Análise Jurídico-Econômica do Agronegócio: Exportação de Gado, Abate e Bem-Estar Animal

DOI: 10.19135/revista.consinter.00010.20
Recebido/Received 05.09.2019 – Aprovado/Approved 12.05.2020

Mário Luiz Ramidoff[1] – https://orcid.org/0000-0002-0777-4944
E-mail: marioramidoff@gmail.com

Maximiliano Augusto Venção Sá[2] – https://orcid.org/0000-0002-2179-5207
E-mail: mvencaosa@gmail.com

Resumo: O presente artigo pautado na metodologia dialética tem como objetivo analisar de que forma o ente Público intervém na ordem econômica nacional, no tocante à exportação de bovinos vivos para o abate, utilizando como referencial teórico além das decisões judiciais que trataram recentemente do assunto, ampla legislação, notícias e publicações como a Revista Eletrônica da BBC Brasil, relatório anual de “Livestock and Products” do USDA Brazil Foreign Agricultutal Service e obras literárias de autores como Eros Grau e Cento Veljanovski, corroboraram a pesquisa científica. Os desdobramentos dessa intervenção na ordem econômica. Os impasses delicados, como a imposição de método de abate humanitário aos países importadores cuja religião influencia o método praticado. Correlaciona essas decisões com as normas e diretrizes estabelecidas pela Administração Pública, em especial as instituídas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no tocante às práticas de manejo pré-abate e bem-estar. Assim como, faz um paralelo entre a realidade brasileira e a expressa no ordenamento normativo.

Palavras-chave: Intervenção do Estado na Ordem Econômica. transporte de animais vivos. exportação de gado em pé para o abate. Direito Animal. Bem-Estar animal.

Abstract: The purpose of this article is to analyze how the Public entity intervenes in the national economic order, regarding the export of live cattle for slaughter, based on judicial decisions that have recently dealt with the subject. The unfolding of this intervention in the economic order. The delicate impasses, such as the imposition of method of humane slaughter to importing countries whose religion influences the method practiced. It correlates these decisions with the norms and guidelines established by the Public Administration, especially those established by the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply – MAPA, regarding pre-slaughter and well-being practices. As well as, it makes a parallel between the Brazilian reality and the one expressed in the normative order.

Keywords: State intervention in the Economic Order; transport of live animals; export of livestock for slaughter; Animal Rights; Animal Wellness.

Sumário: Introdução; 1. Intervenção do estado na ordem econômica; 2. Direito animal; 3. Exportação de gado em pé; considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O Brasil, ao longo de 30 (trinta) anos desde a Promulgação da Constituição da República de 1988, tem passado por significativas mudanças sociais, as quais deve o Direito acompanhar, bem como sua aplicação estar em conformidade com os novos anseios, isto é, a Lei Maior necessita ser interpretada consoante à realidade social atual.

Nesse sentido, o Direito Animal tem sido tema de destaque, pois ilustra a mudança de paradigmas em nossa sociedade, ao passo que os animais deixam gradativamente de serem vistos como coisa, um objeto, e passam a serem sujeitos de direitos carecedores de tutela jurisdicional, a integrarem o seio familiar, a ponto de discutir-se sua guarda em caso de divórcio, por exemplo. Ainda, nesse escopo, cabe ressaltar o primeiro precedente relevante do Supremo Tribunal Federal, quanto ao Direito Animal, o Recurso Especial 153.531-SC, proibição da prática da farra do boi (STF, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, acórdão lavrado pelo Min. Marco Aurélio, j. em 03.06.1997, pub. em 13.03.1998).

Maior evidência se dá quando o assunto se relaciona com outras áreas do Direito e com a ordem econômica nacional, sendo fator fundamental para a intervenção do Estado na atividade econômica que envolva animais, conforme veremos.

Recentemente, um caso envolvendo o Porto de Santos e o embarque de cerca de 25 (vinte e cinco) mil cabeças de gado vivo com destino à Turquia, gerou grande polêmica, suscitando discussões acerca dessa modalidade de exportação, principalmente quanto ao bem-estar dos animais envolvidos, a ordem econômica brasileira e as relações internacionais com os países importadores.

Em ação civil pública submetida à tutela jurisdicional do Estado, a situação complicou-se, uma vez que o juízo da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, em sede liminar, impediu a saída do navio MV Nada, suspendeu as exportações de gado vivo para o abate em todo território nacional, até que os países importadores firmassem acordo inter partes com a finalidade de que fossem adotadas as técnicas de abate praticadas em solo brasileiro e em observância ao previsto em nosso ordenamento jurídico, ainda, determinou o desembarque dos bovinos e a remessa desses às fazendas de origem, cabendo ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) elaborar o plano de ação.

A referida decisão provocou um cenário de tensão, de um lado, buscava-se garantir o bem-estar dos animais embarcados, por outro submeteu-se à ordem público-administrativa, ordem econômica e da saúde pública à risco de grave lesão, e a possibilidade de descumprimento contratual, compromissos já avençados, que acarretaria deteriorização dos laços internacionais, consequentemente afetando a credibilidade do país no mercado mundial.

Diante desse quadro, através de recursos interpostos pela União Federal, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reformou a decisão liminar de primeiro grau, a princípio para determinar a partida imediata do navio MV Nada, tendo em vista que, o desembarque dos bovinos e remessa às fazendas de origem demandaria grande logística a qual para ser executada demoraria até 30 (trinta) dias, o que submeteria os animais à condições ainda mais degradantes, pois nesse período de tempo a limpeza do navio no qual estavam não poderia ser realizada, enquanto estivesse atracado no Porto de Santos, devido ao risco de dano ambiental à costa brasileira.

Posteriormente, a Presidência do referido órgão judicial, decidiu pela suspensão da liminar que impedia a exportação de gado vivo para abate em todo território nacional, até o trânsito em julgado da ação civil pública.

No entanto, a discussão quanto à exportação de bovinos vivos para o abate no exterior está longe de ter um desfecho. Em desdobramento da situação exposta, o Município de Santos, Estado de São Paulo, alterou seu Código de Posturas, por meio da Lei Complementar 996/2018, que em suma passou a vedar o transporte de carga viva nas áreas urbanas e de expansão urbana do referido Município. A nova disposição, indiretamente, inviabilizou o escoamento através do Porto de Santos, da produção de gado para o abate no exterior, prejudicando os produtores rurais brasileiros que o utilizavam.

Neste caso, o Supremo Tribunal Federal foi instado a dirimir o impasse em duas arguições de descumprimento de preceito fundamental de relatoria do Ministro Luiz Edson Fachin, as quais em bosquejo, asseveraram que a Lei Complementar n. 996/2018 tratou de matéria cuja competência é privativa da União, assim como de sua consequência indireta de grave dano à ordem econômica brasileira.

Liminarmente o Ministro-Relator suspendeu, em ambas ADPFs, a eficácia dos dispositivos controversos da Lei Complementar Municipal, em seguida tais decisões foram referendadas em Tribunal Pleno.

Dessa forma, o contexto intrincado envolvendo assuntos delicados como religião e ordem econômica dispostos na Carta Constitucional brasileira, mostra-se relevante para debater a intervenção do Estado, que pode se dar de diferentes formas, na economia à luz do Direito Animal, e assim desenvolver a produção de conhecimento jurídico nesta seara, buscando aliar o progresso econômico de nosso país sem que haja lesão ao bem-estar animal.

Em virtude disto, propôs-se aqui a análise jurídico-econômica desse importante ramo do agronegócio – isto é, do direito do agronegócio –, a qual se orienta pelas significativas contribuições interdisciplinares da economia, conforme os marcos teóricos e pragmáticos da análise econômica do Direito (law & economics), que, para o mais, na contemporaneidade, tem se preocupado não só com o custo econômico, mas, também, com o custo social, das regulamentações normativas (legislações) e das decisões judiciais.

1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

O Poder Público intervém de formas diferentes na ordem econômica, mas apenas poderá fazê-lo dentro dos restritos limites legais, observado o princípio da legalidade disposto no caput do art. 37 da Constituição da República de 1988, motivo pelo qual, faz-se necessária uma breve recapitulação histórica acerca da evolução da formação do Estado Democrático de Direito.

O Estado Democrático de Direito, sucessor do Estado Liberal, pautou-se na intervenção da economia, através da regulamentação das relações econômicas até então demasiadamente soltas enquanto reflexo do neoliberalismo e da ascensão burguesa, estabelecendo assim o denominado Estado Social, o que certamente acarretou o advento das constituições econômicas. Daí, pois, a importância, nesse trabalho, de desenvolver algumas considerações conceituais acerca da “ordem econômica” e da denominada “Constituição econômica”.

A ordem econômica pode ser descrita como “um conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica. Assim, a ordem econômica deontologicamente entendida como uma parcela da ordem jurídica (mundo do dever ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser) escapando, assim, dessa dimensão ontológica (GRAU, 1997, p.53).

Por sua vez, a constituição econômica estabelece que a economia adquire aspecto jurídico, em outras palavras sobrevem a judicialização de conteúdos econômicos na base constitucional, todavia, a exiguidade de normas atinentes à economia nas Constituições antecessoras não implica na abstração de uma constituição econômica, tão pouco da ordem econômica.

Os fundamentos constitucionais da atual ordem econômica brasileira, para qual adotou-se o sistema capitalista, ou capitalismo de mercado, com algumas nuances sociais que o transformaram em um sistema caracteristicamente misto, encontram-se assentados no Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), especificamente nos arts. 170 a 192 da Constituição da República de 1988.

A ordem econômica consolidada Constituição da República de 1988 está baseada no modelo econômico que evidencia uma economia descentralizada de mercado, porque sustenta-se quase que plenamente no apoderamento privado dos meios de produção e na iniciativa (SILVA, 2001, p. 764).

Por outro lado, o seu conteúdo constitucional essa Magna Carta está “impregnada de princípios e soluções contraditórias. Ora reflete um rumo do capitalismo liberal, consagrando os valores fundamentais desse sistema ora avança no sentido de intervencionismo sistemático e do dirigismo planificador, com elementos socializadores” (HORTA apud MORAES, 2012, p. 849.).

Analisando o conjunto normativo constitucional a respeito do assunto, pode-se dizer que o caput do art. 170, elenca dois princípios fundamentais relacionados à ordem econômica nacional, quais sejam, a valorização do trabalho humano; e a livre-iniciativa privada.

Não se ficando restrito apenas ao que se encontra disposto no caput e nos incisos da supramencionada figura legislativa constitucional também é possível destacar que foram elencados princípios que correspondem a noções norteadoras da prática econômica, apontados como eixos de concentração de instruções relacionadas à propriedade privada dos meios de manufatura e a livre-iniciativa que consolidam a diretriz capitalista da economia brasileira.

Fundamentos estes que são igualmente basilares do constitucionalismo brasileiro e perseguem e objetivam garantir aos brasileiros a existência digna, nos moldes dos preceitos da justiça social.

Esses fundamentos do constitucionalismo pátrio passam a se constituir nos vetores orientativos do agrupamento de normas de conteúdo programático de uma Constituição de cunho dirigente, isto é, diretrizes que visam guiar as finalidades atribuídas ao Estado relativas à ordem econômica.

A intervenção estatal na ordem econômica tem por escopo a análise dinâmica – aqui a partir da análise econômica do Direito do Agronegócio –, que apesar de estabelecida nos parâmetros de um sistema de mercado, de viés capitalista, possui claramente em sua essência limitações e condicionamentos relativos aos valores sociais compatíveis com os ideais da República Federativa do Brasil para construção de um Estado Democrático e de Direito que se orienta pelo bem-estar social; razões pelas quais, toda e qualquer transformação deve ser compatível com os anseios sociais, uma vez que se destina a concretizá-los.

No que tangencia ao exposto no introito, observa-se que acerca da função intervencionista do Estado não se pode olvidar o ensinamento do Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual o Estado está autorizado a intervir no domínio econômico, mas limitado às funções de agente normativo e regulador, cuja finalidade consiste na fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado (MORAES, 2012, p. 851).

Em decorrência disto, entende-se que guardam relação em razão mesmo de suas importâncias, as funções de agente normativo e regulador legalmente destinadas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), órgão pertencente à Administração Pública Direta Federal, cujos conteúdos normativos e reguladores são de competência exclusiva da União, cuja fiscalização é exercida pelo próprio Ministério e por órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAM) Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

A política agrícola nacional encontra-se regulamentada pela Lei 8.171/91, a qual dispõem sobre a organização da ação governamental para o setor, estruturada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, incumbindo ao governo federal a orientação regulamentária, as referências nacionais e o cumprimento das ações estipuladas em lei.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), segundo a sua destinação institucional, é o órgão público responsável pelo gerenciamento das políticas públicas de fomento ao setor agropecuário, pelo impulso do agronegócio e tem o importante encargo de regulador e normatizador dos serviços atinentes a esse setor.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por isso mesmo, deve pautar a sua intervenção (estatal) na ordem econômica, nos precisos termos do que dispõe o inc. II do § único do art. 87 da Constituição da República de 1988; e, assim, na qualidade de agente público (político) ao desempenhar as suas atribuições regulatórias e de dirigente normativo, regulamentou as diretrizes técnicas para a exportação de bovinos, búfalos, ovinos e caprinos vivos, destinados ao abate, através da Instrução Normativa n. 13.03.2010.

O art. 1º da Instrução Normativa n. 13.03.2010 expressa e especificamente regulamenta “as normas de procedimentos básicos para a preparação de animais vivos para a exportação, incluindo a seleção nos estabelecimentos de origem, o transporte entre o estabelecimento de origem e os Estabelecimentos de Pré-embarque e destes para o local de saída do país e o manejo nas instalações de pré-embarque e no embarque”.

A supramencionada Instrução Normativa está alinhada não só com a legislação interna brasileira – como, por exemplo, o Decreto 5.741/2006 que instituiu o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária; o Decreto 24.548/34; e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) –, mas, também, com as normativas internacionais, em especial a Declaração Universal dos Direitos dos Animais pactuada em Bruxelas (1976), pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Em relação ao transporte terrestre ou rodoviário, dos animais de suas fazendas de origem ao porto mais próximo, a fiscalização nesse trajeto compete ao Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAM, bem como estabelecer regulamentação normativa conforme diretrizes da política nacional de trânsito, conforme o inc. I do art. 12 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e o Decreto 4.711/2003 que trata do Sistema Nacional de Trânsito (SNT).

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em consonância com o art. 32 da Lei 9.605/1998 e o Decreto 5.741/2006, editou a Resolução 675/2017, através da qual regulamentou o transporte de animais de produção ou de interesse econômico, tendo em vista que o deslocamento rodoviário é o meio mais empregado para o escoamento da produção pecuária, levando-se em consideração os dilemas alusivos ao bem-estar dos animais.

O bem-estar dos animais, então, contemplado na Resolução 675/2017 é constantemente relacionado com as circunstâncias do ambiente físico e social, distância percorrida, gênero e estado de conservação dos veículos, densidade e organização do grupo de animais; sem, contudo, olvidar do aperfeiçoamento da segurança de trânsito.

Essa é uma das formas pela qual a Administração Pública intervém na ordem econômica, isto é, por meio de seus agentes cujas atribuições, funções e competências estão previstas em lei, primordialmente exercendo as atribuições de agentes normativos e reguladores, como nas duas situações expostas (Instrução Normativa n. 13/2010 e Resolução 675/2017) aplicáveis ao tema e casos explanados, cumprindo o papel constitucional balizador da atividade econômica do setor privado, neste viés, exportação de gado em pé para o abate.

Em virtude disso, entende-se que os gestores públicos, legisladores, e os orgãos julgadores devem compreender, e, assim, identificar as vantagens econômicas e sociais que o mercado pode oferecer, passando-se, assim, a “avaliar bem quando se faz necessária a intervenção (e participação) do Estado”, segundo Flávia Santinoni Vera[3].

Por sua vez, o Poder Judiciário interviu diretamente na ordem econômica, mais precisamente o Juízo de Direito da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, que, em sede de cognição sumária extrapolando o exercício de suas atribuições legais típicias (atuação hermenêutica) impôs modalidade de exportação de animais vivos diversa daquela preceituada pelo órgão da Administração Público responsável para tal desiderato.

Pois, como se sabe, essa medida judicial apenas seria legitimamente admitida no âmbito de cognição exauriente em que houvesse instrução com vasta produção, esgotamento e análise do devido conjunto probatório, o qual deveria ser capaz de amparar e dar robustez à tomada de decisão que declarasse a exportação de gado (animais vivos) para o abate no exterior da forma como atualmente é feita, causa ofensa ao bem-estar destes animais.

Essa ingerência judicial expôs a economia pública à risco de grave lesão, sem que houvesse, contudo, a devida cautela em se observar as consequências econômicas e sociais diante de um panorama mais amplo, ante mesmo a repercussão internacional que certamente prejudicaria a credibilidade do Brasil.

Para ilustrar a magnitude e importância da exportação de gado (animais vivos) para a estabilidade e a credibilidade do mercado brasileiro, segundo o Instituto de Estudos Pecuários (IEPEC), com base em dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), destaca-se que o Brasil exportou no ano de 2017 cerca de 400.000 (quatrocentos mil) animais vivos (gado) para abate no exterior.

Esse volume é 41,9% maior que o registrado no ano de 2016, tendo como principais importadores países como Turquia (55,2%), Egito (13,9%), Líbano (9,6%) e Jordânia (9,5%). Os números são mais impressionantes no acumulado de janeiro à julho de 2018, o país já havia exportado cerca de 439.600 (quatrocentos e trinta e nove mil e seiscentas) animais vivos (gado) para abate no exterior, superando o total de todo o ano passado.

Ainda, aponta-se que nos oito primeiros meses desse ano a receita com a exportação de gado em pé foi de U$ 124.000.000,00 (cento e vinte e quatro milhões de dólares), cerca de R$ 478.000.000,00 (quatrocentos e setenta e oito milhões de reais) a mais, vale dizer, uma alta de 21,9% se comparado aos oito primeiros meses do ano de 2015. Conforme o United States Department of Agriculture – USDA, no ano de 2018, as exportações brasileiras de bovinos vivos aumentaram em cerca de 20%, de acordo com o relatório Livestock and Products Annual do ano de 2018, então, elaborado pelo supramencionado Departamento (USDA), há previsão de que as exportações aumentem 15% no ano de 2019.

No entanto, a diminuição do percentual de crescimento se dá em virtude da preocupação dos exportadores brasileiros com a crise econômica-financeira que atinge a Turquia, em especial com relação à Lira, moeda turca, uma vez que aquele país é o principal importador do gado brasileiro, ocupando, assim, o lugar deixado pela Venezuela, tendo-se em conta que é responsável por quase 80% das exportações nesse ano.

Com isso, os empresários do setor pecuário nacional buscam a todo custo reduzir a dependência do mercado turco, através da celebração de acordos sanitários com vários países e também mediante a abertura de novos mercados, como, por exemplo, com o Vietnã, a China e a Malásia.

O que não quer dizer que se deva abrir mão do bem-estar dos animais em prol do desenvolvimento econômico proveniente da exploração da atividade de exportação de gado em pé para o abate.

Pois, na verdade, o que se deve empreender é uma nova cultura acerca da necessidade da fiel observância das normas e dos procedimentos cada vez mais rigorosos para regular a referida atividade comercial, em especial acerca do fiel e integral atendimento das diretrizes da World Organisation for Animal Health (OIE).

Por fim, em relação ao Poder Judiciário, pontua-se que a sua intervenção na na ordem econômica deve ser operacionalizada através da sua atividade típica (final) qual seja, atuação hermenêutica que se destina a interpretar/aplicar as normas pertinentes à matéria que compõem o ordenamento jurídico brasileiro, agora, em harmonia com as novas categorias jurídico-legais que constituem o denominado Direito Animal.

2. DIREITO ANIMAL

O Direito Animal consiste em um conjunto de normas jurídicas as quais buscam estabelecer os direitos fundamentais dos animais não-humanos, considerados estes em si mesmos, autonomamente da sua função ambiental ou ecológica.

Dentre esse conjunto normativo cabe destacar a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) e o Decreto 24.625/34, os quais, na verdade, passam a ser as Leis de Regência desse novo ramo do Direito.

Em relação à natureza jurídica dos animais, o Brasil segue bastante atrasado se comparado a países como Áustria que no ano de 1988 mostrou pioneirismo em dispor em seu Código Civil o enunciado “tiere sind keine sachen”, isto é, em tradução livre “os animais não são coisas”; a Alemanha, no BGB em 1990; Suíça, em seu Código Civil, art. 641, “a” em 2003; França, em seu Código Civil, 2015, art. 515-14, consignou-se que “Les animaux sont des êtres vivants doués de sensibilité”, vale dizer, em tradução livre, “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade”.

Por fim, Portugal, em seu Código Civil de 2017, consignou que “os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza (art. 201-B)”.

Ainda, tramita no Senado Federal o projeto de lei, proposto pelo Deputado Federal Ricardo Izar, PL 6799/2013, o qual visa acrescentar parágrafo único ao art. 82 do Código Civil para dispor sobre a natureza jurídica dos animais domésticos e silvestres, passando a constar que: “Os animais não humanos possuem natureza jurídica ‘sui generis’ e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa”.

Desse modo, apesar da carência de informação e conhecimento, nota-se que a visão do animal como coisa, ou bem, está mudando em virtude do seu papel nas relações humanas, tendo em vista o que se encontra disposto no inc. VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República de 1988, isto é, que os seus direitos devem ser respeitados diante da fundamentalidade formal, o que não quer dizer que devam ser equiparados aos do ser humano, mas sim que exista uma categoria própria.

Nessa seara, cabe esmiuçar o que lhes atribui direitos fundamentais, eis que toda dignidade é fundamento para direitos fundamentais em sentido material em virtude de seu conteúdo e relevância.

Para o Direito Animal, animais não são coisas, é compreendido como animal não-humano o qual tem importância enquanto indivíduo, é portador de valor intrínseco e dignidade própria, devido a sua capacidade de sentir dor e experimentar sofrimento.

É essa senciência animal que revela a dignidade animal, incompatível com as equiparações tradicionais entre animais e coisas, animais e bens ou com a consideração dos animais como simples meios para o uso arbitrário desta ou daquela.

O reconhecimento da dignidade animal, através da comprovação científica da senciência, que consiste na capacidade dos seres de sentir sensações e sentimentos de forma consciente, isto é, a capacidade de ter percepções conscientes do que lhes acontece e do que os cerca.

Neste sentido, a respeito da consciência, no ano de 2012, durante a conferência sobre a consciência em animais humanos e não-humanos, em Cambridge, Reino Unido, foi redigida por Philip Low, a Declaração Sobre a Consciência:

 

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais.

Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos.

 

Inadmissível ignorar essa comprovação científica, e sendo seres racionais como nos intitulamos, nosso raciocínio deve partir do princípio da igual consideração de interesses, ou seja, se o ser humano tem o interesse de não sofrer, não se pode negar o reconhecimento aos animais de iguais interesses em não sofrer.

Nesse raciocínio, não seria admissível, equiparar e atribuir aos animais a existência digna de que trata a segunda parte do caput do art. 170 da Lei Maior de 1988? Diretamente relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana em seu bojo unifica e serve como base, não limitada tão somente aos direitos fundamentais, mas do mesmo modo à ordem econômica.

A humanidade muito evoluiu, especialmente no campo científico e do pensamento, porém, a atividade empresarial moderna envolvendo animais ainda possuí resquícios do Antropocentrismo, isto é, do entendimento cartesiano de enxergar os animais como coisas e consequentemente a exploração infinita deles, pelo que, na contemporaneidade, essa concepção retrógrada já não deve mais prosperar.

Por isso é indispensável ao fazer econômico que seja ordenado e orientado pelos preceitos de inclusão e de sustentabilidade atrelando-se, assim, a atividade econômica aos direitos fundamentais, e que seja como meio de promover a ética empresarial objetivando a construção de uma sociedade justa, solidária e livre.

Alguns estudiosos defendem que é imprescindível a adoção de mecanismos de constrangimento discursivo, ou seja, para que esse discurso possa ter alcance e contundência é preciso dizer que os animais não são coisas e as pessoas têm que se sentir constrangidas por esses argumentos; até porque a mudança de paradigma começa precisamente com a adoção de um novo vocabulário.

No que concerne à crise axiológica decorrente da instabilidade política, da situação econômica e do excesso de regulamentação normativa, verifica-se que o Direito Animal não tem plena aplicabilidade, isto é, deveria ser minimamente condizente com a realidade e prática brasileira relativamente ao transporte terrestre de gado em pé e sua exportação para o abate.

3. EXPORTAÇÃO DE GADO EM PÉ

A partir do que restou consagrado no decisum exarado pelo Juízo de Direito da 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, ao decidir liminarmente pelo impedimento da exportação de bovinos (animais vivos) para o abate em todo território nacional, destacou em seus fundamentos o tratamento jurídico a ser atribuído aos animais, isto é, como sujeitos de direitos, bem como dos métodos de abate não humanitários adotados pelos países importadores destinatários do gado (animais vivos) brasileiro e da adesão de medidas efetivas para garantir o bem-estar desses animais nos procedimentos de embarque, transporte interno e durante a viagem marítima.

O primeiro quesito a ser analisado corresponde ao que fora apresentado no tópico anterior relativo ao Direito Animal; e, agora, passa-se ao próximo quesito relativo aos métodos de abate não humanitários adotados pelos países importadores, os quais como já salientado, de maioria muçulmana. Nesses países, o método de abate adotado está diretamente relacionado à sua religião, sendo praticado o “Halal”, que no idioma árabe pode ser designado como o “permitido” pelas “Leis de Alá”.

A técnica, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA, o The Islamic Food and Nutririon Council of América e o The Muslim Food Board, consiste nos seguintes passos: 1 – O animal deve ser abatido por um muçulmano que tenha atingido a puberdade, o qual deve pronunciar o nome de Alá ou recitar uma oração que contenha o nome de Alá durante o abate, com a face do animal voltada para Meca; 2 – O animal não deve estar com sede no momento do abate; 3 – A faca deve estar bem afiada e ela não deve ser afiada na frente do animal. O corte deve ser no pescoço em um movimento de meia-lua; 4 – Deve-se cortar as três estruturas anatômicas (jugular, traqueia e esôfago) do pescoço; 5 – A morte deve ser rápida para evitar sofrimentos para o animal; 6 – O sangue deve ser totalmente retirado da carcaça.

Sobre esse prisma religioso, a situação é bastante delicada e complexa por vários aspectos, a imposição de que as partes envolvidas na transação firmassem acordo interpartes para a adoção dos métodos brasileiros de abate, humanitários, fere dispositivos internos, tendo em vista que a legislação pátria permite o abate de animais segundo preceitos religiosos, expressamente no Decreto 9.013/2017 que dispõem sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal e que regulamenta as Leis 7.889/89 e n. 1.283/50.

O inc. VI do art. 5º da Constituição da República de 1988 estabelece o direito e a garantia fundamental de liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos.

Nessa toada, a decisão liminar é um tanto quanto arbitrária, extravasando os limites de sua jurisdição, não sendo possível impor à outro país soberano a adoção e submissão às normas brasileiras em seu solo, especialmente quando a questão envolver religião.

Mesmo que em sua fundamentação quanto a adoção do método de abate brasileiro, equipare a exportação de gado em pé à extradição de indivíduos para cumprir pena em outro país, no qual não poderão sofrer sanção diversa da estabelecida por nosso ordenamento jurídico, não seria suficiente para sobrepor o direito e garantia fundamental de liberdade e livre exercício de crença, no sentido religioso.

No que diz respeito à adesão de medidas efetivas para garantir o bem-estar dos animais nos procedimentos de embarque, transporte interno e durante a viagem marítima, parece que novamente o Poder Judiciário, nesse caso, excedeu sua esfera de atuação, pelo menos em sede de cognição sumária, pois a adoção dessas medidas compete à Administração Pública Direta, através do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), como agente normativo e regulador conforme já abordado.

Como já asseverado, caso fosse hipótese de cognição exauriente em que há instrução para se esgotar e analisar todo conjunto probatório produzido, poderiam ser discutidas se tais medidas são ou não adequadas, infelizmente, não é o caso.

Em contrapartida, os argumentos justificadores das decisões reformadoras proferidas pelo órgão jurisdicional colegiado (TRF3), que determinaram a partida imediata do navio MV Nada carregado com cerca de 25.000 (vinte e cinco mil) cabeças de gado e a suspensão da liminar que impediu a exportação de bovinos vivos para o abate em todo território brasileiro, baseiam-se em suma na importância das exportações de gado em pé para o abate para a economia pública, no risco de se gerar imprevisibilidade no fluxo comercial, no esfacelamento das relações internacionais, atingindo compromissos já celebrados, afetando a credibilidade do país frente a comunidade mundial.

Essencialmente, substanciou-se no grave risco à ordem econômica nacional.

Já nas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPFs, submetidas ao Supremo Tribunal Federal sobre a alteração do Código de Posturas do Município de Santos/SP, por meio da Lei Complementar Municipal n. 996/2018, que proibiu o transporte de carga viva em área urbana e de expansão urbana, objetivou de acordo com o Rel. Min. Edson Fachin, impedir os empresários do setor de exportação de bovinos (animais vivos) de acessar o Porto de Santos acometendo diretamente sua atividade comercial.

Todavia, entende-se que merece destaque a justificativa do legislador municipal, relator do projeto de lei, Vereador Benedito Furtado, nos termos do voto do Excelentíssimo Ministro, in verbis:

 

Em coerência com essa diretriz, constatamos que a operação de embarque de bois no terminar do Ecoporto, no Cais de Saboó, suspensa várias vezes por decisão judicial, trouxe ao conhecimento da população de nossa cidade um tema que é do interesse de todos nós, tema este que necessita de atenção especial, na medida que gerou e poderá, ainda, vir a gerar novos impactos ambientais, urbanísticos e sociais que atingirão a todos nós. Em que pese a necessidade de mantermos nosso porto em atividade, esta necessidade não pode estar acima do bem-estar da população. A enorme quantidade de animais que foram trazidos para o ambiente urbano, necessitaria, para a minimização dos impactos ambientais, todo um planejamento que culminaria com a alteração do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, seja pelos cuidados higiênicos que tal carga requer, seja pelo fato de que nossa área portuária não está adaptada, ainda, para o transporte de cargas vivas nas proporções do que ocorreu. […]

Repito que nosso porto é de vital importância, mas somos uma cidade turística e não podemos mais correr o risco de sentir a atmosfera de nossa cidade contaminada pelo mau cheiro de esterco produzido por animais, sujeitos a condições degradantes, situação esta que coloca em cheque, em primeiro lugar a nossa humanidade, em segundo a nossa responsabilidade com a saúde da população e o meio ambiente e, finalmente, nossa condição de estância balneária, referência em toda a Baixada.

 

Em que pese a nobre intenção do legislador municipal, com relação ao conteúdo controverso da mencionada Lei Complementar Municipal levado ao Supremo Tribunal Federal pelas ADPFs consiste em saber se o Município, ao estatuir tal proibição, adentrou no espaço de competência da União.

Com fundamento na vasta legislação existente em nosso ordenamento jurídico, estabelecida pela União, quanto às diretrizes para a política agropecuária inclusive abrangendo o transporte de animais vivos, conforme supra exposto, entendeu o Ministro-Relator que a municipalidade transgrediu a competência da União.

Ainda que, por efeito de conceber dispositivo legislativo visando à proteção animal, instituiu restrição desproporcional ao direito dos agentes do agronegócio de desempenhar sua atividade comercial.

Tal desproporção resta clara ante a envergadura normativa federal que orienta o tema, considerando o conjunto de mecanismos estabelecidos para assegurar tanto a qualidade dos produtos remetidos ao proveito pela população, quanto garantir aos animais existência digna livre de sofrimento em seu transporte e abate.

Ademais, observa-se que também fora consignado no decisum que incumbe aos órgãos federais, estaduais e municipais, competentes, o controle de tais diretrizes, sendo inexequível atribuir ao particular restrição desproporcional à sua iniciativa com base em suposto descumprimento de norma sobre transporte de animais.

Diante de tudo do que se evidenciou, nota-se que não há proporcionalidade ou mesmo equilíbrio na equação entre o mercado econômico brasileiro de exportação de gado em pé (animais vivos) e o bem-estar dos animais.

Pois, como se viu, as decisões judiciais revelam extremos opostos, isto é, enquanto umas primam pelo bem-estar dos animais em detrimento da atividade comercial de exportação de gado em pé e a renda que esta gera para a econômica nacional, outras apenas priorizam o oferecimento de tutela jurisdicional à ordem econômica.

Considerações Finais

Indubitavelmente as exportações brasileiras de bovinos (animais vivos) para o abate significam um montante de considerável expressão para a economia brasileira, tendo importante participação em nosso Produto Interno Bruto – PIB, por outro lado, incontroversa também é a questão preocupante em relação ao bem-estar dos animais envolvidos nessa atividade comercial, quase sempre remanescendo em segundo plano.

Inobstante, o arcabouço normativo em relação ao transporte de animais vivos, de práticas de bem-estar animal e de Direito Animal, quando da intervenção do Estado na economia, em casos que envolvam atividade comercial de exploração animal, essas não recebem a relevância merecida. Em outras palavras, não há adequação dessas normas à realidade vivida no país.

De nada adianta ter uma legislação extensa sobre a matéria, por exemplo, regulamente o transporte de animais vivos, se esta não é condizente com a atual infraestrutura.

Ainda, as rodovias brasileiras são demasiadamente precárias, incapazes de suprir de forma satisfatória a demanda para o escoamento da produção pecuária, submetendo os animais à condições degradantes, físicas e mentais.

De acordo com o relatório final entitulado Bem-Estar Animal no Transporte Marítimo ou Fluvial de Animais Vivos, decorrente do Projeto Transporte Marítimo de Bovinos realizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), com a participação de perita europeia com a finalidade de apresentar diretrizes do segmento para a exportação de bovinos vivos e perito nacional para a criação de guia nacional de exportação de bovinos vivos, o manejo pré-abate e o transporte estão relacionados à uma gama de situações estressantes aos animais, as quais prejudicam seu bem-estar, bem como a qualidade da carcaça, ocasionando desvalorirazação e consequentemente perdas econômicas para os empresários do agronegócio.

Com relação ao prejuízo decorrente de lesões como contusões durante o transporte, o relatório afirma serem grandes, versando em torno de 400 a 600 gramas de perda por trauma, fora perdas associadas ao nível de pH (potencial hidrogeniônico) elevado que compromete a qualidade da carcaça.

Essas lesões estão diretamente ligadas a problemas no manejo pré-abate, senão, que, dentre os principais fatores que ensejam o aumento nos riscos de hematomas nas carcaças, destaca-se os seguintes: (1) agressões diretas; (2) alta densidade social; (3) instalações inadequadas; (4) transporte inadequado (caminhões e estradas em mau estado de conservação).

As precárias condições das estradas e dos transportes aliadas ao fator climático ruim em determinadas épocas do ano nas regiões centro-oeste, em que mais concentra-se a pecuária, acrescem bastante as despesas operacionais com a logística de transporte, assim como aumentam o risco, causar estresse descomedido e óbito aos animais durante o trajeto.

Os problemas que os pecuraristas enfrentam em relação à infraestrutura do País, estende se a outras áreas da gestão empresarial, como por exemplo os custos de logística, área responsável por planejar a distribuição do produto, seja em território nacional, seja internacional.

A União Brasileira de Avicultura (UBA, 2004), manifestou-se dizendo: “a maior barreira para expansão da atividade não se encontra no mercado ou na capacidade de produção ou mesmo em problemas de qualidade ou sanidade, encontra-se na logística reportando que rodovias em más condições aumentam em até 40% o tempo de transporte”.

Logo, o aumento do tempo de transporte, aumenta também os riscos de perdas por depreciação de carcaça, devido a exposição prolongada do animal às condições de lotação, restrição de espaço e alimento, variações climática, trepidações e solavancos por más condições das estradas.

Com tantas variáveis, uma previsão financeira inadequada, pode reduzir significativamente os ganhos estimados, no primeiro momento, pelo empresário.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) na Instrução Normativa 56/2008 abordou: “Bem-Estar Animal é extremamente importante, mas sem Bem-Estar Humano, não conseguimos cobrar o primeiro e sem o Bem-Estar Financeiro não conseguimos garantir nenhum dos dois primeiros”.

Por essa razão, a prosperidade desse mercado econômico está intimamente ligada as práticas de bem estar de forma geral.

Portanto, quanto a viabilidade econômica, seria um contrasenso a exportação de bovinos vivos para o abate, que já existe acerca de 20 (vinte) anos, continuar a ser realizada se os prejuízos mencionados associados as lesões nas carcaças e as que afetem a qualidade da carne, representassem um grande percentual.

Ainda que o empresário estime suas perdas e riscos da exploração da atividade, o transporte é um grande inimigo neste ramo, pois é de clara constatação que mesmo nos casos em que o animal venha de uma propriedade de manejo correto, não existe garantia que este animal receberá o mesmo suporte durante o percurso até o comprador, por razões que fogem do controle do empresário.

A infraestrutura ofertada pelo Estado e a ausência de infraestrutura específica para atender a exploração comercial deste ramo de negócio, impede que o bem-estar animal possa ser praticado em sua integralidade, impede o crescimento do mercado, aumentam os riscos de investimento e consequentemente diminui os ganhos para o empresário e para o próprio país.

Uma resposta para a situação de impasse da imposição de método de abate condizente com o adotado pelo Brasil, seria a celebração de novos acordos sanitários visando a abertura de novos mercados como Vietnã, China e Malásia, que adotem práticas humanitárias de abate em conformidade com o realizado no Brasil.

Assim como, maior participação dos órgãos não governamentais de proteção ao bem-estar animal para também atuar como fiscais, se as diretrizes normativas brasileiras estão sendo cumpridas em conformidade com os preceitos da Organização Mundial de Saúde Animal, e dar publicidade à casos em que há descumprimento e tendem a serem abafados pela mídia.

REFERÊNCIAS

ABPA – Associação Brasileira de Proteina Animal, A Técnica de Abate Halal, Disponível em: <http://abpa-br.com.br/setores/avicultura/mercado-externo/a-tecnica-de-abate-halal>. Acesso em: 11.11.2018.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 5.10.1988.

BRASIL, Decreto 24.548, de 3 julho de 1934, Serviço de Defesa Sanitária Animal.

BRASIL, Decreto 4.711, de 29 maio de 2003, Coordenação do Sistema Nacional de Trânsito.

BRASIL, Decreto 5.741, de 30 março de 2006, Regulamenta os arts. 27-A, 28-A e 29-A da Lei no 8.171, de 17.01.1991 (Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária)

BRASIL, Instrução Normativa n. 13, de 30 de março 2010, Regulamento técnico para exportação de bovinos, búfalos, ovinos e caprinos vivos, destinados ao abate.

BRASIL, Lei 8.171, de 17.01.1991, Política agrícola.

BRASIL, Lei 9.503, de 23 setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro.

BRASIL, Lei 9.605, de 12.02.1998, Lei dos Crimes Ambientais.

BRASIL, Lei Complementar Municipal n. 996, de 18.04.2018, Altera e acresce dispositivos da Lei 3.531, de 16.04.1968 (Código de Posturas do Município de Santos).

BRASIL, Resolução 675, de 21 janeiro do 2017, Altera a Resolução CONTRAN n. 593, de 24.05.2016 (Especificações técnicas para a fabricação e a instalação de para choques traseiros nos veículos de fabricação nacional ou importados das categorias N2, N3, O3 e O4. Diário Oficial).

CARNEIRO, Luiz Leandro, STF suspende proibição de transporte de animais vivos em Santos. Revista online, Jota.info. 11 out. 2018. Disponível em: <https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-suspende-proibicao-de-transporte-de-animais-vivos-em-santos-11102018>. Acesso em: 10.11.2018.

GRAU, Eros Roberto, A ordem econômica na Constituição de 1988, interpretação e crítica. 3. ed., São Paulo, Malheiros, 1997.

MACHADO, Leandro, Exportação de animais vivos para abate dispara e vira alvo de batalhas na Justiça no Brasil. Revista eletrônica, BBC Brasil, São Paulo, 21 fev. 2018. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43116666>. Acesso em: 10.11.2018.

MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, 12. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais. 2008.

Ministro Fachin suspende proibição de transporte de animais vivos em Santos. Revista online, migalhas, 26 de abr. 2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI279186,51045-Minis tro+Fachin+suspende+proibicao+de+transporte+de+animais+vivos+em>. Acesso em: 10.11.2018.

MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 28. ed., São Paulo, Atlas, 2012.

OIE – World Organization for Animal Health. Disponível em: <http://www.oie.int>. Acesso em: 11.11.2018.

SILVA, João, Livestock and Products Annual, Anuário, USDA Brazil Foreign Agricultutal Service, 9 abr. 2018. Disponível em: <http://www.usdabrazil.org.br/pt-br/reports/livestock-and-products-annual-2018.pdf>. Acesso em: 11.11.2018.

SILVA, José Afonso, Curso de direito constitucional positivo, 19. ed., São Paulo, Malheiros, 2001.

TIMM, Luciano Benetti (coord.) Direito e economia no Brasil, estudos sobre a análise econômica do Direito. 3. ed. Indaiatuba (SP), Foco, 2019.

VELJANOVSKI, Cento, The Economics of Law, The Institute of Economic Affairs, London, 2006.

VERA, Flávia Santinoni, Análise econômica da propriedade, In TIMM, Luciano Benetti (coord.) Direito e economia no Brasil, estudos sobre a análise econômica do Direito. 3. ed. Indaiatuba (SP), Foco, 2019.

VIAPIANNA, Luiz Tadeu, Economia do Crime, uma explicação para a formação do Criminoso, Porto Alegre, AGE, 2006.

ZYLBERSZTAJN, Décio; SZTAJN, Rachel, Direito e economia, análise econômica do direito e das organizações, Rio de Janeiro, Elsevier, 2005.

Notas de Rodapé

[1] Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Mestre (PPGD-UFSC) e Doutor em Direito (PPGD-UFPR), com Estágio Pós-doutoral (PPGD-UFSC); Professor Titular no PPGD-Uninter e no Unicuritiba; E-mail: marioramidoff@gmail.com

[2] Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania no Programa de Pós-graduação em Direito do Centro Universitário de Curitiba – PPGD-Unicuritiba; pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná – EMAP; pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Bacellar; graduado em Direito pelo Centro Universitário de Curitiba – Unicuritiba; E-mail: mvencaosa@gmail.com

[3] VERA, Flávia Santinoni. Análise econômica da propriedade. In TIMM, Luciano Benetti (coord.) Direito e economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do Direito. 3. ed. Indaiatuba (SP): Foco, 2019, p. 199-221. De acordo com a autora, “o social é construído a partir do individual, o macro vem da soma dos micros, e que ambos são interligados. Com isso em mente, legisladores e magistrados produzirão regras mais eficientes no sentido de atingir seus reais objetivos”.