único e da implementação das quatro liberdades fundamentais (livre circulação de bens, pessoas, capitais e serviços) fosse efetivada.
Ruttley (2002, p. 255) compartilha desse entendimento ao afirmar que:
Dada a oposição de certos Estados-Membros (em particular o Reino Unido) a qualquer transferência adicional de soberania política para a Comunidade, os “integradores” escolheram se concentrar nos aspectos mais econômicos da integração. Seu objetivo era aumentar o impulso para a integração econômica, monetária e fiscal que um mercado interno “básico” traria, em vez de propor esquemas controversos para uma maior cooperação política (Tradução nossa)[3].
Grande avanço também introduzido pelo Ato Único Europeu foi a reforma das instituições. As competências do Parlamento foram ampliadas por meio de um processo de cooperação, pelo qual aquela instituição passou a ser consultada antes da adoção de uma nova legislação para as comunidades. Além disso, o Parlamento também foi investido de um poder de veto em relação à adesão de novos membros às comunidades, bem como em relação à finalização de acordos de associação com outros estados que não fossem membros das comunidades (RUTTLEY, 2002, p. 256).
As novas competências atribuídas ao Parlamento foram extremamente significativas para o processo de integração. Nesse período histórico, conforme dito anteriormente, a Parlamento já era uma instituição que possuía legitimidade e, portanto, era a representação direta da vontade dos cidadãos. Dessa maneira, foi possível trazer os povos das comunidades, até então relegado em segundo plano nas decisões das instituições, para uma posição de maior evidência.
Nas palavras de Ruttley (2002, p. 243):
Com efeito, o Ato Único Europeu mudou a política da CE. Isso quebrou a hegemonia exercida pelo Conselho (isto é, dos Estados-Membros), e as instituições puramente europeias, que podiam ir além de interesses nacionais estreitos, começaram a definir a agenda. Ao se concentrar na integração econômica e fiscal e, evitando um programa político ambicioso, conseguiu ser tudo para todos os europeus: os antifederalistas consideravam um conjunto de propostas sólidas (se tecnocráticas) que tinham a virtude de deixar a soberania relativamente intacta; os federalistas, talvez sentindo que as reformas institucionais e políticas inevitavelmente emergiriam da conquista do mercado interno, ofereceram seu tempo (Tradução nossa)[4].
O Ato Único Europeu deu início a uma nova fase de “euro-otimismo”. Ao implementar o mercado único, desencadeou um processo lógico: a união monetária. Além disso, de modo a viabilizar as quatro liberdades impostas pelo mercado único, sobretudo no que diz respeito à livre circulação de pessoas, foi assinado em 1985 o Acordo Schengen, que colocava fim ao controle nas fronteiras dos Estados-Membros.
A assinatura do Tratado de Maastricht em 1992, também conhecido por Tratado da União Europeia, é consequência dessa grande expansão possibilitada pelo Ato Único Europeu. Uma vez concretizada a meta de estabelecimento de um mercado único (esse, previsto desde o Tratado de Roma), era necessário avançar no processo de integração e estabelecer novas metas a serem atingidas, notadamente no que diz respeito a uma união econômica e monetária.
Assim, o Tratado de Maastricht teve como objetivo primeiro definir as bases para a instauração de uma união monetária, o que veio a se concretizar no início de 2002 quando o “euro”, moeda única europeia, entrou em circulação na maior parte dos Estados-Membros.
Importante ressaltar que o Tratado da União Europeia ampliou as competências das instituições supranacionais, que passaram a intervir em outras áreas além da econômica. Assim, a antiga Comunidade Econômica Europeia passou a ser denominada apenas por Comunidade Europeia (CE), agregando setores, tais como a proteção do meio ambiente, os direitos sociais e o direito do consumidor (GOMES, 2014, p.84). Cuidou ainda de questões referentes à Política Externa de Segurança Comum (PESC) e da Cooperação Policial e Judiciaria em Matéria Judiciária que, juntamente com o pilar das Comunidades, formavam os três pilares sobre os quais a União Europeia estava alicerçada (ACCIOLY, 2015, p. 48).
Bernecker (2015, p. 21) afirma que
La Unión se propuso metas de gran alcance: por un lado, se trataba de estabilidad económica y social, de la eliminación de fronteras interiores y del establecimiento de una unión económica y monetaria; por el otro, se aspiraba a una política exterior y de seguridad común, a una cooperación cada vez más estrecha en las áreas de justicia y asuntos internos y (para fortalecer la identidad europea) a una ciudadanía de la Unión.
Essa expansão era plenamente necessária, uma vez que a interdependência existente entre os então 12 membros das comunidades era tão intensa que a regulamentação supranacional apenas na área econômica já não era mais suficiente para suprir as relações entre os Estados-Membros e os seus cidadãos.
Nesse tocante, também podemos destacar o grande avanço trazido pelo Tratado de Maastricht no diz respeito à instituição da cidadania comunitária. O processo de integração já havia avançado de tal modo que era necessário voltar os olhos para os destinatários de todo aquela mudança. Dessa forma, segundo Gomes (2014, p.84), foram concedidas as seguintes prerrogativas aos cidadãos do bloco:
1. direito de livre circulação entre Estados-Membros e, portanto, o usufruto das quatro liberdades do mercado (bens, pessoas, serviços e capitais);
2. direito de votar e de ser votado para as eleições municipais, mesmo que tenha o seu domicílio em outro Estado diferente de seu originário;
3. direito de votar e ser votado para as eleições do Parlamento europeu;
4. direito de acesso ao Provedor de Justiça europeu;
5. direito de solicitar proteção diplomática de algum dos outros Estados da união Europeia, na hipótese em que aquele se encontre fora do espaço comunitário, em outro país, e lá não exista uma representação diplomática de seu Estado.
Dois anos após a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, isto é, em 1995, a União Europeia passa pela sua terceira expansão. Áustria, Finlândia e Suécia se juntaram ao bloco, possuindo então 15 membros. A União Europeia, nesse momento, passou a ser composta por Estados que se encontram em diferentes fases de desenvolvimento político, social e econômico (RUTTLEY, 2002, p. 258). As diferenças culturais entre eles também era significativa e os tratados que regulamentavam a cooperação deveriam, da melhor forma possível, considerar essas diferenças e se adequar à expansão.
Dessa forma, apenas quatro anos após o Tratado da União Europeia entrar em vigor,já foi preciso que ele passasse por uma reforma. Para tanto, foi assinado em 1997 o Tratado de Amsterdã. Segundo Ruttley (2002, p.258), esse tratado implementou o princípio pelo qual o governo da União europeia deveria ser aberto, isso é, baseado na transparência, para que os cidadãos da União dele participassem. Além disso, questões referentes aos direitos humanos se tornaram mais relevantes, sendo que os Estados-Membros passaram a se comprometer a resguardar os direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH). Houve, mais uma vez, um alargamento na esfera de competência exercida pelas instituições, bem como uma reforma no seu funcionamento. O Parlamento Europeu passou a ter participação no processo decisório juntamente com o Conselho, o que demonstra uma vontade de democratização do sistema.
Embora a sucessiva assinatura de tratados demonstrasse o progresso no processo de integração, na prática, no cotidiano do cidadão europeu, esse processo não parecia ser tão exitoso.
(…) hubo considerables problemas en varios países que evidenciaron que “Europa” de lejos no era el asunto de todos los ciudadanos europeos, que la Europa próxima al ciudadano todavía no existía, que el abismo entre algunos burócratas europeos desvinculados de la vida real y el proverbial “hombre de la calle” antes que disminuir había aumentado (BERNECKER, 2015, p. 22)
Diante desse ceticismo popular no que diz respeito ao futuro da União, foi implementadoum marco de extrema importância para o cidadão europeu: o Processo de Bolonha de 1999. Seu principal objetivo foi estabelecer o Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES).
Como bem afirmou Lima et al.(2008, p. 10) ao citar a Declaração de Bolonha:
A construção do referido sistema europeu de educação superior é considerada “a chave para promover a mobilidade e a empregabilidade dos cidadãos” e para a “obtenção de maior compatibilidade e de maior comparabilidade”. Embora se recuse a idéia de simples homogeneização ou padronização, eventualmente menos aceitável face à grande diversidade da educação superior dos países aderentes, insiste-se na harmonização e na necessidade da coordenação de políticas, na promoção da dimensão européia dos currículos, na cooperação internacional, na mobilidade e no intercâmbio, bem como na cooperação no “setor da avaliação da qualidade, tendo em vista vir a desenvolver critérios e metodologias que sejam passíveis de comparação (DECLARAÇÃO DE BOLONHA, 1999)
O Processo de Bolonha padronizou o ensino superior na União Europeia, desburocratizando o processo de reconhecimento e validação de diplomas fora do território estatal em que foi concedido. Dessa maneira, se possibilitou que cidadão europeu de fato exercesse seu direito de livre estabelecimento em todo o território da União, uma vez que estabelecer-se implica em poder exercer sua profissão para o seu sustento.
Após a reforma da estrutura institucional realizado pelo Tratado de Nice (2001), que teve por objetivo adequar as estruturas da União Europeia para a maior expansão da sua história (em 2004 onze países aderiram à União Europeia), o próximo passo para a integração foi a assinatura do documento que ficou conhecido como “Constituição Europeia”. Houve o reconhecimento por parte das autoridades europeias de que o Tratado de Nice não exauriu a matéria a ser tratada, de forma que seria necessária a elaboração de outro documento de cunho político.
Nesse sentido, Diaz (2012, p. 18) afirma que:
Pero ya en el propio Tratado de Niza la Unión reconocía que había dejado importantes cuestiones sin resolver, por lo que proponía celebrar un profundo debate, que debía abarcar al menos las siguientes cuestiones: la delimitación de las competencias entre los Estados miembros y la Unión; el estatuto de la Carta de los Derechos Fundamentales; la simplificación de los tratados y la participación de los Parlamentos Nacionales en la arquitectura europea.
Dessa forma, o Tratado da “Constituição Europeia” buscava proceder a uma revisão dos tratados vigente, de forma a modifica-los e reunir toda a matéria neles abordadas em um único documento. Com forte tendência federalista, a “Constituição Europeia” estabelecia o primado do direito comunitário frente o direito nacional.
Embora tenha sido assinado em Roma, no dia 29.10.2004 por todos os Estados-Membros, “o desfecho do malfadado Tratado Constitucional deu-se no processo de ratificação, com referendo negativo da França, chumbado por quase 70% da população e da Holanda, recusado por 61% dos votantes” (ACCIOLY, 2015, p. 48).
No entanto, ainda era preciso preencher a lacuna deixada pelo Tratado de Nice e assim, um novo tratado deveria ser assinado. Com o intuito de proceder às alterações necessárias, em 2007 foi assinado o Tratado de Lisboa, também conhecido por Tratado Reformador, já que sua principal proposta foi promover a reforma dos tratados em vigor sem, no entanto revogá-los.
O Tratado de Lisboa foi forjado pelos Estados-membros e por instituições da Comunidade, com tempo de deliberação bastante escasso. As eleições para o Parlamento em 2009, a nova composição da Comissão que seria aplicada também em 2009 e a revisão das Perspectivas Financeiras para 2007-2013 foram fatores que influenciaram a aprovação de um novo tratado até 2009 (MARTINS, 2012).
O Tratado de Lisboa teve de ser ratificado por todos os Estados-membros da União, o que ocorreu em 2009, após a ratificação da República Tcheca, quando entrou em vigor. Uma das lições aprendidas após a rejeição do TC remete ao fato de não ter havido referendos para ratificação do Tratado de Lisboa, perceptível em razão das tentativas dos Estados-membros de aprovar o TL através dos Parlamentos Nacionais (KURPAS, 2007). Uma das mais significativas mudanças do Tratado de Lisboa foi o retorno ao modelo de amending treaties (KURPAS, 2007, p. 1), pois o Tratado de Lisboa procedeu a uma revisão de todos os Tratados existentes, e não à criação um novo texto constitucional que os substituísse (MOREIRA, 2014).
O conteúdo do Tratado de Lisboa era, basicamente, uma repetição do texto da fracassada “Constituição Europeia”. Alguns aspectos nitidamente federalistas foram suprimidos para se evitar a oposição daqueles que não viam com bons olhos o fortalecimento do poder supranacional. Além disso, para se evitar uma nova reprovação, o Tratado de Lisboa não foi levado a referendo popular.
Nesse contexto, Soares (2014, p.12) preleciona que:
Após um demorado período de reflexão, foi assinado o Tratado de Lisboa no final de 2007, o qual recuperou o grosso das inovações da malograda Constituição, sendo que reproduziu na integra o chamado pacote institucional. Apesar do expediente encontrado para recuperar o conteúdo da Constituição, contornando a realização de referendos nos países que a haviam recusado, não foi possível evitar a realização de consulta popular para ratificação do novo tratado na Irlanda, cujo resultado foi negativo. Apos as costumeiras negociações usadas no trato com países periféricos para conter os danos do voto popular, foi realizado novo referendo naquele Estado-membro, o qual permitiu a entrada em vigor do Tratado de Lisboa no final de 2009.
No tocante à reforma institucional realizada pelo Tratado de Lisboa, destaca-se mais uma vez a ampliação da competência atribuída ao Parlamento Europeu. Essa importante instituição representativa, em um processo de codecisão com o Conselho, se tornou responsável também pela aprovação do orçamento da União Europeia. Além disso, foi atribuído ao Parlamento a função de nomear o presidente da Comissão, com o intuito de conferir aos cidadãos a oportunidade de terem influência direta nessa escolha (SOARES, 2014, p.13), o que torna a Comissão, ainda que de forma indireta, uma instituição mais democrática.
Institucionalmente, o Tratado de Lisboa manteve a abolição dos pilares de Maastricht, com a área de liberdade, justiça e segurança submetida ao “método comunitário”, regulada pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia; procedeu ao alargamento das competências da União, e à clarificação das fronteiras entre competências da União e dos Estados-membros, identificando-se as competências exclusivas, as partilhadas, as de coordenação e as de apoio, coordenação e complemento dos Estados-membros; definiu os princípios democráticos da União, objetivando fortalecer a legitimidade democrática, através do reforço da democracia representativa e participativa; ampliou e reforçou as competências do Parlamento Europeu, nos âmbitos legislativo, orçamental e de controle, a fim de corrigir o “déficit democrático”; constitucionalizou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como impôs a adesão da União à Convenção Europeia de Direitos Humanos (DAVID, 2016, p. 68-69).
Deste modo, o Tratado de Lisboa manteve vários dos traços paraconstitucionais do Tratado Constitucional, nomeadamente o bill of rights (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) e a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, os direitos de cidadania europeia, os princípios democráticos do governo da União, as competências exclusivas da União e o reforço dos poderes do Parlamento Europeu, agora definido como o órgão representativo dos “cidadãos europeus” e não mais dos “povos europeus” (DAVID, 2016, p. 69).
3 OS DESAFIOS DO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO
O primeiro pilar da União Europeia é o comunitário ou de integração econômica, o qual consiste em políticas de competência exclusivas – Estados perdem capacidade de formular e implementar políticas nacionais, como a comercial; e não-exclusivas da Comunidade Europeia – Estados e Comunidade podem formular e implementar políticas, como é o caso da política de cooperação ao desenvolvimento. Os outros pilares são de natureza política: o segundo pilar versa sobre a cooperação na área de Política Externa e de Segurança Comum (PESC), substituindo a Cooperação Política Europeia, além de criar mecanismos a fim de adaptar as posições dos Estados-membros e definir estratégias e ações comuns. O terceiro pilar aborda questões internas policiais e judiciais, tais como as questões de imigração, asilo, narcotráfico e terrorismo, devido à eliminação das fronteiras internas e da livre circulação de bens, serviços e pessoas (D’ARCY, 2002), (HERZ; HOFFMANN, 2004).
Oliveira (2002, p. 105) alega que “uma das características fundamentais do processo de integração econômica é sua capacidade intrínseca de permanente transformação”. Nesse sentido, Herz e Hoffmann (2004, p. 168) definem o processo de integração regional como “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança político institucionais de espaço regional”.
A integração regional, ademais, envolve a cooperação em diversas áreas temáticas – político-institucional, sociocultural, econômico – tornando bastante amplo o rol de atividades de uma organização de integração regional (HERZ; HOFFMANN, 2004). Na área político institucional, a integração gera implicações políticas ao se constituir instituições supranacionais e sacrificar certa autonomia e soberania dos Estados-membros; além disso, as dimensões culturais e sociais estão associadas ao aumento de mobilidade de mão-de-obra e capital, facilitado pelo processo de integração (APPLEYARD; FIELD; COBB, 2010).
A criação e o desenvolvimento da União Europeia não teve um curso regular. Muitos foram os obstáculos que precisaram ser transpostos ou contornados para que se pudesse avançar neste processo. É esse caminhar vacilante que evidencia muitas fragilidades desse ideal de união.
Desde os primórdios do processo de unificação, a Europa se viu dividida em dois polos. De um lado, aqueles com uma tendência “federalista”, que entendiam ser necessário expandir as competências das instituições supranacionais para se alcançar a verdadeira integração e, de outro lado, os intergovernamentalistas, que se opunham a todas as ações que de alguma maneira pudessem ameaçar o interesse e a soberania estatal.
A experiência da União Europeia ensina que uma das mais difíceis tarefas da construção integracionista foi a aceitação da soberania partilhada pelos Estados-Membros, fato que veio a ser debatido mais efusivamente quando da entrada em vigor do Tratado da União Europeia, em novembro de 1993, que veio reforçar as suas características federais, no âmbito políticos, social e econômico, com a ousada meta de se criar uma moeda única, para além de avançar numa Política de Segurança e de Defesa comum (ACCIOLY, 2010, p. 144).
Diante dessa constante tensão, nos questionamos: qual era e qual é de fato a vontade que move o processo de integração europeu? Jamais haverá uma resposta consensual para essa pergunta, uma vez que é possível encontrar argumentos válidos para se sustentar qualquer um dos posicionamentos que se queira defender.
Como tivemos a oportunidade de abordar, em um primeiro momento nos parece que o impulso para a integração se deu por uma questão política estratégica, para se evitar uma recuperação da hegemonia alemã e garantir a paz no território europeu ao colocar duas grandes rivais históricas em um mesmo bloco de cooperação.
Assim, Bernecker (2015, p.17) afirma que:
Aunque no se puede hablar de una planificación francesa sistemática con respecto a Alemania, sí hubo algunas metas básicas, que en cierta manera representaban constantes de la política francesa. Sobre todo debía impedirse la restauración de un Estado alemán unificado común gobierno central; en todo caso era imprescindible que el potencial de poder del desaparecido Imperio Alemán fuera aniquilado. Además, Francia estaba interesada en un sistema de seguridad colectiva frente a Alemania.
Embora a transferência de competência às primeiras instituições supranacionais tenha se restringido ao controle do mercado do carvão e do aço, segundo Ruttley (2002, p. 247) “A clara intenção da CECA era agir como um protótipo para uma integração europeia mais ampla; O tratado não era apenas sobre a fusão da produção de carvão e de aço”[5](tradução nossa).
No entanto, de maneira antagônica, não houve uma vez em que não se tenha encontrado resistência no avanço do processo de integração. Exemplo disso foi o já citado “Acordo de Luxemburgo”, bem como a rejeição popular do Tratado que instituiria a “Constituição Europeia”.
Percebe-se que a integração econômica avançou de maneira mais consistente do que a integração política, o que demonstra que esse era de fato um desejo comum de todas as Comunidades Europeias. No entanto, o avanço na integração econômica teve como consequência uma necessidade do avanço da integração política e social.
Ao se estabelecer um mercado único, além da livre circulação de produtos, necessário tambémse permitir a livre circulação de pessoas e serviço. Essas liberdades, por sua vez, ensejaram regulamentações que extrapolam o âmbito econômico da integração. Implicam, por exemplo, na necessidade de elaboração de normas no âmbito da segurança comum e da regulamentação do ensino. Tal fato deixa evidente que o processo de integração não se dá isoladamente em uma área específica, mas inevitavelmente se estende a outras áreas, ainda que essa não seja a vontade primeira de todos aqueles que se juntam a determinado bloco.
No caso da União Europeia, o que se nota é que se abriu a possibilidade de uma “integração seletiva”, isto é, a possibilidade dos Estados-Membros optarem por não aderir a determinada área da integração por não acharem conveniente ou por não estarem ainda preparados para tanto. Essas cláusulas de exceção, denominadas “opt-outs”, implicam em uma União Europeia formada por Estados que se encontram em diferentes estágios de integração. Exemplo clássico é o do Reino Unido que, embora cumprisse todos os requisitos para tanto, optou por não adotar a moeda única europeia.
Dessa forma, Ruttley (2002, p. 247) afirma que:
Os Estados-Membros estão autorizados a excluir certas políticas comuns, e certos programas estão sendo implementados apenas por estados que possuem os meios ou o nível de desenvolvimento para fazê-lo. Este é o preço pago pela manutenção da União. Isso, no entanto, leva à incoerência e à lentidão (embora não seja uma negação absoluta) do processo de unificação. Também questiona a noção de que o início de uma “união cada vez mais estreita entre os povos da Europa” significa um processo integrativo que flui em apenas uma direção federalista. Alguns consideraram isso como um potencial prejudicial para a razão de ser da CE (tradução nossa)[6].
Dessa maneira, entendemos que a convivência de membros em diferentes condições econômicas, políticas e culturais na União Europeia, sobretudo após a grande expansão ocorrida em 2004, tem sido o maior desafio enfrentado pelo bloco desde a sua criação. As vontades de cada um dos Estados-Membros em muitos momentos não coincidem, o que torna difícil a tomada de decisões de cunho fundamental para a União.
Os princípios do direito da integração nascem do direito internacional, mas, posteriormente, adquirem natureza própria, como é o caso da gradualidade, da flexibilidade e do equilíbrio, todos eles calcados, em maior ou menor medida, no princípio do tratamento diferenciado; bem como os princípios da primazia, da aplicabilidade imediata e do efeito direito no caso do direito europeu. A interpretação e aplicação dos referidos princípios ocorre em concordância com o objetivo especificado por cada processo de integração, considerando-se as assimetrias existentes no âmbito interno destes processos (MATA DIZ; JAEGER JÚNIOR, 2015, p. 151).
Além disso, ao aparecer um processo de integração mais profundo, que requer um novo sistema jurídico para ordenar-se, volta-se a atualizar a necessidade de princípios, mais do que como uma resposta doutrinária, como uma exigência da prática e para permitir desenvolver, ordenar e encaminhar corretamente a vontade política dos Estados no sentido de integrar-se, obrigando-se profundamente sem confundir-se num novo Estado que os abarque, nem perder sua independência. Os processos de integração profunda seriam muito difíceis de concretizar sem sólidos princípios que lhes assistissem (ARBUET-VIGNALI, 2004, p. 338).
A permeabilidade das fronteiras possibilita que a integração possa atingir o objetivo estrutural e funcional de facilitar que os fatores produtivos, vinculados ao mercado, possam lograr maior liberalidade na circulação e consequente comercialização dos bens e produtos. (MATA DIZ; JAEGER JÚNIOR, 2015, p. 154).As mudanças associadas com as novas funções de fronteiras internacionais supõem que elas são agora mais permeáveis aos movimentos e fluxos transfronteiriços, apesar das fronteiras internacionais permanecerem bem demarcadas (PAPADODIMA, 2011, p. 193).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de integração da União Europeia se deu por meio de diversos tratados. Cada um deles refletiu a vontade predominante dos Estados-Membros naquele momento histórico. A integração econômica abriu espaço para a integração política e cultural, tendo encontrado severa resistência para tanto.
Não se verificou, no entanto, uma vontade única que tenha impulsionado os Estados a cederem o exercício de determinadas competências para as instituições supranacionais e é essa ausência de coordenação que impede que o avanço se dê de maneira mais acelerada.
A redação dos tratados reflete muito mais os anseios dos membros com maior poder político e econômico do que propriamente um interesse supranacional e esse tem sido o grande desafio a ser superado: a construção de uma vontade única que permita um maior progresso no processo de integração.
Como resultado alcançado observou-se que o processo de integração da União Europeia vivenciou um período de transformações nos mais diversos setores, em especial na área econômica. Isso aconteceu devido à globalização ou mundialização da economia, que gerou uma maior interdependência quer seja no âmbito regional e internacional em virtude dos processos de integração econômica.
REFERÊNCIAS
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Notas de Rodapé
[1] Mestranda do PPGD – Mestrado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna-MG. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Direito Processual pela Universidade Anhanguera-UNIDERP e em Ciências Criminais pelo Instituto Panamericano de Política Criminal. E-mail: evelynalbuquerque@gmail.com
[2] Pós-doutor em Direito junto à Universitàdegli Studi di Messina, Itália. Professor da Graduação e do PPGD – Mestrado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT) e das Faculdades Santo Agostinho (FASASETE). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br
[3] Given the opposition of certain Member States (in particular the United Kingdom) to any further transfer of political sovereignty to the Community, the “integrationists” chose the subtle maneuver of concentrating on the more economic aspects of integration. Their aim was to increase the drive toward economic, monetary, and fiscal integration that a “core” Internal Market would bring, rather than propose controversial schemes for greater political cooperation (RUTTLEY, 2002, p. 255).
[4] In effect, the Single European Act changed EC politics. It broke the hegemony exercised by the Council (that is, the Member States), and the purely European institutions, which could afford to go beyond narrow national interests, began to set the agenda. By concentrating on economic and fiscal integration, and by avoiding an ambitious political program, it succeeded in being all things to all Europeans: the antifederalists considered it a sound (if rather technocratic) set of proposals that had the virtue of leaving sovereignty relatively intact; the federalists, perhaps sensing that institutional and political reforms would inevitably emerge from the achievement of the internal market, bided their time (RUTTLEY, 2002, p. 243).
[5] The clear intention of the ECSC was to act as a prototype for wider European integration; the treaty was not merely about fusing coal and steel production.
[6] The Member States are being allowed to opt out of certain common policies, and certain programs are being implemented only by those states that have the means or the level of development to do so. This is the price being paid for keeping the Union together. It does, however, lead to incoherence and to a slowing (although not an outright denial) of the process of unification. It also throws into question the notion that the principle of an “ever closer union among the peoples of Europe” means an integrative process flowing in only one (federalist) direction. Some have seen this as potentially damaging to the raison d’être of the EC.