Mecanismos Extrajudiciais do Direito à Saúde Sob a Perspectiva do Teorema de Coase
DOI: 10.19135/revista.consinter.00011.18
Recebido/Received 23.09.2020– Aprovado/Approved 28.10.2020
José Laurindo de Souza Netto[1] – https://orcid.org/0000-0002-5096-9982
E-mail: jnl@tjpr.jus.br
Anderson Ricardo Fogaça[2] – https://orcid.org/0000-0001-8495-9443
E-mail:andersonfog@yahoo.com.br
Adriane Garcel[3] – https://orcid.org/0000-0002-6950-6128
E-mail: adriane.garcel@tjpr.jus.br
Resumo: O objetivo do trabalho é examinar as razões teóricas que sustentam o direito à saúde como direito prestacional oponível ao Estado, particularmente, na seara da concessão individual que impacta sobremaneira a sustentabilidade do sistema. Parte-se da hipótese que, na judicialização da saúde, ao se dar provimento a uma demanda individual, os custos são repartidos para toda a sociedade. A problemática reside em analisar o fenômeno sob a ótica do Teorema de Coase, que permite a ponderação dos custos sociais resultantes da judicialização da saúde, buscando alternativas extrajudiciais que não demandem recursos do orçamento público destinado ao direito à saúde. Para a elaboração, será utilizado o método lógico dedutivo combinado aos precedentes de pesquisa bibliográfica e documental. Em relação aos resultados alcançados, tem-se que a principal contribuição do trabalho é que o planejamento do Estado, voltado à aplicação dos mecanismos extrajudiciais, Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, Fomento Setorial e Licenciamento Compulsório, apresenta-se enquanto alternativa mais efetiva a materialização do direito à saúde. Somado a isso, a juseconomia é importante ferramenta que auxilia o exame das consequências práticas, fornecendo ao agente público diagnóstico e prognóstico para a tomada da decisão mais acertada.
Palavras-chave: Direito fundamental social à Saúde. Investimento. Análise Econômica do Direito. Teorema de Coase. Fomento Setorial. Parcerias de Desenvolvimento Produtivo. Licenciamento Compulsório.
Abstract: This essay aims to examine, briefly, the theoretical reasons that support the right to health as a right to benefit and opposed to the State, a situation in which the related syndicability (individually considered) is identified as a factor of relevant impact on the sustainability of the system protective as a whole. It is assumed that, in the judicialization of health, when granting an individual demand, the costs are distributed throughout the society. Then, this phenomenon is analyzed through the lens of Coase Theorem, demonstrating the necessity to analyze the social costs of the judicialization of health. In the end, alternative solutions out of court that do not require resources from the public budget destined to the right to health are ventilated, which present an excellent cost-benefit ratio.
Keywords: Fundamental and social right to health. Investments in public health. Law and Economics. Coase Theorem. Sector Promotion. Productive Development Partnerships. Compulsory Licensing.
Sumário: 1. Introdução 2. A proteção constitucional do direito à saúde 3. As externalidades do acesso à saúde sob a ótica do teorema de coase 4. Mecanismos extrajudiciais 4.1 parcerias de desenvolvimento produtivo 4.2 atividade fomentadora e fomento setorial 4.3 licenciamento compulsório 5. Considerações finais 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A proteção do direito à saúde é garantida constitucionalmente, como corolário da dignidade da pessoa humana. Ocorre que, apesar de expressamente prevista na Constituição de 1988, inclusive configurando cláusula pétrea, a garantia de um efetivo sistema público de saúde não é tarefa simples, particularmente, em um país com mais de 200 (duzentos) milhões de habitantes.
Neste cenário, a judicialização da saúde se mostra, muitas vezes, como meio de garantir o atendimento a uma demanda individual, principalmente em se tratando de medicamentos, ou serviços de alto custo, não previstos nas listas oficiais. Além disso, a grande maioria das decisões judiciais se baseiam na proteção constitucional e acabam por impor aos entes federativos a obrigação de satisfazer os anseios individuais extraordinários ao planejamento estatal.
Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo examinar, sob a ótica do Teorema de Coase, as decisões frente aos custos sociais. Parte-se da hipótese que a imposição por parte do Judiciário nada mais faz do que repassar o valor do medicamento, ou serviço, para toda a sociedade. Para além, busca-se, como resultados, investigar alternativas extrajudiciais mais adequadas que auxiliem na promoção do direito à saúde sem comprometer o planejamento orçamentário.
Para tanto, preliminarmente, o direito à saúde será estudado sob o prisma da proteção constitucional. Posteriormente, adentrando na ótica do Teorema de Coase. Por fim, serão apresentadas alternativas extrajudiciais à desoneração do erário, particularmente, as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, o Fomento Setorial e o Licenciamento Compulsório.
2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE
A Constituição Federal da República é Lei Fundamental que está no topo da pirâmide normativa, fundamento de validade último de todas as demais normas jurídicas de uma sociedade. Não obstante, foi elaborada por pessoas democraticamente reunidas em uma Assembleia Nacional Constituinte e não oriunda, ou por meio, de uma divindade (BARROSO, 2009, p. 120-121).
Em decorrência disso, é dotada – em razão, dentre outros fatores, de escolhas políticas acompanhadas de falibilidade (inerente à condição humana) – das ideologias dominantes da época, vicissitudes naturais do processo. Desprovida, portanto, de um aspecto “metafísico” que, por vezes, algumas interpretações transparecem. Destarte, do resgate sociológico, dentro da concepção de Ferdinand Lassalle – que diferencia, na obra “A Essência da Constituição”, a constituição escrita ou jurídica (mera folha de papel) da constituição real ou material (resultante do somatório dos fatores reais de poder) –, percebe-se que a Constituição Cidadã de 1988, fortemente Social e Dirigente, amplamente garantidora de direitos e programática, nada mais é do que reflexo das escolhas, em larga medida, influenciadas por inúmeras tensões públicas advindas dos mais variados segmentos da sociedade.
Para além do amplo rol contido na Carta de 1988, os direitos e garantias fundamentais ganham especial destaque, ao passo que elevados ao patamar de cláusula pétrea. Isto, porque, apesar de o inc. IV do art. 60, § 4°, da Constituição, apontar como cláusula pétrea os “direitos e garantias individuais”, compreende-se que os direitos sociais se incluem entre os direitos fundamentais, atraindo o regime jurídico destes.
A equiparação permite constatar que o rol dos direitos sociais não é taxativo, uma vez que compreende cláusula de abertura material, ou de não tipicidade, que permite ampliação de modo a abranger direitos materialmente fundamentais que estejam fora do Título II, conforme traça o § 2º do art. 5º da Constituição. Afora isso, em razão do tratamento jurídico dado pelo § 1º do art. 5º da Constituição Federal, possuem aplicabilidade imediata, condição que, por si só e de plano, não afasta “uma série de questões controversas, amplamente debatidas nas esferas doutrinária e jurisprudenciais” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 602).
Neste contexto, a saúde é direito fundamental social previsto nos arts. 6º e 196, ambos da Constituição Federal, enquanto direito de todos e dever do Estado, assegurado através de políticas sociais e econômicas que visem, dentre outros fins, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Tem-se, ainda, que o direito apresenta dupla dimensão, ou perspectiva, a dimensão subjetiva e a objetiva. A primeira, com enfoque no próprio titular do direito, individualmente, e que gera o direito subjetivo de proteção (negativo) face ingerências, bem como de exigência de prestação (positivo) por parte do Estado. A segunda, por sua vez, cria dever de proteção do Estado contra agressões, à chamada eficácia irradiante dos direitos fundamentais. A propósito, a conjugação das dimensões subjetiva e positiva abre a possibilidade de as pretensões individuais serem reclamadas ao Estado, através do Poder Judiciário, ante o caráter prestacional (exige um facere estatal) do direito, ao menos na perspectiva do mínimo existencial (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 595).
Neste contexto, é sabido que aos direitos sociais deve-se garantir máxima eficácia e efetividade, com obrigação solidária de implementação por parte de todos os entes, somado ao “dever de aplicação direta de tais normas por parte dos órgãos do Poder Judiciário” (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 595). Entretanto, isto não quer significar a existência de um direito fundamental in abstrato, sem limitações fáticas e jurídicas. Em contraposição, tem-se a reserva do possível, cuja perspectiva economicamente relevante retoma a discussão do fator custo.
Em verdade, a pretensão de, por meio do Poder Judiciário, exigir da Entidade Política a obrigação de realizar “uma prestação diretamente fundada na Constituição” mostra-se nada simples e, verdadeiramente, desafiadora (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 598). O indivíduo busca o Judiciário a fim de fazer valer sua necessidade e condição de titular do direito. Na sequência, tornada a coisa litigiosa, o Judiciário pode se comportar de duas maneiras, ou de forma autocontida (autocontenção judicial), ou de forma expansiva, ou ativista (ativismo judicial). E qual é a fórmula certa? Depende. Em algumas situações deve se autoconter, noutras deve atuar de maneira expansiva.
Acerca disso, destaca-se que o ativismo judicial não é um fato decorrente da Constituição (ou do modelo institucional vigente), mas sim uma atividade, uma conduta proativa e ampliativa do intérprete, ou seja, o ativismo judicial é um modo proativo e expansivo de interpretar a Lex Mater, inclusive, para levá-la a situações que não foram expressamente contempladas, nem pelo constituinte nem pelo legislador ordinário. Portanto, existem formas de manifestação desse ativismo. Adicionalmente, verifica-se a autocontenção judicial como o outro lado da moeda do ativismo judicial, pois, aquela reflete uma atuação antagônica a esta atitude proativa, à medida que a postura do Poder Judiciário é contida, mais comedida, “conduta pela qual o judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes” (BARROSO, 2015). Para além desse imbróglio, o que se pode afirmar categoricamente é que a proteção individual excessiva e incoerente pode levar o sistema protetivo como um todo à ruína.
3 AS EXTERNALIDADES DO ACESSO À SAÚDE SOB A ÓTICA DO TEOREMA DE COASE
Uma vez entendida a saúde como um direito de todos e dever do Estado, mostra-se intensa e significativa a obrigação estatal de consumar o seu núcleo essencial, com necessária disponibilização de recursos pecuniários (considerando que “Direitos não nascem em árvores”), de modo geral, previstos no orçamento público dos entes federativos. Conforme discorre Galdino (2005, p. 211): “As escolhas trágicas – na já antes aludida expressão de Calabresi e Bobbit – que são impostas pela escassez de recursos financeiros para tutela dos direitos salientam a valoração que uma sociedade atribui a tais ou quais direitos. Isto porque as decisões (ou escolhas) acerca das alocações dos recursos para tutela de determinados direitos, enquanto outros restarão desprotegidos, espelha os valores da sociedade em questão”.
Malgrado, se de um lado não se pode visualizar a implementação de direitos de maneira utópica (sem se considerar o “fator custo”), de outro mostra-se necessário transpor a concepção dos custos como mero obstáculo, uma vez que os recursos econômicos são, na realidade, “pressupostos, que tornam possível a realização dos direitos” (GALDINO, 2005, p. 213).
Eventual insuficiência de recursos constitui mais do que mero empecilho à implementação do direito à saúde, revela as escolhas trágicas realizadas pela autoridade competente, o “abandono” de certos direitos, ou políticas públicas, má gestão, desvio da finalidade pública. Em verdade, serve como espécie de feedback que indica o redirecionamento da máquina pública para determinada necessidade.
Nesse cenário e em razão da escassez de recursos em face da vastidão de necessidades públicas, à Administração compete efetivar as escolhas “menos trágicas” que integrarão os projetos de Leis Orçamentárias (lato sensu), ocasião em que deverá avaliar conveniência e oportunidade, uma vez que nem todos os direitos fundamentais albergados na Lei Maior poderão ser efetivados em sua totalidade. Posteriormente, a escolha é ratificada pelo Poder Legislativo competente (em um verdadeiro pêndulo da harmonia entre os poderes).
Verdade seja dita, considerando que nem todos os direitos fundamentais poderão ser efetivados, e, quando o forem, não serão disponibilizados a todos integralmente, surge à noção de tragicidade da escolha a ser feita pelo Poder Público. Certamente, inúmeras pessoas acabarão desassistidas, razão pela qual, à luz da eficiência e maximização, deve o Estado direcionar os recursos às ações que impactem o maior número de pessoas em situações similares.
Diante deste cenário, bastante em decorrência da imperiosa racionalização dos insuficientes recursos financeiros, a Análise Econômica do Direito – também conhecida por AED, juseconomia ou Direito e Economia em decorrência da acepção talhada pelos americanos “law and economics” (MACKAAY, ROUSSEAU, 2015, p. 202) – evidencia-se útil e profícua, ao possuir como vetores decisórios a eficiência, a otimização dos recursos e o melhor manejo da relação custo – benefícios. Com efeito, a questão da administração das infinitas necessidades, diante dos limitados recursos, reflete importante questionamento da Economia, enquanto ciência, que lança o debate em torno da concepção de eficiência, atingir grau máximo de eficiência na aplicação de recursos.
Com base nesta perspectiva, Flávio Galdino preleciona que a “questão central na análise econômica do direito será a eficiência econômica, ou mais precisamente, a maximização da eficiência econômica das instituições sociais e, dentre estas, também do Direito” (GALDINO, 2005, p. 242). Destacando, ainda, que:
Antes de ser uma inimiga ou um mero artifício ideológico para denegação de direitos, a compreensão da escassez de recursos – ao lado da correta compreensão dos custos dos direitos – através de análises de custo-benefício, significa um meio de converter o Direito em um poderoso instrumento de transformação social, representando também, até mesmo, uma justificativa para o próprio Direito (GALDINO, 2005, p. 242).
Com base nisso, tem-se que os custos de transação podem ser concebidos como meios, ou maneira, de precificar incertezas que impactam, em maior ou menor grau, as operações econômicas (SZTAJN, 2004, pp. 283-302). Adiante, a dita externalidade pode ser compreendida, grosso modo, como o efeito da atividade econômica em terceiros, positivo/benéfico ou negativo/lesivo. Inclusive, é por este motivo que se fala em externalidades positivas e negativas, “falhas de mercado”. Em outros termos, consiste na repercussão favorável, ou prejudicial, que atinge agentes que não participaram diretamente da transação, entretanto, em alguma medida, acabam sentindo os efeitos indiretamente.
Nessa toada, Mackaay e Rousseau (MACKAAY, ROUSSEAU, 2015, p. 202) ilustram um caso usual de externalidade, conectando-o com os custos da transação, in verbis:
O exemplo que se costuma dar é a poluição gerada pela atividade de uma empresa em detrimento de vizinhos. O custo da poluição não integra os custos que entram no cálculo da empresa. O bem ou o fato de produção (aqui o meio ambiente) não é apropriado perfeitamente: o poluidor o “toma” sem ser proprietário e sem pagar. Produz a um custo menor do que o custo real. A verdade dos preços não é respeitada, e os atores econômicos orientam mal suas decisões de produção e de consumo, fiando-se no preço.
Aliás, foi neste cenário que o economista inglês Arthur Pigou, a fim de reconstruir a verdade dos preços, pregoava o cabimento das “regras de responsabilidade, ou, também, – intervenção mais direta – impostos ditos ‘pigouvianos’ ou, eventualmente, subvenções ou forma de regulamentação impostas ou acordadas com aqueles que criam as externalidades negativas” (MACKAAY, ROUSSEAU, 2015, p. 204). A tese de Pigou – defendida na obra “The Economics of Welfare”, originalmente publicada em 1920 – foi rebatida por Ronald Coase.
Para Coase, as externalidades compreendem, “no fundo, diferenças relativas aos usos correntes e incompatíveis de um recurso que se tornara escasso”, panorama que lhe proporcionou afirmar que a “solução a que as partes chegariam para resolver tais diferenças não depende da forma pela qual os direitos são atribuídos, mas é sempre a utilização mais valorizada (a mais proveitosa) a que prevalecerá” (MACKAAY, ROUSSEAU, 2015, p. 202).
Em resposta ao caso da fábrica que gera poluição, Coase afirma que as propostas de Pigou, de imposição do dever de pagamento de um tributo ou de remoção da fábrica da área em que está instalada, são inadequadas. Nas palavras de Ribeiro e Paganella:
Coase, ao invés, sustenta que as propostas podem ser inapropriadas, eis que nem sempre conduzem aos resultados desejáveis. Em sua teoria, é quebrado o paradigma segundo o qual o causador da fumaça seria sempre e simplesmente o único responsável pelo dano. No caso da fábrica, Coase pondera que não havendo a imposição do tributo, poderia haver fumaça em demasia e pessoas nas proximidades em número insuficiente, mas com o tributo poderia haver pouca fumaça e pessoas em demasia e não haveria razão para supor que um desses resultados seria necessariamente preferível ao outro. Coase considera que muito embora o problema exista porque existe a fábrica, também decorre da existência das propriedades vizinhas. O problema, portanto, não ocorre tão somente em função de um único causador (RIBEIRO, PAGANELLA, 2019, p. 78).
Assim, para o economista, a solução deve focar em evitar o prejuízo mais grave, independentemente de quem for o responsável pelo dano. Em um regime hipotético, em que os custos de transações sejam iguais à zero, a eficiência alocativa será atingida independentemente de como os direitos são distribuídos pelo Estado. Como esse regime é apenas hipotético, o Estado deve agir para facilitar as transações entre os agentes econômicos, com o objetivo de maximizar a riqueza. Devendo compreender, para tanto, quais as consequências econômicas de suas decisões. Nesses termos, Coase afirma que ao se projetar e escolher entre arranjos sociais, é necessário considerar o efeito total:
But in choosing between social arrangements within the context of which individual decisions are made, we have to bear in mind that a change in the existing system which will lead to an improvement in some decisions may well lead to a worsening of others. Furthermore we have to take into account the costs involved in operating the various social arrangements (whether it be the working of a market or of a government department), as well as the costs involved in moving to a new system. In devising and choosing between social arrangements we should have regard for the total effect. This, above all, is the change in approach which I am advocating (COASE, 1960, p. 44.)
Dessa maneira, por um lado, Pigou sugere a interferência corretiva da responsabilização estatal (v.g., demandas judiciais, tributação extrafiscal, ou seja, a tributação com fins não arrecadatórios, mas como meio de o Estado intervir no mercado interno, dirigindo-o com ações públicas que incentivam ou desmotivam os atores econômicos, sobre a atividade econômica em questão). Na memorial lição Torres (2004, p. 185-186), tem-se que a “extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia […]” quando “diluída na fiscalidade, exerce variadíssimas tarefas de política econômica, competindo-lhe, entre outras: o desestímulo ao consumo de certos bens nocivos à saúde, […]; o incentivo ao consumo de algumas mercadorias […]; a inibição de importação de bens industrializados e o incentivo à exportação, através dos impostos aduaneiros etc.”
Por outro lado, Coase recomenda que o problema seja resolvido pelos próprios agentes econômicos. Neste cenário, a técnica de correção de preços de mercado deve privilegiar a utilização mais proveitosa, independentemente de quem seja o responsável jurídico pelo dano. Para o autor, o custo de exercer um direito é sempre a perda sofrida em consequência do exercício desse próprio direito (COASE, 1960, p. 44). No entanto, considerando-se que o mundo ideal, sem custos de transação, é apenas hipotético, é necessário delimitar os direitos para a diminuição dos custos de transação, o que deve ser feito pelo Estado.
O raciocínio proposto por Coase se baseia em uma lógica consequencialista de custo-benefício, cujas origens remontam ao utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill – escola que antecedeu à Análise Econômica do Direito. A corrente tinha como fundamento a ideia de que o ser humano toma suas decisões de forma a maximizar seu prazer e diminuir sua dor (BENTHAM, 1984). Assim, a concepção serviu de base para as teorias jurídico-econômicas da Escola de Chicago.
Isto posto, factível a fixação de um paralelo entre as lições advindas da Análise Econômica do Direito e o debate proposto. Considerando o fato de que o Estado possui o dever prestacional – pois o Estado figura no polo passivo de uma relação jurídica em que o respectivo objeto constitui-se uma prestação positiva, no sentido em que depende para sua efetivação de um fazer estatal (BARCELLOS et al., 2002) – e o indivíduo detém a titularidade do direito fundamental à saúde, observe-se que o custeamento de medicamentos de valor agregado, viabilizado pela judicialização da saúde, dá origem a uma espécie de externalidade negativa. A concessão de tecnologia de saúde de grande monta, não constante na lista do SUS (Portaria 2.892/2009 do Ministério da Saúde) e, consequentemente, fora do planejamento orçamentário, tem enquanto resultado efeito colateral financeiramente nocivo ao Estado como um todo.
Ao se deferir um pedido individual, condenando o ente público a prestar o serviço, ou medicamento necessário, inúmeras são as externalidades que prejudicam agentes que sequer participaram do processo. Em decorrência, o julgador deve previamente considerar as consequências quando da tomada de decisões recorrendo às tecnologias da informação e comunicação para obtenção das informações necessárias (FREITAS, BARDDAL, 2019, p. 107-126).
Dentre os aspectos negativos, as decisões procedentes acabam por atender apenas interesses individuais e criar políticas públicas em favor de poucos, deixando de canalizar o recurso público para as políticas coletivas. Por outro lado, propiciam a revisão e fomento das políticas públicas, bem como inserem o debate sanitário como pauta de destaque na realidade política brasileira, o que é de suma importância para o enriquecimento e desenvolvimento do estudo à saúde (SCHULZE, GEBRAN NETO, 2015, p. 154).
Neste contexto, faz-se necessário analisar alternativas que garantam eficiência no acesso à saúde, sem comprometer o planejamento orçamentário.
4 MECANISMOS EXTRAJUDICIAIS
A judicialização da saúde analisada sob a ótica dos estudos de Coase permite concluir que condenar o Estado a conceder um medicamento, ou serviço, necessário em uma demanda individual nem sempre é a melhor alternativa, visto que o valor será repassado para toda a sociedade. Neste contexto e diante do crescimento excessivo de demandas judiciais na área da saúde, com impacto direto no orçamento público limitado, cumpre analisar alternativas que viabilizem o acesso à saúde, sem impactar o orçamento previsto para a saúde pública.
Dentro da conjuntura pré-jurídica, anterior à ação judicial e cuja competência cabe ao Administrador Público, ventilam-se, à luz da Análise Econômica do Direito, três alternativas para desoneração do erário: Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, Fomento Setorial e Licenciamento Compulsório. Cumpre-nos analisar cada uma delas, nos termos a seguir.
4.1 Parcerias de Desenvolvimento Produtivo
Regulamentada pela Portaria 2.531/2014, do Ministério da Saúde, a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP), via de regra, consiste em uma parceria tripartite conjugada por uma instituição privada, empresa possuidora da tecnologia de saúde nacional, ou multinacional, uma pública (v.g., laboratório público oficial) e o Ministério da Saúde, objetivando o desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, produção, capacitação produtiva e tecnológica do País em produtos estratégicos para atendimento às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme inc. I do art. 2º. Segundo anota Pollyana de Carvalho Varrichio:
As PDPs podem ser entendidas como mecanismo de política industrial utilizadas na saúde que envolvem uma série de contrapartidas para que sejam realizadas as compras públicas de fármacos, medicamentos e equipamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, garante-se a internalização da produção e a transferência de tecnologia para um produtor nacional durante o contrato de parceria em que são concretizadas as compras governamentais do SUS (VARRICHIO, 2017, p. 188).
Por seu turno, os produtos estratégicos são aqueles dos quais o SUS necessita para ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde, com aquisições centralizadas, ou passíveis de centralização, pelo Ministério da Saúde e cuja produção nacional e de seus insumos farmacêuticos ativos, ou componentes tecnológicos críticos, são relevantes para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CIES). O CIES, por sua vez, consiste no sistema produtivo de saúde que contempla as indústrias farmacêuticas, de base química e biotecnológica, os produtos, equipamentos, materiais e serviços de saúde, conforme conceitos dispostos no art. 2º, incs. II e IV, sucessivamente, da Portaria 2.531, de 12.11.2014, do Ministério da Saúde.
Com efeito, a conjugação de interesses/potenciais objetiva agrupar o alto poder de compra do SUS para ampliar o acesso da população aos produtos estratégicos. Além, é claro, de fomentar não apenas o desenvolvimento destes produtos, da indústria farmacêutica e das pesquisas nas áreas pertinentes em território nacional, mas também reduzir as dependências produtiva e tecnológica.
Com relação a efetivação das Parcerias, o caminho a ser percorrido envolve seis etapas: (a) submissão de proposta; (b) avaliação e decisão (FASE I); (c) absorção e transferência de tecnologia (FASE II); (d) absorção e transferência de tecnologia com aquisição (FASE III); (e) internalização da tecnologia (FASE IV); e (f) monitoramento.
No plano teórico, a Parceria para o Desenvolvimento Produtivo representa grande avanço no enfrentamento da hercúlea tarefa de trazer sustentabilidade ao Sistema Único de Saúde. Apresentando-se, no entanto, enquanto saída de médio/ longo prazo, em razão dos elevados custos industriais que a área de tecnologias de saúde demanda, sobretudo, quando direcionada a áreas estratégicas, patologias, tratamentos preventivos, pesquisas farmacêuticas, dentre outros. Nessa esteira, o Ministério da Saúde pondera que a PDP propicia economia nas aquisições pelo ente público, assim como fomenta a qualificação e desenvolvimento dos centros públicos de pesquisas que integram a cadeia de produção de fármacos, além, é claro, de incentivar a competitividade do setor farmacêutico e, por conseguinte, a diminuição dos gastos produtivos.
No campo prático, entretanto, o instituto em questão é extremamente volátil, uma vez que submetido à vontade política predominante, facilmente mutável, seja pela substituição de ministros durante um determinado governo, seja por novas eleições e, ipso facto, a própria mudança de governante. A interferência se sucede da fase implementação até o prosseguimento das PDP’s. Como foi o caso, por exemplo, da Portaria 704/2017, do Ministério da Saúde, que definiu a lista de produtos estratégicos para o SUS, prevendo o último dia do ano anterior como data limite. O atraso impactou negativamente todas as fases seguintes, evidenciando desordem, gerando incertezas, descrédito ao setor e, como resultado, o afastamento de potenciais investidores.
Outro exemplo dessa zona cinzenta foi à suspensão, pelo Ministério da Saúde, da PDP entre a Empresa Brasileira Hemoderivados e Biotecnologia e a empresa privada Baxter/Baxalta, sucedida pela Shire Farmacêutica Brasil Ltda., para a produção e transferência de tecnologia do produto denominado Fator VIII Recombinante. A medida se deu sem motivação, análise econômico-financeira em relação ao custo de eventual inadimplemento contratual e comparação com a nova proposta. Igualmente, a parceria se deu sem seleção e avaliação da respectiva viabilidade econômica. O caso acabou originando litígios judiciais e administrativos – ilustrativamente, cita-se, o pedido de medida cautelar apresentado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, a saber, Acórdão 2207/2017, decisão do Plenário, relatoria do Min. Vital do Rêgo.
Destarte, apesar de a PDP possuir considerável potencial de redução dos gastos públicos do SUS em tecnologia de saúde de áreas críticas e economicamente mais vulneráveis, imprescindível seu manejo adequado por parte dos atores políticos, sem o qual os pontos positivos do instituto se exaurem.
4.2 Atividade Fomentadora e Fomento Setorial
Ao lado da prestação de Serviço Público e do exercício de Poder de Polícia, a atividade fomentadora constitui finalidade intrínseca e uma das razões de ser do Estado modernamente compreendido[4]. No plano da norma constitucional propriamente dita, constata-se que
a função administrativa de fomento encontra respaldo constitucional de forma direta, a exemplo do art. 165, § 2º, que trata das agências públicas de fomento. Possui também e de forma mais abrangente, uma previsão indireta, mas que capta de forma mais concreta a natureza e objetivo da atividade. O art. 174 da Constituição de 1988 indica o papel de agente normativo e regulador do Estado, e as suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, fazendo menção ao último como ‘determinante para o poder público e indicativo para o setor privado (PAVANI et al., 2018, p. 111 – 129).
Os recursos relativos as tais funções não saem daquela parcela especificamente destinada à Saúde, de modo que se oportuniza a maximização das finalidades públicas. Noutras palavras, na atividade fomentadora o Poder Público pode fazer mais com menos, o que, à luz da Análise Econômica, reflete a clara noção de eficiência.
Na espécie, fala-se em fomento setorial que, em última análise, objetiva a construção de um ambiente institucional favorável à inovação farmacêutica em território brasileiro. Nesse contexto, entende-se por Fomento a ação de “auxiliar o desenvolvimento de uma atividade privada, que se supõe de interesse público, com meios públicos” não coativos, mas sim persuasivos, sem que isso implique na “criação de serviço público ou a assunção da atividade econômica pelo Estado” (MENDONÇA, 2009, p. 80-140).
À vista disso, tem-se que o desenvolvimento sustentável desse segmento industrial, sobretudo em pontos nevrálgicos, pode efetivamente contribuir para incremento do acesso as tecnologias de saúde pelos brasileiros, viabilizando ao Estado propiciar mais com menos, uma vez que os recursos financeiros em questão não procedem da parcela disponibilizada pela lei orçamentária (lato sensu). É o caso da Lei 10.332/2001 que instituiu, dentre outros, o Programa de Fomento à Pesquisa em Saúde, destinando-lhe 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) do total da arrecadação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), conforme art. 1º, inc. II.
No mesmo sentido, a empresa pública FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem por finalidade institucional o apoio aos estudos, projetos e programas de interesse para o desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico do país, tendo em vista metas e prioridades setoriais estabelecidas nos planos do Governo Federal. Na prática, a empresa atua enquanto um dos entes executivos dos fundos setoriais.
Adicionalmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que, nos termos do respectivo estatuto social, consiste em um dos principais instrumentos de “execução da política de investimento do Governo Federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do País”. Enfim, não se pretende esmiuçar cada plano mencionado, mas sim ilustrar o argumento de que há recursos financeiros para implementação de fomento no setor da saúde. Isso, sem falar nas subvenções fiscais e outros instrumentos afins. Todavia, tanto por não serem ilimitados como por atenderem outras searas produtivas e tecnológicas, é forçoso potencializar a utilização dos recursos disponíveis, inclusive, por meio da Análise Econômica do Direito.
Para tanto, imperiosa a adoção de uma ação coordenada “extramercado”, materializada em um planejamento governamental, de médio/longo prazo, que, a partir de uma estimativa orçamentária prévia e de uma análise sobre a conjuntura da economia interna e externa, sopese os mais diversos fatores com o fito de direcionar adequadamente os recursos disponíveis. A racionalização antecedente é essencial para um quadro social e economicamente sustentável (MENDONÇA, 2009, pp. 80-140).
Não se pode olvidar, ainda, que a intervenção estatal pode agravar a situação, ou criar problemas de outra ordem, particularmente, diante da corrupção e ausência de planejamento. A ação do Estado não está livre de falhas, risco presente e inerente a qualquer intervenção humana.
Também, necessária uma estruturação robusta que alinhe produção e disseminação de inovações tecnológicas, ponderando-as com a complexidade social e organizacional (GADELHA, 2012, p. 14), como com a correlata composição do Estado e sua interação com o setor produtivo, ou, ainda, o choque entre a tutela dos direitos sociais e a salvaguarda da livre-iniciativa. O diálogo entre as dimensões social e econômica, por sua vez, impede que as políticas estatais de mercado venham a privilegiar uma, ou outra dimensão, sem estabelecer liame entre elas.
Ato contínuo, em sendo constatada a existência de recursos necessários para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), ou para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), e avaliada a pertinência da intervenção estatal no segmento, deve-se definir estrategicamente quais tecnologias de saúde serão focalizadas. A intervenção estatal pode ter por estratégia a redução da vulnerabilidade do acesso à saúde no país, por exemplo. Neste caso, deverão ser priorizados os aspectos mais “sensíveis”, medicamentos que possuam valor agregado e uma alta potencialidade de utilização por um número considerável de pessoas em semelhantes condições, tais como, tratamento de câncer e AIDS. Em seguida, depara-se com dois grandes problemas peculiares ao fomento público, quais sejam, os critérios para sua concessão “e sua intensidade e duração”.
Com relação à concessão, vislumbra-se que “o fomento pode ser inteligente instrumento de apoio ao desenvolvimento privado em direções constitucionalmente desejáveis – ou pode ser a enésima ajuda do Rei a seus amigos”. Quanto à intensidade e à duração, tendem a deturpar a substância do instituto, uma vez que a intervenção não pode consistir em “um auxílio indefinido, paternalismo estatal qualificado pela bondade dos objetivos perseguidos. As atividades fomentadas devem sê-lo […] apenas durante o período em que seja […] necessário à sua viabilidade econômica” (GADELHA, 2012, p. 14).
Destaca-se, ainda, que o fomento público não se trata de uma doação (pública), porquanto lhe falta o elemento central do animus donandi, a entrega de uma quantia ao particular decorre da performance de específica e determinada atividade. Há flagrante incompatibilidade de um viés donativo com os fins, expressos, ou implícitos, do Poder Público ao empregar a ferramenta. José Vicente Santos de Mendonça elenca seis principais caracteres:
(a) seu exercício se dá, num primeiro momento, sem coerção; (b) não há qualquer obrigação de o particular aderir a ele; (c) não se trata de liberalidade pública; (d) é seletivo, porém não injustificadamente anti-isonômico; (e) é unilateral, isto é, não há qualquer sujeito ativo para reclamar a execução da atividade fomentada, mas, apenas, para controlar o uso da verba pública; (f) é, em princípio, transitório. (MENDONÇA, 2009, pp. 80-140).
Outrossim, o autor destaca que o atuar fomentador não se resume a um “auxílio econômico geral, mas ajuda concentrada em setores ou perfis específicos. O recorte temático de conteúdo tem a ver com o próprio caráter afetado da ajuda”, a noção de transitoriedade, que está umbilicalmente relacionada à ideia de que o fomento constitui um auxílio público à atividade privada, via de regra (e em virtude do próprio conceito deste), temporário (MENDONÇA, 2009, p. 80-140). Se assim não o fosse, configurar-se-ia mero assistencialismo, ou atuação estatal substitutiva da privada, na economia de mercado.
Neste diapasão, os excessos acabam por perenizar o auxílio público que deveria ser acessório/ secundário e não principal, além de acarretar a neutralização da álea típica do empreendedorismo, com socialização de riscos próprios da iniciativa privada. Inclusive, em afronta ao princípio da livre-iniciativa, dado o potencial que tem de tornar as condições do mercado concorrencial artificiais.
Ainda que “assim não seja, pode acabar por desestimular a competitividade empresarial da região, setor ou agente econômico, ao funcionar como um seguro público de propostas fracassadas”. De outra banda, não pode o Estado se furtar por completo diante de eventual crise financeira em determinado setor econômico (insuficiência ou inexistência), em vias de prejudicar a coletividade.
Por isso, torna-se essencial que se insira no plano de fomento escalas prévias de repasse de determinados valores. A chamada ação orquestrada, como é conhecida, deve variar de acordo com os níveis de desempenho do sujeito fomentado, periodicamente prefixados, distribuindo-se proporcionalmente a duração e intensidade da atividade fomentada conforme à finalidade perseguida.
Por seu turno, a arbitrariedade, ou patrimonialismo, podem acabar interferindo na seleção do agente e da própria atividade, ou setor a ser fomentado, dado o considerável grau de discricionariedade na seleção. Considerando que sem seletividade a escolha tornar-se-ia pura e simples ajuda pública genérica (assistencialismo) e que, por sua vez, sem objetividade dar-se-ia vasta margem a malversação de recursos públicos, o ideário Aristotélico do justo meio (justa medida) apresenta-se enquanto melhor saída para a constituição de um fomento público republicano e democrático. Nestes termos, Mendonça traça os critérios objetivos que devem fundamentar à seleção:
Eis os critérios formais da concessão: (a) transparência e procedimentalização; (b) competitividade; (c) objetividade. Quanto aos critérios materiais de concessão do fomento público, são eles (a) a não-lucratividade, (b) a eficiência do gasto público e (c) a razão pública. Os critérios da formulação do fomento aqui comentados são dois: (1) a submissão ao debate público e (2) a compatibilidade entre os requisitos de acesso ao fomento e o direito fundamental que se pretende fomentar. A título de completude, não se pode deixar de comentar o maior de todos os requisitos: é a exigência de que o fomento se faça com base no princípio da legalidade (MENDONÇA, 2009, pp. 80-140).
Destarte, quando racionalmente utilizado para atacar eventuais vulnerabilidades do SUS, o fomento público é mecanismo que confere eficiência e sustentabilidade ao sistema, ao permitir que o Estado faça uso de recursos inicialmente não previstos para a Saúde Pública, mas que indiretamente beneficiam-na, atuando enquanto verdadeiro incrementador de direitos fundamentais. Os recursos financeiros disponíveis ao fomento, por exemplo, podem ser racionalizados em prol de determinados fármacos, terapias ou profilaxias, cuja incidência beneficiará um número considerável de pessoas em situações semelhantes.
Por arremate, a medida deve atingir o máximo de finalidades públicas possíveis. Não deve mirar apenas o desenvolvimento econômico, geração e distribuição de renda, mas também racionalizá-los, para que, de fato, potencialize e robusteça os direitos fundamentais.
4.3 Licenciamento Compulsório
Na sequência, o licenciamento compulsório, suspensão temporária do direito de exclusividade patentária, apresenta-se como meio alternativo à responsabilização judicial. Previsto no art. 71 da Lei 9.279/1996, o instrumento possibilita que o Poder Executivo Federal, por meio de ato normativo próprio, “auto-licencie” a patente de maneira cogente, temporária e não exclusiva, fundado em interesse público, ou emergência nacional, desde que o detentor daquela, ou licenciado, não atenda “voluntariamente” ao requisito da necessidade, resguardados os direitos do titular. Ademais, o ato concessivo fixará o prazo de vigência e a possibilidade de prorrogação, respeitado o caráter temporário.
A medida, está a serviço do Poder Executivo Federal como verdadeiro instrumento de intervenção estatal na economia e de implementação de Política Pública, não se podendo cogitar, portanto, adoção sucessiva pelo Judiciário. Ainda, impende ressaltar que seu uso tem uma série de implicações, sociais, políticas e econômicas, positivas e negativas, de modo que se torna essencial socorrer-se da Análise Econômica do Direito para compreensão.
O caso paradigmático do licenciamento compulsório do fármaco Efavirenz, em 2007, cuja titularidade da patente pertence ao laboratório farmacêutico Merck Sharp & Dohme, é bem elucidativo. A Lei 9.313/1996, particularmente, seu art. 1º, fez nascer para o SUS o dever de distribuir gratuitamente aos portadores do HIV e de AIDS “toda a medicação necessária a seu tratamento”. No mesmo ano, por forte pressão da política externa, foi publicada a Lei de Proteção à Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), que entrou em vigor em 14.05.1997 (art. 243, in fine) gerando a seguinte celeuma:
Todos os produtos que tinham sido comercializados em qualquer lugar do mundo antes de 14.05.1997, quando essa nova lei entrou em vigor, se tornaram para sempre inelegíveis para o patenteamento no Brasil. Como resultado, dez medicamentos antirretrovirais permaneceram sem a proteção de patentes no país e puderam ser legalmente reproduzidos (SOUZA, 2011).
Como resultado, por meio da utilização de métodos de engenharia reversa, o laboratório “Far-manguinhos descobriu a fórmula da maior parte dos antirretrovirais não patenteados e começou a fabricá-los, usando princípios ativos importados principalmente da Índia e da China”. Até o ano de “2011, 9 dos 19 dos antirretrovirais usados no programa nacional de AIDS têm sido produzidos localmente” (SOUZA, 2011).
Ainda assim, os gastos com fármacos antirretrovirais (AVR) continuavam onerando substancialmente os recursos públicos destinados ao tratamento de pessoas portadoras de HIV. Nesse cenário, a combinação do uso de princípios ativos provenientes da Ásia, com o emprego de engenharia reversa e a competência de laboratórios públicos (tais como o Far-Maguinhos) para a confecção dos fármacos isentos de patentes, propiciou o uso do licenciamento compulsório como instrumento negocial indutivo, o que gerou um grande poder de negociação do governo nacional com os laboratórios importadores, fomentando em larga medida a economia.
Entretanto, a ausência de investimentos na indústria farmacêutica nacional fez com que a barganha por descontos fosse à ruína. No ano de 2006, por exemplo, o passivo com antirretrovirais correspondia à 80% dos custos do Ministério da Saúde com medicamentos. Conforme afirmado por André de Mello Souza, “como resultado dos descontos concedidos pelas empresas multinacionais farmacêuticas, os gastos do Ministério da Saúde com terapias antirretrovirais declinaram de US$ 336 milhões em 1999 para US$ 167 milhões em 2002 apesar do aumento considerável do número de pacientes tratados, de 79.245 para 119.500” (SOUZA, 2011, p. 15).
Diante disso, em 04.05.2007, por meio do Decreto 6.108, o governo federal, por interesse público, concedeu licenciamento compulsório de patentes referentes ao Efavirenz, para fins de uso público não comercial, em exclusividade, no âmbito do Programa Nacional de DST/AIDS, durante cinco anos, prorrogáveis por igual período, pagando ao laboratório titular das patentes a remuneração de 1,5%. Particularmente, conforme noticiado no sítio eletrônico do Ministério da Saúde, “essa medida provocou um impacto imediato de U$$ 31,5 milhões de economia para o país” (SOUZA, 2011, p. 17).
Internacionalmente, a medida rendeu um grande desconforto internacional, uma vez que “multinacionais farmacêuticas e os governos de diversos países, sobretudo o dos Estados Unidos, consideraram a licença compulsória do efavirenz desnecessária e ameaçaram reduzir os investimentos no Brasil”. Em 2001, na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo estadunidense esboçou um painel (espécie de comitê de arbitragem para analisar a Lei patentária brasileira entendida por ele como “nociva”) contra o Brasil por intervir na “produção e precificação de medicamentos antirretrovirais altamente lucrativos patenteados por ou licenciados exclusivamente a empresas norte-americanas”.
O Brasil, por sua vez, reagiu na própria entidade internacional, assim como através de apoio de ONGs, da mídia e imprensa internacionais, campanhas publicitárias em jornais norte-americanos e manifestações populares nas respectivas unidades diplomáticas. Após o aval da associação das indústrias farmacêuticas local, o governo dos Estados Unidos recuou e pronunciou-se pela retirada da respectiva reclamação em troca da garantia de que seria notificado antes que quaisquer produtos patenteados, ou licenciados, para empresas norte-americanas fossem compulsoriamente licenciados Brasil.
O caso do Efavirenz expõe as variáveis que se deve considerar para ponderação sobre o uso, ou não, do licenciamento compulsório. Quanto aos benefícios, tem-se vantagem negocial (ante a ameaça do emprego da licença compulsória como meio para conseguir descontos), o barateamento pela aquisição da fórmula, possibilidade da criação de um estoque no caso de uma pandemia/epidemia, ampliação da cobertura de pessoas atendidas, contribuição para a sustentabilidade econômica do SUS, o maior acesso a bens e serviços de saúde, bem como o desenvolvimento da indústria nacional (o que repercute na economia, com geração de empregos, por exemplo). Noutro vértice, considerando o porte e o campo de influência das companhias farmacêuticas, o licenciamento compulsório pode ser um péssimo negócio, diante da possibilidade de repercussão nas relações internacionais com potências mundiais, abrindo lastro para o desencadeamento de uma série de problemas de ordem macroeconômica, retaliação em outras áreas produtivas, embargos econômicos, redução de novos investimentos externos no país, diminuição de inserção de novas tecnologias de saúde e etc.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não causa surpresa alguma a afirmação de que a Saúde Pública se encontra na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) financeira. Isso é decorrência natural da audaciosa tarefa incumbida pela Constituição de 1988 que, ao instituir o Sistema Único de Saúde, passou a prever a saúde enquanto direito de todos e responsabilidade do Estado. Escolha louvável e hercúlea, contudo, desafiadora dada a vasta dimensão do país que conta com numerosa população.
Infelizmente, o atual cenário demonstra que a tarefa não tem sido bem-sucedida. A população acaba recorrendo ao Poder Judiciário para que seus direitos sejam garantidos. Grande parte dos pedidos é deferida, com base na fundamentalidade da saúde. No entanto, esta não se mostra a melhor solução para o problema da saúde no Brasil, visto que, ao atender interesses individuais, relega-se para um segundo plano o recurso público para políticas coletivas.
O Teorema de Coase, por sua vez, impõe a análise dos custos sociais decorrentes das decisões judiciais, de modo a se evitar a ocorrência de prejuízo mais grave, independentemente de quem seja o responsável pela efetivação do direito. No âmbito da saúde, principalmente no que se refere ao fornecimento de medicamentos de alto custo não incluídos nas listas oficiais, observa-se que a imposição – por parte do Poder Judiciário – ao ente federativo de custear tratamentos de elevada monta gera uma série de externalidades. Ao atender a demanda individual, cujo custo não estava previsto no planejamento orçamentário, o valor é abatido daquele que estava destinado a outras finalidades públicas, de modo que seus efeitos se estendem à coletividade.
Com isso em mente, necessário se pensar em alternativas das quais o Estado possa se valer, cujos recursos inicialmente não sejam previstos para a Saúde Pública, mas que indiretamente beneficiem-na. Neste sentido, os instrumentos extrajudiciais descritos, Parcerias de Desenvolvimento Produtivo, Fomento Setorial e Licenciamento Compulsório, apresentam-se enquanto alternativas à desoneração do Estado e à problemática da concessão de medicamentos de alto valor não constante nas listas do SUS, além de fornecerem novo fôlego ao erário.
Conforme preconiza Coase, o Estado deve agir para facilitar as transações entre os próprios agentes econômicos, com o objetivo de maximizar a riqueza. Assim, o planejamento do Estado, voltado à aplicação destes mecanismos com o fim de promover o acesso à saúde, mostra-se alternativa mais efetiva e apta a maximizar a riqueza do que a ingerência do Poder Judiciário no tema, que gera reflexos em outras políticas públicas.
Para além, considerando a conjuntura extrajudicial conjugada ao esforço de propor uma resolução ao problema por intermédio da técnica do “uso mais proveitoso” (alternativamente à responsabilização pela via judicial), vislumbra-se a juseconomia como instrumento apto a propiciar o exame das consequências práticas, custo/risco e benefício, fornecendo ao agente público diagnóstico e prognóstico para a tomada coerente e racional de decisão.
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Notas de Rodapé
[1] Doutor e Mestre pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutorado pela Faculdade de Direito da Universidade Degli Studi di Roma – La Sapienza com Estágio de Pós-doutorado em Portugal. Professor no Mestrado da Universidade Paranaense – UNIPAR. Desembargador e 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: jln@tjpr.jus.br – ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-5096-9982
[2] Mestre pela Universidade Internacional – UNINTER. Professor da Escola da Magistratura do Paraná – EMAP. Juiz de Direito em 2º Grau no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: andersonfog@yahoo.com.br – ORCID id: https://orcid.org/0000-0001-8495-9443.
[3] Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Pós-graduada pela Escola da Magistratura do Paraná – EMAP e pela Fundação Escola do Ministério Público – FEMPAR. Assessora Jurídica do TJPR e Mediadora Judicial. Curitiba, Paraná, Brasil. E-mail: adriane.garcel@tjpr.jus.br – ORCID id: https://orcid.org/0000-0002-6950-6128
[4] No plano da norma constitucional propriamente dita, constata-se que “a função administrativa de fomento encontra respaldo constitucional de forma direta, a exemplo do art. 165, § 2º, que trata das agências públicas de fomento. Possui também e de forma mais abrangente, uma previsão indireta, mas que capta de forma mais concreta a natureza e objetivo da atividade. O art. 174 da Constituição de 1988 indica o papel de agente normativo e regulador do Estado, e as suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, fazendo menção ao último como “determinante para o poder público e indicativo para o setor privado” in PAVANI, Gustavo et al, “Políticas públicas de fomento à atividade empreendedora no Brasil: empreendedorismo por necessidade e as contradições com os fins da atividade de fomento”, Revista de Direito do Trabalho, v. 196, 2018, p. 111-129.