O Direito Humano à Saúde no Cárcere: Inconstitucionalidades do Pacote Anticrime e o Cerceamento ao Direito de Visita

DOI: 10.19135/revista.consinter.00011.12

Recebido/Received 30.04.2020 – Aprovado/Approved 30.07.2020

Paloma Gurgel de Oliveira Cerqueira[1] – https://orcid.org/0000-0002-6935-2261

E-mail: palomagurgel_adv@hotmail.com / palomagurgeladvogada@gmail.com

Resumo: O presente estudo tem como objeto a análise a Lei 13.964/2019 e as consequências da proibição e/ou restrições de visitas aos apenados e a evidente necessidade de tutela jurisdicional conforme os tratados de Direitos Humanos. A relevância temática justifica-se diante da inobservância das garantias constitucionais e da carta de direitos humanos. Os vínculos familiares, afetivos e sociais são considerados bases sólidas para afastar os condenados da delinquência. A metodologia de pesquisa consiste na vasta pesquisa sobre a literatura e bibliografia especializada sobre a matéria. O objetivo deste trabalho é expor as violações de garantias constitucionais e de direitos humanos presentes no denominado Pacote anticrime, bem como destacar as graves consequências psicológicas e físicas sofridas pelos apenados em decorrência de algumas restrições.

Palabras-clave: Pacote Anticrime. Direito à saúde. Direito de visita.

Abstract:The purpose of this study is to analyze Law 13.964 /2019 and the consequences of the prohibition and / or restrictions on visits to prisoners and the evident need for judicial protection under the Human Rights treaties. The thematic relevance is justified given the failure to comply with constitutional guarantees and the human rights charter. Family, affective and social ties are considered solid bases to keep convicts from delinquency. The research methodology consists of extensive research on the literature and specialized bibliography on the subject. The purpose of this paper is to expose the violations of constitutional guarantees and human rights present in the so-called anti-crime package, as well as to highlight the serious psychological and physical consequences suffered by the inmates as a result of some restrictions.

Keywords: Anticrime Pack. Right to health. Right of visit.

Sumário: Introdução; 1. O Pacote Anticrime: as alterações quanto ao direito de visita; 2. A visita como direito constitucional: a base familiar e a ressocialização; 3. A saúde mental e física do apenado: a importância do contato e toque humano; 4. A violação à integridade psicofísica, à personalidade e à dignidade da pessoa humana; 5. Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda o direito à saúde, considerando as alterações legislativas trazidas pelo denominado Pacote Anticrime, e mais especificamente sobre o direito de visita íntima nos presídios do Estado Brasileiro, sob as óticas constitucional e humanitária.

Antes mesmo da vigência da Lei 13.964/2019, a proibição de visitas nos presídios brasileiros já era uma realidade constante, cujas suspensões eram regulamentadas por intermédio de Portarias da administração, violando uma série de normas constitucionais e legislativas.

Apesar de situação regulamentada é importante o debate acerca de violações constitucionais persistentes bem como de tratados de Direitos Humanos, traduzindo o dever de punir do Estado em excessos que precisam ser debatidos e revistos.

As pesquisas bibliográfica e de campo compõem a metodologia de pesquisa. A pesquisa bibliográfica, a partir de literatura nacional e estrangeira, pesquisas em artigos publicados na internet através de sites especializados no tema.

A pesquisa de campo em consequência das visitas realizadas aos presídios federais e estaduais em decorrência da atuação na advocacia criminal, que envolve entrevistas e consequentemente a atuação em defesa de direitos objeto do tema em comento e dispostos pela legislação em análise.

Serão abordadas neste estudo as alterações legislativas quanto ao direito de visita; a visita sob a ótica constitucional, como base familiar e a importância da ressocialização; a importância da saúde física e mental do apenado e a necessidade do toque humano para a realização deste fim; as violações ao direito de visita e a consequente mácula à dignidade da pessoa humana.

A inclusão e manutenção de presos em estabelecimentos penais não deveria romper os laços familiares, pois a família tem sua unidade constitucional garantida. Além disso, deveria ser observada a impossibilidade jurídica da determinação da incomunicabilidade da pessoa privada de liberdade.

Importante ressaltar, neste ponto, que a Lei de Execução Penal (Lei 7201/1984) garante aos presos o respeito à integridade física e moral.

A partir de análise de documentos e referências sobre os temas que circundam a problemática evidenciada, o presente artigo propõe o debate acerca dos aspectos controversos da referida lei e de portarias do Ministério da Justiça atinentes à execução penal.

Destaca-se neste estudo a análise da constitucionalidade das medidas legais, sobretudo em situações discursivas de uma efetivação da justiça em clara relação com a satisfação do clamor social presente da sociedade contemporânea e as consequências físicas e psicológicas que podem afetar o apenado submetido a privações que vão além da liberdade.

1 O PACOTE ANTICRIME: AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS QUANTO AO DIREITO DE VISITA

A custódia no Sistema Penitenciário brasileiro sem garantias mínimas de direitos, especialmente de visitas, pode gerar danos psíquicos e emocionais, submetendo os condenados a malefícios que não se limitam à privação de liberdade.

Com a novas regras do Pacote Anticrime, resta evidente um perigoso retrocesso. Sendo direito fundamental, o desrespeito ao direito à saúde macula uma conquista histórica, garantida constitucionalmente.

A rigidez evidente em algumas alterações trazidas pelo denominado pacote anticrime é inconstitucional, resultando em violação a direitos humanos.

A nova Lei 13.64/2019 sugere uma espécie similar ao regime disciplinar diferenciado, no art. 52 da Lei de Execução Penal:

Art. 52. sujeição do preso ao RDD em caso de crime doloso (falta grave) e quando subversão da ordem ou disciplina. (…)

III – visitas quinzenais, de 2 pessoas por vez – duração 2hs

§ 6º. a visita (inc. III) será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário.

§ 7º. após os primeiros 6 meses de RDD o preso que não receber visita (inc. III) poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, duas vezes por mês e por 10 minutos.

Na Lei 11.671/2008 (estabelecimentos penais de segurança máxima), o art. 3º, inc. II, § 1º prevê a supressão absoluta do direito à intimidade da pessoa que estiver presa naquele estabelecimento, ao exigir que as visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos somente ocorram “em dias determinados”. Além do mais, prevê: a visita deverá ser “assegurada por meio virtual ou no parlatório”:

Art. 3º. Serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima (…)

§ 1º. A inclusão em estabelecimento penal federal de segurança máxima (…), com as seguintes características:

Inc. II . visita do cônjuge, do companheiro, de parentes e de amigos somente em dias determinados, por meio virtual ou no parlatório, com o máximo de 2 pessoas por vez, além de eventuais crianças separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações.

§ 4º. os diretores dos estabelecimentos penais federais ou o diretor do SPF poderão suspender e restringir o direito de visitas por meio de ato fundamentado.

Visita por meio virtual é a imposição legal. Tal “visita” será regra, enquanto a visita “real” e necessária, a exceção. E prossegue o dispositivo: a visita acontecerá “com o máximo de duas pessoas por vez, além de eventuais crianças”.

O detalhe é que, segundo observa Távora (2019) não para por aí o cenário de guerra do Estado contra o apenado, de forma que todos estarão “separados por vidro e em comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações”.

Monitorar os pensamentos do detento durante todos os minutos de seu cumprimento de pena e, além dos familiares, os advogados têm se sujeitado a todo tipo de constrangimento em determinados estabelecimentos prisionais (TÁVORA, 2019). Nos parece evidente que esta é a intenção do legislador: monitoramento indiscriminado.

Resta clara a dominação de um clamor social a partir da ideia de que severidade e inobservância de direitos fundamentais conquistados ao longo da história sejam a efetivação da persecução criminal e a solução para afastar a criminalidade.

Tal aspecto discursivo preponderante, como leciona Vasiliki Christou (2007), refere-se a diversas formas de tratamento, ainda que simbólico, contra determinados grupos, sendo abusivas ou ameaçadoras.

Tais elementos acabam provocando uma reação legislativa, no sentido de agravar as regras aplicáveis aos presos, como reflexo de uma vingança institucionalizada. As restrições de visitas implementadas pela nova legislação, ademais, já ocorriam na prática, quando, por intermédio de portarias, as visitas eram restringidas, desprezadas como direito constitucional.

A Constituição Federal, no entanto, não admite direitos e garantias absolutos, mas impõe que as limitações de ordem jurídica se destinem tanto a proteger a integridade do interesse social quanto assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades.

O que se pode concluir é: as constantes violações de direitos, a exemplo das proibições de visitas aos detentos, agora mais rígidas, contrariam as normas básicas do nosso ordenamento jurídico, e na maioria dos casos ultrapassam a medida da razoabilidade.

Antes da vigência da Lei 13.964/2019, a restrição ao direito de visita já se revestia como uma espécie de Regime disciplinar diferenciado, cujo conceito traduz-se em sistema de medida extrema e de isolamento, cujos efeitos psicológicos e psiquiátricos nos custodiados, e certamente nos familiares, são inevitáveis.

Conforme informações retiradas do banco de dados do Sistema Penitenciário Federal, no período entre 22.06.2017 e 05.07.2017, existem 570 (quinhentos e setenta) presos federais e destes 121 (cento e vinte um) estavam no Sistema Penitenciário Federal há mais de 720 (setecentos e vinte dias) dias.

A rigidez legislativa não é o caminho. Conforme lecionam Arruda e Santin (2019), “a violência da pena programada pelo poder constituído e racionalizada pelo saber jurídico tem produzido um verdadeiro genocídio social pelo grande encarceramento e aprisionamento cautelar em massa”.

Sabe-se que a severidade das penas não reduz a quantidade de crimes; do mesmo modo, o medo do castigo não impede que um delito seja praticado (ARRUDA e SANTIN, 2019).

Não se deve retirar direitos a custo de “fazer justiça”, a custo da saúde, física e mental. Não se pode seguir distorcendo justiça e direitos humanos.

Deve-se primar pela justiça, que se faz em observância à estrita legalidade (CERQUEIRA, 2019). Vale destacar, no dizer de Arruda e Santin (2019):

“A racionalidade repressora do Projeto de Lei Anticrime se legitima pelo discurso da autoridade que, amparado nas promessas da prevenção geral e especial que nunca foram cumpridas, e na utilização de categorias que resgatam o odioso direito penal do autor, oferece mais do mesmo sem qualquer investigação empírica que possibilite projetar seu impacto no âmbito judicial e administrativo”.

Além dessas, têm-se outras arbitrariedades, fazendo do sistema penitenciário um erro, na medida em que afronta os preceitos da Constituição Federal, principalmente o da dignidade da pessoa humana e da proibição de aplicação de penas cruéis ou de banimento.

Neste sentido é importante destacar o dizer de Aury Lopes, o conceito do Princípio da Necessidade:

Existe uma íntima relação e interação entre a história das penas e o nascimento do processo penal, na medida em que o processo penal é um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de penar (essência do poder punitivo) à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal.

Em complemento a tal raciocínio, Aury Lopes faz uma preciosa reflexão no sentido de que o respeito às garantias fundamentais não pode ser confundido com a impunidade, sendo o processo penal um caminho necessário para chegar-se, legitimamente, à pena.

Algumas alterações trazidas pelo popular Pacote Anticrime são consideradas por parte da doutrina como inconstitucionais, é o que será exposto mais adiante, principalmente quanto ao direito de visitas aos presos, pois o apenado não deve romper seus laços com familiares e amigos, sobretudo porque a família, base da sociedade, tem sua unidade constitucionalmente garantida.

O denominado Pacote Anticrime, Lei 13.964/2019 trouxe algumas alterações acerca do direito de visitas, especificamente no art. 52, inc. III da Lei de Execução Penal e no art. 3º, § 1º, inc. II, da Lei 11.671/2008, sobre o sistema penitenciário federal.

Os tratados de Direitos Humanos e a legislação brasileira, na Lei de Execução Penal, tutelam o direito à saúde dos presos e garantem que as prisões devem permitir visitas tanto da família como de amigos dos detentos.

Trata-se de um direito limitado porque, além de o ordenamento jurídico não abarcar nenhum direito de caráter absoluto, sofre uma série de restrições, tanto em relação às condições que devem ser impostas por motivos morais, de segurança e de boa ordem do estabelecimento, como porque pode ser restringido por ato motivado dos diretores dos presídios.

As restrições de visitas implementadas pela nova legislação já ocorriam na prática, quando, por intermédio de portarias, as visitas eram restringidas e desprezadas como direito constitucional: a família como base da sociedade, o papel ressocializador da pena, a importância das visitas para a saúde física e mental do apenado: nenhum desses aspectos era respeitado.

Com a nova legislação, ratificadas estão as violações, já existentes antes da nova lei, aos Tratados Internacionais:

Art. 5.º, 6, da Convenção Americana dos Direitos Humanos.

“As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.

Art. 10 do Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos.

“Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”.

Restam evidentes algumas questões de inconstitucionalidades e de ilegalidades quando analisados pontos polêmicos da nova lei, conhecida como Pacote Anticrime, bem como de medidas restritivas já implementadas pelo Ministério da Justiça, como a Portaria 157/2019, que no passado restringiu as visitas íntimas nos presídios federais brasileiros a pretexto de garantir a segurança.

Nesse panorama, ressalte-se que o discurso é uma ação capaz de produzir efeitos graves. Cria-se um cenário de insegurança social, a partir da notícia de crimes de gravidade, para influenciar a sociedade a exigir do legislativo uma resposta mais severa.

Tal panorama de insegurança resulta na produção de leis rigorosas e que apenas reproduzem uma violência das instituições formais de controle, sem efetividade legítima, como preleciona Salo de Carvalho (2013).

Como primeira consequência negativa do ambiente penitenciário tem-se a debilidade da saúde, agravada pelas restrições de visitas que, no conjunto se assemelham a tortura.

É indispensável destacar que garantias fundamentais são ameaçadas a partir da nova legislação: a base familiar, a ressocialização, a saúde física e mental do apenado e a dignidade da pessoa humana.

2 A VISITA COMO DIREITO CONSTITUCIONAL: A BASE FAMILIAR E A RESSOCIALIZAÇÃO

O apenado não deve romper seus laços com familiares e amigos, pois estes lhe são benéficos, sobretudo porque a família, base da sociedade, tem sua unidade constitucionalmente garantida:

Art. 226, CF.A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(…)

§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

No mesmo sentido, o art. 5º, inc. LXIII, assegura ao Preso a assistência familiar.

A restrição ao direito de visita dos presos viola, ainda, o princípio constitucional da intranscendência da pena, pois resta evidente a punição dos filhos do apenados, lhes sendo vedada a convivência familiar, desconsiderando a dignidade da criança e do adolescente nos termos estabelecidos no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 227 da Constituição Federal de 1988.

É perceptível que as restrições de visitas trazem consigo uma verdadeira ruptura ao desenvolvimento salutar das relações matrimoniais ou de companheirismo. São abaladas suas relações afetivas e possibilidade de ressocialização do apenado.

As restrições de visitas também rompem o desenvolvimento das relações matrimoniais ou de companheirismo. O distanciamento por si só tem como efeito maléfico e direto a desestruturação das relações familiares.

A unidade familiar, sem dúvidas, sofre ao ter no cárcere um de seus entes e retirar a única chance de contato entre eles e contraria a regra justa, relacionada ao princípio da personalidade da pena.

Base da formação humana, a unidade familiar sofre ao ver o cárcere tirar de si um de seus entes. Essa angústia, porém, tem de ser combatida. Impõe-se sua abordagem crítica, reluzindo a centralidade da família e, simultaneamente, reconhecendo seu caráter essencial para superação do cárcere.

3 A SAÚDE MENTAL E FÍSICA DO APENADO: A IMPORTÂNCIA DO CONTATO E TOQUE HUMANO

A afetividade e inteligência são aspectos indissociáveis, segundo Piaget (1953) intimamente ligados e influenciados pela socialização.

É cediço que a efetividade é necessária na formação de pessoas felizes, seguras e capazes de conviver com o mundo que a cerca. A estudiosa Kathleen Keating (1993) afirma: “O toque físico não é apenas agradável. Ele é necessário. A pesquisa científica respalda a teoria de que a estimulação pelo toque é absolutamente necessária para o nosso bem-estar tanto físico quanto emocional(Keating, 1993. p.4)

Ainda segundo Keating, em muitas clínicas, faz parte do treinamento da equipe de enfermagem o toque terapêutico, como coadjuvante na cura de pacientes, pois o toque físico ajuda a aliviar a dor, a depressão, autopunição, isolamento social, inibição para o trabalho, distúrbios do sono e fadiga e a ansiedade.

Keating (ibidem) sustenta ainda que o abraço é uma forma especial de tocar, porque quando abraçamos alguém nos sentimos bem e também acaba com a solidão e o isolamento social; faz a pessoa se sentir aceita pelo outro, melhora o equilíbrio emocional; alivia a tensão e diminui a ansiedade.

Nesse sentido há estudos da área médica que confirmam que os toques afetivos nas demonstrações cotidianas de afeição seja o abraço, a mão no rosto, o beijo, ou mesmo o simples ato de pegar nas mãos carinhosamente liberam endorfinas no nosso corpo.

Em outras palavras: o toque físico efetivo estimula a produção dessas endorfinas principalmente a dopamina que causa bem-estar geral e sentimentos de felicidade.

Evidente que o isolamento e a despersonalização do indivíduo são cientificamente reconhecidas causas da insanidade mental dos apenados.

Percebe-se claramente que o toque é fundamental em qualquer etapa de vida e a sua ausência provoca alterações significativas ao nível da saúde física, mental, social e psicológica pelo que o seu uso deverá ser uma prática regular.

A ausência de contato físico humano, mais exatamente o toque afetivo de seus familiares impede a ressocialização do apenado, inclusive afetando diretamente a sua psique, podendo causar dano irreversível à integridade física e mental.

4 A VIOLAÇÃO À INTEGRIDADE PSICOFÍSICA, À PERSONALIDADE E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O art. 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988 prescreve um postulado central do ordenamento pátrio, um fundamento axiológico sobre o qual está construído o Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.

Este fundamento é parâmetro orientador de aplicação e interpretação. É um valor constitucional que irradia luzes sobre todo o ordenamento, em todos os âmbitos (civil, penal, administrativo, eleitoral, trabalhista etc.).

A dignidade da pessoa humana deve ser o parâmetro orientador de todas as atividades estatais, inclusive dos três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário (eficácia vertical dos direitos fundamentais), bem como de todas as atividades privadas (eficácia horizontal dos direitos fundamentais), atuando como piso protetivo mínimo.

Não havendo respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal proíbe as penas cruéis (CF/88, art. 5º, XLVII). Ainda, o Art. 5º, inc. XLIX, da Constituição Federal é claro em assegurar ao Apenado, como o art. 40 da Lei de Execução Penal, respectivamente:

Art.5º, XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

Dispõe o art. 5°, inc. XLIV que estão proibidos os maus-tratos e castigos aos presos que, por sua crueldade ou conteúdo desumano, degradante, vexatório e humilhante, atentam contra a dignidade da pessoa, sua vida, sua integridade física e moral.

Prevê-se nas Regras Mínimas para Tratamento dos Presos da ONU o princípio de que o sistema penitenciário não deve acentuar os sofrimentos já inerentes à pena privativa de liberdade (item 57, 2ª parte).

A justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas realiza-se, principalmente, na execução. É o poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo de punir e os direitos subjetivos concernentes à liberdade do ser humano.

Em todas as dependências penitenciárias e em todos os momentos e situações devem ser satisfeitas as necessidades de higiene e segurança na ordem material, bem como as relativas ao tratamento digno da pessoa humana.

Deve-se ter em foco que, como quaisquer dos direitos humanos, os direitos do preso são invioláveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

Não é aceitável, mesmo que em nome dos princípios da segurança pública e da ordem social, o Sistema Penitenciário Federal venha agindo a revés da Constituição e Tratados e Convenções de Direitos Humanos qual o Brasil é signatário.

Por mais que a segurança pública seja um valor muito caro, é imprescindível fazer preponderar o eixo estrutural do Estado Democrático de Direito, qual seja a dignidade da pessoa humana.

O Estado é incapaz de garantir a segurança pública, tomando medidas contrárias a normas internacionais das quais o Brasil é signatário, como bem aponta o Min. Gilmar Mendes:

Rechaço peremptoriamente qualquer possibilidade de ponderar os direitos dos condenados à individualização da pena e à execução da pena de acordo com a lei, com interesses da sociedade na manutenção da segurança pública. Não se nega que o Estado tem o dever de proteção aos bens jurídicos penalmente relevantes. A proteção à integridade da pessoa e a seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de estado constitucional. Em suma, o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais contra agressões injustas de terceiros, como corolário do direito à segurança (art. 5º). No entanto, a execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justifica com a observância de estrita legalidade. Regras claras e prévias são indispensáveis. Permitir que o Estado execute a pena de forma deliberadamente excessiva seria negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados – art. 1º, III. Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito, mas persistem em sua imanente condição de sujeitos de direitos. A Constituição chega a ser expletiva nesse ponto, ao afirmar o direito à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX) (…).

A garantia da segurança pública não deve e não pode estar condicionada a violações de direitos: um não deve excluir o outro.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

São incontáveis os danos psicológicos causados. A privação de liberdade, por si só, é mais que suficiente para corresponder ao ideal de justiça que todos tanto clamam.

O sentimento de insegurança e o desejo por justiça devem ser respeitados. No entanto, esse sistema punitivo é questionável.

Seria uma alternativa ao atual sistema permitir que o preso pudesse ter na verdade uma visita familiar, em local adequado, e durante um determinado período. No entanto, difícil seria de se concretizar essa sugestão em nosso sistema penitenciário, o qual ainda não é capaz de propiciar nem mesmo as garantias legais mínimas previstas ao recluso, pelo contrário, a maculam, permitindo agora, com o chamado Pacote Anticrime, várias violações a direitos.

São inúmeras as arbitrariedades, fazendo desse sistema penitenciário um erro, na medida em que afronta os preceitos constitucionais da Constituição da República, principalmente o da dignidade da pessoa humana e da proibição de aplicação de penas cruéis ou degradantes, submetendo condenados a situações que revelam o lado mais obscuro do homem.

Dentre as conclusões deste estudo, destaca-se que os direitos fundamentais são direitos diretamente afetados pelas restrições de visitas nos presídios brasileiros; há preconceitos insuperáveis em relação aos presos condenados (e não condenados): independentemente de quais erros graves tenham cometido, a sociedade e o gestores populistas são inflexíveis e não compreendem os direitos constitucionais e internacionalmente garantidos aos custodiados.

O sistema constitucional brasileiro não admite direitos e garantias absolutas, mas impõe que as limitações de ordem jurídica se destinem de um lado, a proteger a integridade do interesse social e de outro, assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades.

Preponderou-se a supremacia da segurança pública, enquanto direito social (art. 144 da Constituição Federal), mas não se revela legítimo o sacrifício às garantias individuais, como frequentemente verificamos tanto na esfera investigativa quanto no próprio judiciário.

A Constituição da República, como norma matriz, veda a adoção de penas cruéis e de caráter perpétuo (art. 5º, inc. XLVII, da CF), garante a individualização na execução da pena (art. 5º, inc. XLVIII, da CF) e assegura os presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, inc. XLIX, da CF).

Deve-se encarcerar e punir o indivíduo que cometeu o delito, mas jamais privá-los dos seus direitos outros, aqueles que estão além da liberdade legalmente comprometida, objeto da pena.

A pena deve se limitar aos termos da sentença, atingindo exclusivamente os direitos ali delimitados, não se prestando à execração pública, ao exílio, à vingança ou ao sensacionalismo.

É princípio orientador do sistema penitenciário: o preso não deveria ter rompidos os seus contatos com o mundo exterior, não perdendo os vínculos que os unem aos familiares, amigos, cônjuges/companheiros, pois são laços psicológica e fisicamente benéficos e facilitam o processo de ressocialização e de reinserção social na comunidade quando for colocado em liberdade.

Na prática, vislumbra-se grande discussão quanto à restrição de tais direitos. Sob a ótica jurídica, verifica-se enorme atribuição de poderes discricionários nas mãos dos diretores dos estabelecimentos prisionais, agora perpetuados pela nova lei.

Isso gera uma série de ilegalidades disfarçadas de discricionariedade administrativa. Decidir sobre qual direito uma pessoa poderá usufruir não é simplesmente observar todos os preceitos concernentes aos atos administrativos.

Não é coerente admitir a restrição e a privação de direitos sob a perspectiva da pressão social e sob o argumento de garantia da ordem pública, travestido de efetivação da tutela jurisdicional e da concretização da justiça.

Verifica-se que a lei que traz evidente distorção dos significados de justiça e direitos humanos, a partir da relativização de garantias estatuídas nas ordens interna e internacional.

O Processo Penal é um caminho indispensável até a pena legítima e para tanto devem ser observadas com rigor as regras e garantias constitucionais.

A mera proibição de visitas, regulamentadas nos moldes da nova lei, não garante o processo de reintegração, sendo necessárias políticas carcerárias relacionadas ao trabalho, educação, família, dentre outros.

A Lei de Execução Penal assegura determinados direitos não atingidos com a prisão: a privação de liberdade, no sistema constitucional garantista, tem como um de seus objetivos assegurar que ao indivíduo que ofendeu um bem jurídico individual ou a ordem pública possam ser oportunizadas medidas de reintegração social, com preservação de sua integridade física e sua saúde mental.

A Lei de Execução Penal, segundo alguns estudiosos, assegura determinados direitos não garantidos com a prisão, visto que a privação de liberdade, em nosso sistema garantista constitucional, tem como um de seus objetivos garantir que o indivíduo que ofendeu a ordem pública possa refletir e ponderar sobre seus erros.

Não se busca defender o crime, mas tão somente analisar, ainda que brevemente, o sistema carcerário hoje existente a fim de que ilegalidades não se tornem rotina.

Por fim, resta evidente a falência quase geral do sistema prisional nacional frente as formas que se buscam atualmente para segregar e reprimir liberdades sem gerar alternativas reais para ressocialização.

O preso, em regra, não sai do sistema preparado para estar inserido em um sistema social não criminoso. Seria este um dos focos realmente importantes para resolução da criminalidade, foco oposto ao “vício” na edição de leis cada vez mais rigorosas.

As mudanças, seja por meio de leis, seja por meio de portarias, agravam a situação da persecução criminal, com ênfase na execução penal, em notória afronta a princípios e direitos estatuídos em documentos internacionais de tutela de direitos humanos, bem como do Texto Constitucional, utilizando-se de uma legitimidade disfarçada e sob o argumento da efetivação da tutela jurisdicional.

Distanciando-se da justiça, leis como estas caminham nesse sentido de instauração de processos eivados de inconstitucionalidades, para além de retomar a perspectiva da vingança pública e da violência institucionalizada.

A inobservância dos protocolos internacionais e nacionais existentes, desprezando o fundamento da dignidade da pessoa humana evidencia, de forma incontestável, o descaso do Poder Público para com a efetivação de direitos no Estado Democrático de Direito, caracterizando violação a todos os preceitos normativos citados neste estudo.

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TÁVORA, Nestor, ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Comentários ao Anteprojeto de Lei Anticrime, Juspodivm, Bahia, 2019.

Notas de Rodapé

[1] Advogada, Pós-Doutoranda pela Universidade de Salamanca (Espanha) e Pós-Doutoranda pela Universidade de Messina (Itália).