A origem compensatória e complementar da proteção social dos servidores públicos federais no Brasil.
The compensatory and complementary origen of the social protection of the federal public servants in Brazil
DOI: 10.19135/revista.consinter.00018.29
Recebido/Received 31/07/2023 – Aprovado/Approved 15/02/2024
Milton Vasques Thibau de Almeida[1] – https://orcid.org/0000-0003-0371-9160
Resumo
O objetivo do presente trabalho é o exame da evolução das políticas públicas que visaram o estímulo do desenvolvimento da educação ou da qualificação de mão de obra em setores de interesse estratégico da Administração Pública no período colonial e imperial. Analisamos a formação dos regimes jurídicos de trabalho estatutário dos servidores públicos a partir dos início das políticas públicas adotadas para eles, utilizando os métodos histórico, comparativo e analítico dedutivo. Adotamos a premissa metodológica de que a legislação portuguesa relativa à Administração Pública no período colonial, e a legislação brasileira na mesma matéria durante o período imperial, evidenciam em matéria de proteção social as características inerentes à definição dos direitos sociais de segunda geração, antes da introdução dos direitos sociais no constitucionalismo social contemporâneo, tais como o provisionamento, a natureza da proteção material, a duração dos benefícios e a garantia da sua manutenção. A crise orçamentária do Tesouro Real no início do século XIX restringiu as políticas públicas à concessão da jubilação e da aposentadoria para os professores, porém não puderam abandonar de todo a concessão das pensões premiais, a fim de complementar a insuficiência da pensão de montepio e para conceder a aposentadoria por invalidez aos servidores acidentados no serviço ativo.
Palavras-chave: Pensões premiais; jubilação; aposentadoria.
Abstract
The objective of this article is the analyses of the public policies evolution that aims estimulates the education system evolution or the maneuver qualification in strategic sectors of Public Administration interest during the colonial and the imperial periods. We have analysed the work legal systems to the public servants from the begining of the public policies addopted for them, by the historical, comparative and analythical deductive methods. We adoppted the metological supposition that the portuguese legislation related to the Public Administration during the colonial period, and the brazilian legislation during the imperial period, takes in evidence in social protection mather the inherent elements to the definition of the social rights of second generation, before the introduction of the social rights in the contemporary social constitucionalism, as the provision, the material protection nature and its mantainance garantee. The Royal Tresure’s financial bankrupcy at be begining of 19th century has restricted the public policies to the jubelee and to the teacher’s retirement concessions, but didn’t lives the reward pensions, for complements the insufficient value of the mutual fund pension and to conceding the invalid person pension to the public servants hurts in the active service.
Keywords: Reward pensions; jubelee; retirement.
Sumário: 1 Introdução; 2 As políticas públicas de recompensa por bons serviços prestados ao reino de Portugal: o dever régio de premiar; 2.1 A pensão como instrumento da política pública de recompensa por bons serviços prestados ao reino; 2.1.1 A introdução do dever régio de premiar no Brasil; 2.1.2 O cancelamento, a restrição ou a suspensão da concessão das pensões premiais por problemas orçamentários; 2.2 A pensão como instrumento da política pública de gestão administrativa do funcionalismo público do reino; 2.3 A institucionalização da pensão premial; 3 O surgimento dos regimes jurídicos de trabalho estatutário e da “jubilação”; 3.1 A jubilação e a aposentadoria dos professores; 3.1.1 A jubilação dos professores (lentes) do ensino superior público militar; 3.1.2 A aposentadoria dos professores do ensino fundamental (“Primeiras Letras”); 4 As políticas públicas de concessão das “complementações das pensões de montepio” e das “aposentadorias por invalidez” para os servidores acidentados no serviço ativo da União; 4.1 O surgimento dos Montepios com a sua técnica protetiva mutualista; 4.1.1 A pensão de montepio; 4.1.2 A complementação das pensões de montepio; 4.2 A pensão por invalidez do servidor público acidentado no serviço ativo; 5 Considerações finais; 6. Referências.
1 Introdução
Na atualidade, os direitos sociais de segunda geração se efetivam por “ações”, sejam elas advindas da iniciativa do Poder Público coadjuvada pela participação da sociedade (conforme definição ditada pelo artigo 194, caput, da Constituição Brasileira de 1988) ou por iniciativa unilateral e espontânea de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado sem a participação do Estado, hipótese nas quais, não raro, essa iniciativa é referida e justificada como sendo uma “liberalidade”.
A responsabilidade jurídica do Estado pelas ações de proteção social teve início na Idade Média com a implantação de uma política pública de recompensas atribuída pela Administração Pública aos cidadãos ou estrangeiros que tivessem prestado bons serviços ao reino de Portugal, fundamentada no dever régio de premiar, como emerge do referencial teórico da obra “As Capitanias; O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa”, de Antônio Vasconcelos de Saldanha.
Daí em diante o objetivo da presente pesquisa é identificar a evolução dessa política de recompensas administrativas e o seu desdobramento em outras vertentes de políticas públicas, dentre as quais aquelas que relacionam as recompensas com objetivos específicos de desenvolvimento da organização administrativa, dentre elas a compensação financeira dos servidores públicos da área de educação, por intermédio da qual surgiram as primeiras linhas de política pública das ações de proteção social adotadas no Brasil.
Em matéria de direito da seguridade social há uma grande escassez de referências bibliográficas no direito brasileiro e também no direito comparado, sendo esta uma das razões pelas quais a Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social foi instituída, para ampliar a produção científica nessa área de conhecimento, devido à grande amplitude do aspecto técnico desse conhecimento, à grande interdisciplinariedade entre o conhecimento jurídico previdenciário e os saberes de outros campos de conhecimento e do grande desconhecimento da matéria previdenciária pela grande maioria dos operadores do Direito.
Na análise das ações da Administração Pública e das suas correlatas instituições serão utilizados os métodos histórico, comparativo e analítico dedutivo, tendo como objetivo identificar e abordar as diversas políticas públicas que instituíram e que justificaram a concessão de benefícios sociais aos cidadãos e a uma nova classe social surgente, que é a dos servidores públicos.
Releva destacar no método histórico a importância da “história da administração pública” durante o período histórico do Estado Absolutista, no qual todos os poderes do Estado eram concentrados na pessoa do Rei, de sorte que este legislava utilizando uma técnica legislativa peculiar: as leis (Decretos, Decretos Régios, etc) narravam em primeiro lugar a problemática a ser solucionada para, em seguida, dispor sobre as ações que visavam à sua solução. Desta forma, os diplomas legais do antigo direito português medieval e do antigo direito brasileiro imperial constituem fontes legislativas fidedignas de compreensão e de interpretação das leis, por incorporarem a justificativa da necessidade da promulgação da lei e das ações necessárias para enfrentá-las, narradas pelo próprio rei ou imperador legislador.
A legislação portuguesa relativa à Administração Pública no período colonial, e a legislação brasileira na mesma matéria durante o período imperial, evidenciam em matéria de proteção social as características marcantes da definição dos direitos sociais de segunda geração, antes mesmo do surgimento dos direitos sociais no constitucionalismo social contemporâneo, tais como o provisionamento, a natureza da proteção material, a duração dos benefícios e a garantia da sua manutenção. Isso ocorria não como direito do cidadão ou do servidor público, mas como política da Administração Pública, relevando, pois, saber a partir de quando essas políticas públicas passaram a instituir direitos subjetivos públicos à proteção social.
2 As políticas públicas de recompensa por bons serviços prestados ao reino de Portugal: o dever régio de premiar
O ministério do trabalho e seguridade social da Espanha[2] registra que as primeiras aparições das pensões no sentido moderno de prestações periódicas concedidas às pessoas se deram no tempo do Império Romano, em relação aos veteranos do exército, para agradecer os seus serviços (e também para se livrar deles), sendo-lhes oferecida uma propriedade nos confins do Império, onde poderiam morar e delas obter uma renda. Mas quando não havia uma propriedade adequada para oferecer, lhes era dada uma renda equivalente em dinheiro, que ficava vinculada à pessoa do beneficiário até o final da sua vida.
É inequívoco que essas práticas romanas justificaram o surgimento do “dever régio de premiar”, que presidiu os antigos Regimes Senhoriais medievais português e espanhol. Em tais Regimes Senhoriais a concessão de uma propriedade correspondia a uma “sesmaria” e a concessão de uma renda equivalente em dinheiro até o final da vida, era chamada de “pensão”.
Contudo, existiram muitos significados para a pensão como instituição política administrativa nos períodos medieval e colonial português e no período imperial brasileiro.
A instituição jurídica da pensão assumia múltiplas naturezas no Regime Senhorial português, se afastando das naturezas que lhe são atribuídas como pensão alimentícia ou como pensão indenizatória pelo direito privado, pois assumia morfologias e fundamentos diversos, tanto como receita ou como despesa financeira. A pensão poderia ser o poder de estabelecer uma taxação tributária concedida aos Capitães das Capitanias, mediante Carta de Foral, a exemplo da cobrança de uma renda pela utilização de serras d’água ou de fornos[3]; da cobrança de uma renda mensal para o financiamento da construção de uma capela[4] ou para a utilização de um terreno público[5].
Os significados de pensão que mais interessam aos propósitos da proteção social são aqueles relacionados a uma atividade de trabalho.
2.1 A Pensão Como Instrumento da Política Pública de Recompensa por Bons Serviços Prestados ao Reino: o “Dever Régio De Premiar”
Com o “dever régio de premiar” surgiu em Portugal uma política pública de natureza administrativa cujo objetivo era recompensar financeiramente os cidadãos, assim como os estrangeiros, que tivessem prestado bons serviços ao reino, sendo a pensão mensal vitalícia a recompensa mais frequentemente concedida.
No antigo regime senhorial português, as doações régias constituíam um corolário da justiça e objetivavam remunerar os relevantes serviços prestados pelos súditos e vassalos do Rei de Portugal, conforme explica o historiador português antônio vasconcelos de saldanha[6].
2.1.1 A introdução do dever régio de premiar no Brasil
Esse dever régio de premiar foi introduzido no direito brasileiro por D. João VI, ao instituir a nova Ordem da Espada no Brasil, com a promulgação do Decreto de 13 de maio de 1808[7], para remunerar os mais relevantes serviços prestados pelos seus vassalos e por ilustres estrangeiros, não apenas com a outorga da medalha de honra por “Valor e Lealdade”, pois a ela seguiam, como direitos acessórios de natureza econômica, as sesmarias e as pensões:
Sendo da mais alta preeminência dos Augustos Soberanos, Reis e Imperadores, a ação de criar novas Ordens de Cavalaria, com que possam remunerar os mais relevantes serviços, assim dos seus vassalos, como de ilustres estrangeiros, que não tiverem outro prêmio que lhes seja equivalente senão o da honra; e sendo a referida ação praticada pelos maiores Príncipes quase sempre nas épocas mais assinaladas; não podendo deixar de se contar entre estas a presente da minha feliz jornada para estes Estados do Brasil, donde espero hajam de resultar não só grandes reparos aos danos atualmente experimentados pelos meus povos no Reino de Portugal, mas também muitos lucros e sucessos de honra e de glória devidos à sua felicidade, e abundância dos meus tesouros da América, e liberdade de comércio que fui servido conceder aos seus naturais. E considerando que nenhuma das três Ordens Militares que atualmente persistem nestes meus Reinos, por serem justamente religiosas, se pode aplicar àquelas pessoas que não tiverem a felicidade de professarem à nossa Santa Religião, aliás merecedoras das mais distintas honras por armas, ou por outros quaisquer empregos ou serviços, de cujo merecimento me seja necessário usar com muita frequência, para as grandes empresas a que me conduz uma nova Ordem de Cavalaria que se acha ter sido instituída puramente civil por algum dos Senhores reis Portugueses, qual a intitulada Ordem da Espada, que o foi pelo Senhor Rei D. Afonso o V de muito ilustre e esclarecida memória; para cujo fim fui já servido, na Cidade da Bahia, mandar abrir uma medalha com esta letra – Valor e Lealmente -, e com que tenho gratificado dois beneméritos vassalos do meu fiel e antigo aliado o Rei da Grã Bretanha. E porque não cabe no tempo determinar o número de Cavaleiros, Grã Cruzes e Comendadores, com as sesmarias e pensões que lhes devem ficar anexas, e outras mais considerações em favor das pessoas que tão lealmente me acompanharam e assistiram, sacrificando os seus próprios interesses ao maior bem da honra e da vassalagem que me é devida; e por outra parte, não convém demorar mais tempo a publicação desta tão importante obra, tanto mais estimável, quanto mais próxima for da sua origem; hei por bem confirmar a sobredita Ordem de Cavalaria denominada da Espada, que se acha haver sido instituída por meu Avô de gloriosa memória, o Senhor D. Afonso o V, chamado O Africano, na Era de 1459; para que haja de ter o seu devido efeito, como se fosse novamente criada por mim, e suscitada logo depois que cheguei tão felizmente ao Porto da Cidade da Bahia. Quero que sirva este Decreto de base à lei da criação, que mando formar; e ordeno a D. Fernando José de Portugal, do Meu Conselho de Estado, Ministro Assistente ao Despacho do meu Gabinete e Presidente do Real Erário, me haja de apresentar os novos Estatutos que houverem mais instruções que for servido dar-lhe. Palácio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1808. (atualizamos)
Desta forma, D. João VI introduziu no Brasil a política pública de recompensa financeira, que atribuía ao reino o “dever régio de premiar” seus súditos e vassalos, assim como personalidades estrangeiras, remunerando-lhes os relevantes serviços prestados, com a concessão de sesmarias e de pensões, que eram anexadas à condecoração da medalha da Ordem da Espada.
2.1.2 O cancelamento, a restrição ou a suspensão da concessão das pensões premiais por problemas orçamentários
Pouco antes da Independência do Brasil, em virtude de deficit do Tesouro Régio de Portugal, o pagamento das pensões premiais foi restrito ou foi suspenso em alguns casos.
ARTUR GILBERTO GARCIA DE LACERDA ROCHA[8] explica que nos anos que antecederam a independência do Brasil e imediatamente seguintes mostram que a situação financeira do país estava envolvida na mais completa desordem; o estado do erário era lastimável e obrigavam os credores a pesadíssimos sacrifícios, não era possível satisfazer pontualmente os pagamentos das letras de câmbio, dos ordenados de seus empregados, dos juros dos serviços das dívidas que era obrigado a contrair.
Essa situação de caos financeiro se espraiava por todo o Império Português, não apenas no Brasil, por isso medidas emergenciais foram tomadas pelo Decreto de 16 de março de 1821, que extinguiu todos os ordenados, pensões, gratificações, propinas e outras despesas que não estivessem estabelecidas por Lei ou por Decreto:
A Regência do Reino em Nome do Rei o Senhor D. João VI, faz saber que as Côrtes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa têm decretado o seguinte:
As Côrtes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, sendo informadas de que se pagam pela Fazenda Pública algumas despesas que não foram legalmente constituídas, decretam o seguinte:
1º. Ficam extintos todos os ordenados, pensões, gratificações, propinas e quaisquer outras despesas, que não se acharem estabelecidas por Lei ou Decreto. Esta disposição compreende também a Universidade de Coimbra.
2º. A Regência do Reino porá particular cuidado em restringir as despesas públicas, fazendo observar em tudo uma rigorosa economia.
À mesma Regência o tenha entendido, e faça executar.
Paço das Cortes em 12 de Março de 1821. Manoel Fernandes Thomaz, Presidente. – José Ferreira Borges, Deputado Secretário. – Francisco Barroso Pereira, Deputado Secretário.
Portanto manda a todas as autoridades a quem competir o conhecimento e execução do presente Decreto, que assim o tenham, e o cumpram e façam cumprir, e executar, como nele se contém: e ao Chanceler Mór do Reino, que o faça publicar na Chancelaria, e registrar nos livros respectivos, remetendo o original ao arquivo da Torre do Tombo, e as cópias a todas as estações do estilo. Palácio da Regência em 16 de Março de 1821. (atualizamos)
A metrópole portuguesa, portanto, estabeleceu uma política pública de austeridade orçamentária, impondo a observância do princípio jurídico da legalidade, como regra de orientação da Administração Pública do Reino de Portugal e das Províncias Ultramarinas, a fim de que fossem estancados os pagamentos de ordenados, de pensões e outras obrigações desprovidas do título legal concessivo.
Mais para o final do mesmo ano, aqui no Brasil, essa política pública estabeleceu uma regra de austeridade financeira ainda mais enérgica, pois impôs pelo Decreto de 31 de outubro de 1821 que, provisoriamente as pensões que haviam sido concedidas por Lei ou por Decreto, com valor acima de 150$000 (cento e cinquenta contos de réis) deveriam ser pagas apenas pela metade do seu valor.
Depois de ter sido determinado o estancado do pagamento de pensões que não haviam sido legalmente concedidas por Lei ou por Decreto, e de ter determinado o pagamento das pensões de forma escalonada, como medida de contenção do deficit público, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara determinou pelo Decreto de 09 de novembro de 1821 a concentração do pagamento das pensões numa única fonte orçamentária – o Tesouro Público – determinando, igualmente, que todas as repartições públicas para lá enviassem a relação das pensões que até então lhes competia, acompanhadas dos títulos que as concederam.
Dois anos e meio após ter determinado a suspensão do pagamento das pensões que não haviam sido concedidas legalmente por Lei ou por Decreto, ao final do ano de 1823, já como Imperador do Brasil, D. Pedro I promulgou o Decreto de 06 de dezembro de 1823 determinando que fosse restabelecido o pagamento dessas pensões, com observância do escalonamento proporcional estabelecido pelo Decreto de 31 de outubro de 1821.
Finalmente D. Pedro I revogou o Decreto de 31 de outubro de 1821, com a promulgação do Decreto de 9 de agosto de 1824, restabelecendo o pagamento do valor integral das pensões e reconhecendo o direito dos pensionistas às diferenças dos valores retidos, que seriam pagas em momento mais oportuno.
Esse conjunto de medidas revela as políticas públicas adotadas pelo Brasil Império a fim de proteger as finanças públicas. Num primeiro momento a política pública adotada visou sustar o pagamento das pensões que não observassem o princípio da legalidade, determinando que não fossem pagas as pensões que não estivessem justificadas por Lei ou por Decreto. Num segundo momento a política pública determinou o pagamento escalonado, com valores diferidos, de forma proporcional aos valores das pensões que haviam sido legalmente beneficiadas pela Lei ou por Decreto. Num terceiro momento essa política pública determinou a concentração do pagamento das pensões numa só fonte de receita orçamentária, definindo-a como sendo o Tesouro Público, e determinando que todas as repartições públicas remetessem para lá as folhas de pagamento dessas pensões devidamente acompanhadas dos títulos que as legitimava (Leis ou Decretos). Num quarto momento, essa política pública revogou a proibição do pagamento das pensões desprovidas de títulos legais que pudessem justificá-las, determinando o seu pagamento por duas consideranda importantes: o pouco impacto financeiro delas nas finanças públicas em relação ao prejuízo social, e o fato de que, a despeito da ausência de título habilitando-se para essas pensões, eram elas “dignas de consideração por serviços próprios, ou de seus pais e maridos”; restabelecendo-se o pagamento dessas pensões de conformidade com a progressividade estabelecida pelo Decreto de 31 de Outubro de 1821. Por último, foi revogado esse Decreto de 31 de Outubro de 1821, ao fundamento de terem sido cessadas as medidas de austeridade fiscal, tendo sido determinado o restabelecimento do pagamento dos valores integrais das aposentadorias, seguido do reconhecimento do direito dos pensionistas às diferenças acumuladas, para fossem pagas em época oportuna.
A ocorrência dessa crise orçamentária do Tesouro Régio do Império Português no período colonial e do Tesouro brasileiro no período imperial, no início do século XIX, determinou uma mudança significativa de rumos para a política pública de recompensa por bons serviços prestados ao reino, não havendo mais registros da concessão de pensões (nem de sesmarias) a cidadãos e estrangeiros fundamentadas no “dever régio de premiar”. Essa crise orçamentária, contudo, não extinguiu por completo o caráter de recompensa por bons serviços prestados ao reino, mas passou a restringir essa política pública a casos específicos de natureza compensatória ou complementar para determinados servidores públicos, especialmente por atos de bravura desempenhada por servidores militares em combate ou familiares dos que morreram em combate, sendo instituída a política pública da compensação do “meio soldo” (complementação do soldo) ou da “permanência do soldo” (o equivalente naquela época à atual pensão de viuvez).
2.2 A Pensão como Instrumento da Política Pública de Gestão Administrativa do Funcionalismo Público do Reino
Após a crise orçamentária do Tesouro Régio do Império Português no início do século XIX, as políticas públicas da Administração reinol passou medidas que na atualidade seriam classificadas como práticas de gestão de pessoal.
RUI MANUEL DE FIGUEIREDO MARCOS[9] explica que o desenvolvimento da administração sempre veio acompanhado de um importante significado social, por conferir aos servidores um estatuto social. Por vias diferentes, de conformidade com a época, a administração transformou-se num meio de o servidor público angariar riqueza e de ascender na escala social. Na Idade Média, o valor dos altos funcionários da administração régia, em especial os que tinham formação jurídica, lhes conferia uma posição de privilégio, em virtude da proximidade em relação ao soberano, o que, não raro, se traduzia em laços de confiança. Mesmo os funcionários de extrato inferior infundiam um enorme respeito às populações, notadamente aqueles que realizavam tarefas revestidas de império, a exemplo da arrecadação de impostos. Ao longo do Antigo Regime em Portugal ser alto funcionário administrativo significava uma elevada posição social, que, não raro, era acompanhada, por vantagens econômicas e jurídicas. Desta forma, a profissionalização dos funcionários administrativos contribuiu para formar um espírito de corpo, moldado pelas afinidades sócio-culturais próprias de sua hierarquia.
Não é, pois, por acaso, que a evolução da organização da proteção social tem assento nessa solidariedade imanente às classes de trabalhadores.
Durante o período medieval português surgiram as carreiras do funcionalismo público e, neste caso, a pensão também passou a constituir uma forma de recompensa concedida a determinados servidores públicos que se notabilizaram pelo mérito de bem servir à administração pública do reino, em circunstâncias diversificadas, tais como: a compensação pela bravura dos militares demonstrada em campo de batalha (“acréscimo de soldo”); a compensação financeira “post mortem” para a viúva dos militares mortos em ação de combate (“continuidade do soldo”) ou a reforma dos soldados “cansados para o serviço”.
Os atos de bravura no serviço militar ativo motivou a concessão de promoção a Marechal de Exército José Narciso de Magalhães e Menezes, Governador e Capitão General da Capitania do Pará, e promoveu com um posto de acesso todos os oficiais que participaram da gloriosa conquista de Caiena e da Guiana Francesa pela Carta Régia de 06 de Junho de 1809, sendo-lhes assegurado, além dos “despojos” típicos dos usos e costumes militares uma recompensa.
O Decreto de 1º de Junho de 1821 concedeu ao Comandante da Escuna Correio do Pará Francisco Rebello da Gama a promoção à patente de Capitão-Tenente desembarcado e a manutenção de uma pensão de “meio-soldo” em relação às patentes para as quais viesse a ser promovido, em virtude de ato de bravura no combate sustentado contra a embarcação inimiga Corsário Congresso junto à costa de Caiena.
O Decreto de 30 de Maio de 1809 e a Carta Régia de 06 de Junho de 1809 concederam uma pensão especial para as viúvas dos Oficiais e Oficiais inferiores (Suboficiais) que morreram em ação durante as campanhas militares de invasão de Caiena e da Guiana Francesa, como uma compensação financeira “post mortem”, determinando a “continuidade do soldo” dos seus falecidos maridos.
O Decreto de 31 de Agosto de 1809 extinguiu o governo do Forte de São Paulo do Morro, na Capitania da Bahia, em virtude do seu estado de ruína, pela perda do seu valor militar para a defesa do litoral, pela inutilidade da sua manutenção e por ser dispendiosa a sua conservação, também tendo determinado que a Companhia de Infantaria que ali se achava sediada fosse incorporada aos Regimentos de Linha, e que fosse mantida a permanência de um pequeno destacamento (“uma Companhia de pé de Castelo”) para o “pequeno e suave serviço de guarda”, que seria composta por soldados idosos “cansados para o serviço”, que receberiam “uma espécie de reforma”.
Essas políticas públicas de gestão administrativa de pessoal foram adotadas no Brasil com finalidades muito específicas e de forma transitória no final do período colonial, em consequência de uma possível ameaça de invasão do território brasileiro pelas forças militares francesas de Napoleão Bonaparte e das ações militares de retaliação de Portugal contra a invasão do seu território, com a tomada de Caiena e da Guiana Francesa.
2.3 A Institucionalização da Pensão Premial
A partir da vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, a pensão premial evoluiu para formas institucionalizadas de benefícios que foram implementados pelas políticas públicas de desenvolvimento da educação, para a obtenção de resultados específicos na qualificação de mão de obra setorial, e para suprir a insuficiência da proteção social calcada nas pensões de montepio, com um caráter complementar.
Nesse período as políticas públicas de gestão da Administração passou a conceder a pensão premial como um benefício de remuneração compensatória visando a obtenção de resultados estratégicos na implantação de uma estrutura de ensino no Brasil, com isso surgindo a “jubilação” e a “aposentadoria dos professores”.
Paralelamente, as políticas públicas da Administração também fizeram um pequeno recuo na política de austeridade orçamentária do Tesouro do Império para conceder as “complementações das pensões de montepio” e para conceder a “aposentadoria por invalidez”, para tanto dando novas justificativas para a concessão da pensão premial.
Portanto, duas foram as linhas de institucionalização das políticas públicas de gestão de pessoal no serviço público: a) a instituição dos regimes jurídicos de trabalho estatutário, no qual se inserem a “jubilação” e a “aposentadoria dos professores”, b) a concessão das “complementações das pensões de montepio” e das “aposentadorias por morte ou invalidez” para os servidores públicos acidentados no serviço ativo da União.
3 O surgimento dos regimes jurídicos de trabalho estatutário e da “jubilação”
A reestruturação da Administração Pública portuguesa, com a transferência da capital do Império Português da cidade de Lisboa para a cidade do Rio de Janeiro deixou registrada na legislação promulgada nessa época a trajetória da reorganização das carreiras do funcionalismo público português em terras brasileiras e colocou em evidência as políticas públicas empregadas para a consecução dos objetivos estratégicos da Administração Pública, a começar pela qualificação da mão-de-obra e da promoção do ensino fundamental (a “escola das primeiras letras”) e do ensino superior.
Era essencial para a Administração Pública a profissionalização das carreiras no serviço público, daí porque o reconhecimento de mérito (ou o critério da meritocracia) foi introduzido logo no relacionamento entre a administração pública e os seus servidores, fundamentando os critérios de acesso, de progressão e de encerramento das múltiplas carreiras dos servidores que se especializaram na realização de atividades complexas, contrabalançado pelo critério da antiguidade ou outros critérios de exceção.
Por outro lado, se o reconhecimento do mérito dos bons serviços prestados era motivo de premiação, o contrário também poderia ocorrer, pois o descumprimento dos deveres pelos servidores públicos era motivo para punição disciplinar, o que poderia implicar, dentre outras penalidades, no seu desligamento do cargo público, ainda que lhe fosse assegurada a renda mensal de subsistência, denominada “aposentadoria compulsória”, da forma como ela ainda subsiste no ordenamento jurídico brasileiro nos regimes jurídicos estatutários dos servidores públicos e nos regimes jurídicos das carreiras públicas regulamentadas (a exemplo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – Lei Complementar nº 35, de 1979).
Isso explica e justifica a inserção da regra do artigo 154 na Constituição monárquica brasileira de 1824, que permitia ao Imperador suspender os juízes de direito, e decretar-lhes a aposentadoria compulsória, ouvido o Conselho de Estado.
OCTACIANO NOGUEIRA[10] relata alguns casos de aposentadoria compulsória que foram aplicadas a juízes de direito na vigência desta Constituição monárquica brasileira de 1824.
Naturalmente que a administração pública do Império Português podia contar com a colaboração de trabalho voluntário ou remunerado dos seus súditos, e também de estrangeiros, para serviços eventuais e autônomos, mas a organização administrativa reivindicava a estruturação de certas carreiras de servidores permanentes, e o Governo Português sabia que não poderia dar o mesmo tratamento a todos esses servidores permanentes, por isso foi lenta e gradativamente limitando a concessão das pensões premiais, ao mesmo tempo que as adaptou como formas de concessão de benefícios a serem concedidos para apenas algumas dessas categorias profissionais.
Dentre esses benefícios que evoluíram a partir da concessão genérica das pensões premiais estão a jubilação dos professores (lentes) do ensino superior público militar e a aposentadoria dos professores do ensino público fundamental (“Primeiras Letras”), que estavam atreladas a políticas públicas de desenvolvimento da educação, incluindo em alguns casos a concessão de bolsas de estudo, para a qualificação profissional do professor ou para a aceleração da qualificação da mão de obra em determinado setor.
No mais, onde a mão de obra era mais numerosa, não demandava qualquer qualificação de mão de obra ou demandava mão de obra de baixa qualificação, quaisquer vantagens concedidas aos servidores públicos para além do soldo ou dos salários foram substituídas, a partir de 1795 em Portugal, pelos benefícios de montepio. Desta forma o objetivo era excluir a concessão de pensões premiais no âmbito das carreiras públicas; contudo, como o valor das pensões de montepio eram incipientes, as pensões premiais voltaram a ser-lhes concedida de forma eventual e com caráter complementar, ao tempo do Governo Imperial brasileiro.
3.1 A Jubilação e a Aposentadoria dos Professores
A expansão da máquina administrativa do Estado já estava em curso em Portugal quando ocorreu a invasão de Portugal pelas tropas comandadas por Napoleão Bonaparte, o que forçou a Família Real portuguesa a se deslocar para o Brasil.
Com o deslocamento da administração do Império português para o Brasil, a cidade do Rio de Janeiro passou a ser a sede da Corte e a Capital do Império. D. João VI foi forçado a criar e instalar nessa nova Capital do Império Português vários órgãos da administração pública do seu Reino e dos Domínios Ultramarinos de Portugal, assim como, também, criar e instalar outras repartições públicas nas sedes das Províncias brasileiras (que continuaram a ser referidas como Capitanias nos Decretos, Alvarás e Cartas Régias examinadas).
Nessa reestruturação do direito administrativo do Império Português na cidade do Rio de Janeiro havia uma necessidade premente de qualificação da mão de obra para o serviço público.
Uma das atividades públicas que mais demandava qualificação de mão de obra imediata era o serviço público militar, razão pela qual o Governo português instituiu uma escola militar na cidade do Rio de Janeiro para cuidar das carreiras militares do Exército e da Marinha; instituiu os dois primeiros cursos superiores de Direito (em Olinda e em São Paulo); instituiu cursos de qualificação de mão de obra em determinadas especialidades médicas dentro dos hospitais, e; impôs às chefias das repartições públicas que iam sendo criadas o dever de ministrar a qualificação da mão de obra necessária aos seus subordinados.
3.1.1 A jubilação dos professores (lentes) do ensino superior público militar
No âmbito do ensino militar, a administração pública portuguesa instituiu uma nova Academia Militar na cidade do Rio de Janeiro, pela Carta Lei de 04 de dezembro de 1810, e estendeu para os seus lentes (professores) os mesmos direitos e prerrogativas dos lentes das Academias Militar e Naval de Lisboa. Tais direitos e prerrogativas eram listadas nos estatutos já estabelecidos em Portugal e correspondiam a um autêntico regime jurídico de trabalho estatutário, que estabelecia as regras de ingresso, de permanência e de desligamento da carreira docente do lente das Academias Militar e Naval de Lisboa, descrevendo as obrigações de trabalho, estabelecendo o princípio jurídico da permanência enquanto bem servir, o processo disciplinar de exclusão por faltas mediante o devido processo do inquérito administrativo, e a concessão da renda mensal vitalícia da jubilação após 20 (vinte) anos de bons serviços prestados.
Pela Carta Lei de 04 de dezembro de 1810, que criou a Academia Real Militar na Corte e Cidade do Rio de Janeiro, D. João VI, estabeleceu no Título Terceiro (“Requisitos que devem ter os Professores, e Vantagens que lhes ficam pertencendo”) o direito à jubilação, seja como castigo (jubilação compulsória) ou como prêmio (jubilação espontânea por tempo de serviço). Embora nessa Carta Lei não haja sido empregada a expressão “pensão”, deixa evidente que o direito à jubilação e aos adiantamentos de postos (promoções) decorrem do reconhecimento de mérito.
Nesse momento a pensão premial se institucionalizou como direito subjetivo público do professor à jubilação, que era um benefício concedido diretamente pela administração pública, com caráter não contributivo, através do qual o professor (lente) adquiria o direito a uma renda mensal vitalícia no momento do desligamento do cargo público, ao término da sua carreira docente na Academia Militar, após ao menos 20 (vinte) anos de tempo de serviço.
Na atualidade as expressões “jubilação” ou “jubilamento” são utilizadas apenas como sinônimas de “reforma” ou de “aposentadoria”, sem contudo com elas possuir equivalência jurídica ou econômica, porquanto esse benefício não era securitizado, o beneficiário não compartilhava o custeio dessa renda mensal e a responsabilidade pelo seu pagamento era exclusivamente do ex-empregador: a Administração Pública. Portanto, a jubilação não decorria de qualquer tipo de seguro (seja ele privado ou coletivo, menos ainda de um seguro social, que ainda não havia sido instituído àquela época) e não era administrado por um montepio, pois era concedido diretamente pelo Tesouro Régio. Seria na atualidade o equivalente a uma “remuneração compensatória” concedida pelo setor privado para a remuneração de um comportamento do empregado, que seja útil ou essencial para o atingimento dos objetivos econômicos da empresa. Naquela época a jubilação objetivava a dedicação do professor (lente) aos deveres do seu cargo, enquanto ele bem servisse à instituição pública. Aqui é que encontramos a natureza jurídica da estabilidade do servidor público efetivo no cargo: a permanência na instituição enquanto bem servir.
Etimologicamente a expressão “jubilamento”, do ponto de vista da proteção social, significa “ficar excessivamente contente; tornar-se alegre; estar repleto de júbilo; o presente de aniversário jubilou-o; o município jubilou com o novo hospital; atribuir ou conseguir aposentadoria (a); aposentar-se com o valor integral do salário como atribuição de honra ou prêmio pelos serviços oferecidos (durante um determinado tempo); aposentar-se: o diretor jubilou-a por tempo de trabalho; jubilou-se após 34 anos de medicina”[11].
A expressão sinônima “jubilação” também se reveste do mesmo significado de “sentimento ou manifestação de intensa alegria ou contentamento; júbilo; aposentadoria de indivíduo que exerceu o magistério ou cargo público”[12].
Na atualidade a expressão “jubilamento” passou a adotar um novo significado, deixando de ser prêmio para virar castigo; um significado que embora não remeta mais a uma renda mensal garantida ao término da correira docente, ainda traduz o término de uma trajetória de ensino, porém para o aluno inadimplente com os seus deveres estudantis, significado este que lhe foi atribuído pelo Decreto-Lei 464, de 1969: “o desligamento compulsório de aluno de Instituição de Ensino Superior (IES) que ultrapassou o prazo máximo permitido para a conclusão do seu curso” (JUSBRASIL)[13].
3.1.2 A aposentadoria dos professores do ensino fundamental (“primeiras letras”)
Pelo Decreto de 1º de outubro de 1821, o Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara, concedeu aposentadoria aos mestres e professores, após 30 anos de serviço, além de assegurar um abono de 1/4 (um quarto) dos ganhos aos que continuassem em atividade.
antônio carlos de oliveira[14] entende que essa aposentadoria correspondia a uma prerrogativa funcional para requisitar aposentos nas cidades e nas vilas, que teria sido concedida aos primeiros professores que teriam vindo de Portugal para lecionar nos primeiros cursos jurídicos fundados no Brasil por D. João VI. Segundo ele, esses professores teriam o poder de requisitar aposentos nas residências das famílias, pois àquela época cerca de 80% da população brasileira vivia no campo e apenas 20% nas cidades, sendo, portanto, as cidades desprovidas de infraestrutura para abrigar viajantes, pois não haviam hotéis e restaurantes nas vilas e nas cidades brasileiras naquela época.
Contudo isso não ocorreu em relação a essa aposentadoria concedida aos professores, por várias razões.
Primeiramente, haviam efetivamente certas categorias de servidores públicos que eram dotados desse poder administrativo de requisitar aposentos, como era o caso dos Ministros que viajavam para realizar correições ou diligências, mas esse poder administrativo foi demasiadamente restringido alguns meses antes da promulgação desse Decreto concessor do direito de aposentadoria para os professores, para contenção de abusos pelo Decreto de 14 de Maio de 1821.
Se foi necessária a coibição de abusos por parte dos Ministros dotados desse poder de requisição de aposentos, não é possível, pois, conceber a possibilidade de que essa prerrogativa tenha sido concedida a um maior número de pessoas, a exemplo dos professores.
Por outro lado, o Decreto de 1º de outubro de 1821 se referia aos mestres e professores do ensino fundamental (“Primeiras Letras”) e não exclusivamente aos professores dos cursos superiores.
Os cursos jurídicos não foram os únicos cursos superiores que foram instituídos no Brasil por D. João VI, foram apenas as primeiras Faculdades, como instituições voltadas exclusivamente para o ensino.
O ensino era uma atividade pública exercitada com exclusividade nas Faculdades e nas Escolas, por isso havia uma política pública voltada exclusivamente para a educação.
A administração pública sempre foi carecedora de mão de obra qualificada, mas naquela época ela adotava uma política educacional própria e interna corporis, pela qual eram criadas cadeiras isoladas dentro de certas repartições públicas, a exemplo da cadeira de Geometria numa unidade do Exército sediada na Capitania de Pernambuco (criada em 1795 e que foi provida inicialmente pelo Capitão de Infantaria Antônio Francisco Bastos, mas de fato exercida por Joaquim Ignácio Lima, conforme referências expressas na Carta Régia de 07 de Março de 1809); da cadeira de Ciência Econômica, para atuar de forma itinerante nas Juntas da Fazenda das Capitanias do Reino (criada pelo Decreto de 23 de fevereiro de 1808, com investidura inicial por José da Silva Lisboa, Deputado e Secretário da Mesa da Inspeção da Agricultura e Comércio da Cidade da Bahia); da cadeira de Anatomia no Hospital dos Militares (criada pelo Decreto de 02 de abril de 1808, provida inicialmente por Joaquim da Rocha Mazarem); da cadeira de Teologia Dogmática e Moral no Bispado de São Paulo (criada pelo Decreto de 05 de março de 1809, com investidura inicial por Bernardo da Pureza Claraval); da cadeira de Cálculo Integral, Mecânica e Hidrodinâmica numa unidade do Exército sediada na Capitania de Pernambuco, para alunos de artilharia e engenharia (criada pela Carta Régia de 07 de março de 1809, com investidura inicial pelo Sargento Mór de Infantaria Antônio Francisco Bastos), e da cadeira de Língua Inglesa na Academia Militar da Corte (criada pelo Decreto de 30 de maio de 1809, com investidura inicial pelo 2º Tenente de Artilharia Eduardo Thomaz Cohil).
Na área de ensino não foram criadas apenas cadeiras isoladas dentro das repartições públicas e Faculdades especializadas no ensino superior, pois também foi criada a Escola de Primeiras Letras na Freguesia de Santo Amaro de Itaparica, na Capitania da Bahia, pelo Decreto de 14 de dezembro de 1810, destinada à alfabetização dos jovens, nos seguintes termos:
Havendo-me representado o Conde dos Arcos, Governador e Capitão General da Capitania da Bahia, a necessidade, que há de se estabelecer uma escola de ler, escrever e contar, e catecismo para educação da mocidade na Freguesia de Santo Amaro de Itaparica, em atenção à sua numerosa população e extensão; hei por bem criar a referida escola na Freguesia de Santo Amaro de Itaparica. A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido e o faça executar com os despachos necessários. Palácio do Rio de Janeiro em 14 de Dezembro de 1810. (atualizamos)
Portanto, ao que tudo indica, o ensino público no Brasil teve início no ano de 1795 com a criação de cadeiras isoladas de conhecimentos científicos e teológicos de nível superior dentro das diversas repartições públicas militares e civis, e mesmo eclesiásticas, ao mesmo tempo em que também foi instituído o ensino fundamental em 1810, de sorte que já haviam professores servidores públicos do Reino em solo brasileiro nesses diversos níveis do ensino público antes do advento da promulgação do aludido Decreto de 1º de outubro de 1821.
O ensino público e profissionalizante era, inescusavelmente, o objetivo de uma política pública do Reino de Portugal, e que se manteve no Brasil após a Proclamação da Independência, por isso existe um nexo de causalidade entre a jubilação do regime jurídico de trabalho dos lentes (professores de nível superior) da Academia Militar, que lhes foi estendido da legislação portuguesa pela Carta Lei de 04 de dezembro de 1810, e o Decreto de 1º de outubro de 1821 que instituiu no Brasil a aposentadoria para os mestres e professores (professores de nível fundamental) das escolas públicas.
antônio carlos de oliveira questionou a efetividade deste Decreto de 1º de outubro de 1821, afirmando que não há evidências de que alguma aposentadoria tenha sido concedida a algum mestre ou professor. Acreditamos que tais aposentadorias tenham sido concedidas efetivamente, pois naquela época a prática administrativa da concessão da pensão premial antecedia a este reconhecimento legislativo do direito do professor à aposentadoria.
Essa aposentadoria dos mestres e professores do ensino fundamental possuía as mesmas características da jubilação dos professores do ensino superior na Academia Militar, pois era um benefício decorrente diretamente do vínculo de emprego estatutário, não-contributivo, desvinculado de qualquer montepio ou esquema de securitização (privada, coletiva ou social), cujos encargos financeiros eram arcados exclusivamente pelos recursos do Tesouro Régio.
Corroborando essa assertiva de que as aposentadorias e jubilações eram instrumentos de uma política pública de ensino, temos a ocorrência de algumas passagens nas quais a pensão premial foi concedida a determinados estudantes em virtude do interesse da administração pública reinol na qualificação de mão de obra especializada e essencial para o desenvolvimento do ensino ou de mão de obra qualificada em setores estratégicos.
O Decreto de 13 de janeiro de 1820 concedeu a João Baptista de Queiroz uma ajuda de custo para que fosse aprender o sistema de ensino Lancasteriano na Inglaterra (tido naquela época como o método de ensino mais avançado para a alfabetização), à qual foi acrescentada uma pensão anual pelo Decreto de 03 de julho de 1820, para a sua manutenção na Inglaterra, enquanto se dedicasse ao aprendizado desse sistema de alfabetização:
Tendo por Decreto de 13 de Janeiro do corrente ano feito mercê a João Baptista de Queiroz de 400$000 por uma só vez, a título de ajuda de custo, para se instruir em Inglaterra o sistema Lancasteriano, a fim de o vir ensinar neste Reino, continuando a vencer o ordenado da sua cadeira de primeiras letras, que exercia nesta Corte: E sendo-me agora presente, que pelo exercício daquela cadeira, ele não percebe, da minha Real Fazenda ordenado algum, mas que se ocupa no ensino da mocidade por Provisão expedida pela Mesa do Desembargo do Paço: Hei por bem que, além da ajuda de custo, conferida pelo mencionado Decreto de 13 de Janeiro, perceba 400$000 anualmente pelos fundos da Legação de Londres, enquanto se demorar em Inglaterra, ocupado no estudo do sobredito sistema Lancasteriano. Thomaz Antonio de Villanova Portugal, do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, encarregado da Presidência do Real Erário, o tenha assim entendido, e faça executar com os despachos necessários, sem embargo de quaisquer leis, ou ordens em contrário. Palácio do Rio de Janeiro em 3 de Julho de 1820.
O Decreto de 16 de Dezembro de 1820 concedeu de forma coletiva 12 (doze) pensões para a manutenção dos estudos de doze alunos pobres na Academia Médico-Cirúrgica da Corte, por declarado interesse público na qualificação de mão de obra médica especializada:
Merecendo a minha Real consideração as circunstâncias em que se acham muitos mancebos, que, aplicando-se com aproveitamento aos estudos da Academia Médico-Cirúrgica desta Corte, os não podem todavia continuar com a precisa regularidade por falta de meios de subsistência; e querendo eu favorecer a útil aplicação a estudos tão necessários ao bem público, e com o fim de habilitar pessoas que possam depois ser convenientemente de habilitar pessoas que possam depois de convenientemente empregadas como Cirurgiões nas minhas tropas e nas diversas províncias deste Reino, onde haja necessidade de Professores da Saúde: Sou servido estabelecer 12 pensões de 9$600 mensais para 12 alunos da referida Academia, que sejam pobres, de bom procedimento, e que mostrem aptidão para aqueles estudos, qualidades, que deverão justificar perante o Cirurgião-mór dos meus reais Exércitos, para obterem a admissão a pensionistas desta classe, de que terão título passado pelo mesmo Cirurgião-mór dos Exércitos, em consequência de ordem minha expedida pela competente Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra: estas pensões terão princípio do 1º de Janeiro de 1821 e serão regularmente pagas ao mesmo tempo que os soldos dos Oficiais dos corpos da guarnição pela Tesouraria Geral das Tropas da Corte, à vista do sobredito título e de um atestado do Cirurgião-mór dos Exércitos que certifique o aproveitamento e frequência do pensionista aos estudos, do mesmo modo que se pratica para pagamento dos respectivos vencimentos com os alunos da Academia Real Militar. Thomaz Antônio de Villanova Portugal do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino, encarregado interinamente da Repartição dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, assim o tenha entendido, e o faça executar com os despachos necessários. Palácio do Rio de Janeiro em 16 de Dezembro de 1820. (atualizamos)
Além disso, D. João VI determinou a uniformização das regras jurídicas de acesso aos cargos públicos de professor pelo Decreto de 17 de Janeiro de 1809:
Sendo necessário ao bem do meu serviço, e muito conveniente ao aumento da prosperidade da literatura e educação nacional, dar providências para o provimento dos Professores, para as diversas cadeiras do ensino público, que se acham estabelecidas: hei por bem enquanto não tomo sobre esta matéria mais ampla deliberação, que nas Capitanias Generais e pelos Bispos, na forma ordenada pela Carta Régia de 19 de Agosto de 1799, devendo os providos por esta maneira, requererem a sua confirmação pela Mesa do Desembargo do Paço, a qual sou servido autorizar para isto, e para que nesta Corte e Capitania do Rio de Janeiro, possa prover em pessoas aptas, precedendo os exames e informações necessárias às cadeiras que vagarem, devendo nomear algum Magistrado hábil para examinar a conduta e procedimento dos referidos Mestres, sem embargo de quaisquer leis ou disposições em contrário. A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido e o faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em 17 de Janeiro de 1809. (atualizamos)
Descarta-se, portanto, a possibilidade de que todos os professores do ensino público no Brasil, seja superior ou fundamental, tenham sido provenientes de Portugal. A premissa de que os professores teriam poderes administrativos para requisitar aposentos nas cidades brasileiras não se sustenta. Repare-se que, pelo referido Decreto de 17 de Janeiro de 1809, as regras de acesso ao cargo de professor do ensino público eram provisórias, até que essa matéria fosse regulamentada de forma mais ampla. Não há nesse Decreto de 17 de Janeiro de 1809 qualquer evidência de que o objetivo do recrutamento dos professores do ensino público fosse feito com a escolha de cidadãos portugueses, ou que fosse realizado no exterior, pois destaca apenas duas exigências: a aptidão para o cargo e a conduta ilibada.
A consolidação do estatuto jurídico do professor do ensino público no Brasil foi ultimada com a promulgação do aludido Decreto de 1º de outubro de 1821, que, ao que tudo indica, teria estendido aos professores do ensino público nas repartições civis e eclesiásticas, como vantagem da carreira do magistério civil, o mesmo direito à jubilação que havia sido institucionalizado na carreira do magistério militar da Academia Real Militar criada na Corte e Cidade do Rio de Janeiro pela Carta de Lei de 04 de dezembro de 1810, tendo apenas ampliado a exigência de permanência na cátedra pelo período de 30 (trinta) anos, diversamente da exigência de 20 (vinte) anos feita na carreira do magistério militar, tendo, porém, instituído um abono de permanência na proporção de 1/4 dos vencimentos aos docentes que optassem por permanecer em atividade mesmo após o advento do tempo de serviço mínimo exigido para a aposentadoria.
Nesse período da história – início do século XIX – nenhuma jubilação, aposentaoria ou abono de permanência foi concedida ou prometida pelo Governo Imperial brasileiro fora da categoria profissional dos professores do ensino público. A proteção social das demais categorias profissionais de servidores públicos foi institucionalizada com a intermediação dos montepios.
4 As políticas públicas de concessão das “complementações das pensões de montepio” e das “aposentadorias por invalidez” para os servidores acidentados no serviço ativo da União
Após crise orçamentária do início do século XIX, as Administrações Públicas portuguesa e brasileira não se inclinaram mais a conceder pensões premiais de forma generalizada, por isso passaram a instituir Montepios para promover a proteção social do seu funcionalismo. Contudo, o valor das aposentadorias de montepio eram insuficientes para garantir ao servidor público uma vida digna.
Noutro giro, a Administração Pública passou a conviver com a escalada da ocorrência de acidentes do trabalho envolvendo os seus servidores públicos, notadamente no serviço naval com frequentes naufrágios que vitimavam o servidor público durante o cumprimento dos deveres do seu cargo público, sendo retomada a prática da concessão das pensões premiais.
4.1 O Surgimento dos Montepios com a sua Técnica Protetiva Mutualista
Juan Bataller Grau[15] explica que os montepios surgiram no século XVIII, na Espanha, quando se desenvolveram intensas campanhas contra as confrarias e as irmandades para que saíssem do controle da Igreja e passassem para o controle do poder real, de sorte que os montepios nada mais eram do que as mesmas anteriores irmandades, vigiadas e controladas pelo Estado e sem atender a uma finalidade espiritual e religiosa, não sendo, pois, por casualidade que os primeiros montepios surgiram por iniciativa oficial.
A proteção social dos montepios adotava a técnica protetiva das mutualidades.
Bernard Gibaud[16] explica que o espaço histórico da mutualidade propriamente dita pertence aos séculos XIX e XX, e que o surgimento do movimento mutualista contemporâneo da evolução do movimento social e da sociedade francesa, a partir da Revolução de 1848. Segundo ele, existe uma relação quase direta entre a mutualidade e duas outras formas associativas: as corporações e sobretudo as confrarias. Havia uma relação estreita entre as sociedades de seguros mutuais que surgiram no início do século XIX e as confrarias de ofícios anteriores à Revolução de 1848. No início do século XIX as carências de proteção e de entreajuda do mundo do trabalho se apresentam dentro de condições profundamente remodeladas, e a fórmula mutualista se impôs progressivamente como a solução mais conforme as necessidades da organização do mundo do trabalho. Essa fórmula mutualista constitui potencialmente um instrumento eficaz de regulação social, em razão da sua característica consensual e da sua agilidade de utilização. O interesse que despertou nas elites de toda natureza favoreceu a diversificação das práticas mutualistas. Haviam naquela época três grandes famílias de mutualidade: a mutualidade obreira, a mutualidade popular e a mutualidade patronal.
A mutualidade é definida pelo DICIONÁRIO ECONOMY-PEDIA [17] como sendo uma organização que, sob os princípios da solidariedade e de ajuda, oferece uma série de serviços aos seus membros, sendo formada pela união voluntária de pessoas físicas denominadas mutualistas, que contribuem com a entidade com taxas periódicas para financiar a organização e os serviços que ela oferece.
PAUL DURAND [18] apontou as fragilidades da técnica protetiva da mutualidade, afirmando que ela somente se tornaria eficiente se contasse com os mesmos pressupostos dos seguros sociais: a) ser constituída por grupamentos obrigatórios; b) contar com a cotização dos aderentes; c) contar com recursos financeiros externos.
Em virtude dessas fragilidades, a única modalidade de mutualidade que sobreviveu no início do século XIX foi a mutualidade patronal.
BERNARD GIBAUD[19], afirma que a mutualidade patronal, nasceu da iniciativa das Igrejas, das filantropias e sobretudo dos dirigentes da grande indústria surgente e lançou os fundamentos dos primeiros regimes elaborados de proteção social dos assalariados. O patronato das minas, da metalurgia e das estradas de ferro considerou as caixas de seguros do tipo mutualista como um meio eficaz para recrutar uma mão de obra qualificada e estável.
Mas as caixas de seguros diferem dos montepios: as caixas de seguros eram administradas por empresas seguradoras, com base na técnica protetiva do seguro coletivo (também conhecidas como “Fundos de Pensão”); os montepios eram associações privadas, de adesão voluntária, fundamentadas na solidariedade classista e contribuição regular dos seus membros, para a formação de um fundo de poupança coletiva que deveria suportar a concessão de benefícios de proteção social de pequeno valor e extensão.
4.1.1 A pensão de montepio
vanderlei teixeira de oliveira[20] registra que a pensão dos militares remonta há mais de duzentos anos e teve a sua origem nas tenças portuguesas, tendo sido reguladas posteriormente pela Lei de Remuneração dos Oficiais do Exército de Portugal, de 16 de dezembro de 1790, e pelo Alvará de 23 de setembro de 1795, que aprovou o Plano de Montepio dos Oficiais da Armada Real Portuguesa:
A história começa no Século XVIII, em 23 de setembro de 1795, quando foi criado o Plano de Montepio Militar dos Oficiais do Corpo da Marinha, legislação pioneira de amparo financeiro aos oficiais reformados e seus herdeiros, os quais, inclusive os pensionistas habilitados, contribuíam com um dia de soldo até o fim de suas vidas. As contribuições sustentavam o próprio sistema implantado.
Aquele Plano estipulava que os beneficiários do montepio seriam as viúvas dos oficiais e, na falta delas, as filhas “donzelas ou viúvas”, que dividiriam igualmente a pensão.
O Montepio da Marinha abrangia apenas os oficiais, não incluindo os praças da Marinha e nem os militares do Exército. Estes, para receberem benefícios, usavam petições como recurso, ou, no caso dos oficiais do Exército a Lei de Remuneração de Oficiais do Exército de 16 de dezembro de 1790.
4.1.2 A complementação das pensões de montepio
Após a Proclamação da Independência do Brasil, o Governo brasileiro instituiu o benefício de meio-soldo para as viúvas ou órfãs dos militares oficiais do Exército mortos nas lutas pela Independência, e de um soldo inteiro para os herdeiros dos cabos e soldados, através do Decreto de 4 da janeiro de 1823.
vanderlei de oliveira [21] explica que esses benefícios instituídos para os oficiais do Exército foram estendidos aos militares da Armada e que somente em 6 de novembro de 1823 foi instituído o Montepio Militar dos Oficiais do Exército, cujos benefícios eram não-contributivos, diversamente do que ocorria no Montepio dos Oficiais da Marinha:
Naquele mesmo ano, Lei de 6 de novembro estabelecia o Montepio Militar dos Oficiais do Exército, no qual as viúvas, filhas solteiras, filhos menores de 18 anos e mães viúvas, nesta ordem passaram a ter direito à percepção de meio soldo da patente que o militar possuísse ao falecer. A responsabilidade pelo pagamento deste montepio do Exército era toda do Estado, não havendo contribuição por parte dos oficiais ou dos beneficiários, ao contrário do Plano de Montepio dos Oficiais da Marinha.
De 1823 em diante, praticamente a concessão dessas pensões de meio-soldo e de soldo por inteiro sem base contributiva, por conta do Tesouro Régio, eram justificadas pelo mesmo dever régio de premiar, tal como já havia ocorrido anteriormente em relação à guerra entre os portugueses e os franceses em Caiena e na Guiana Francesa, pelo Decreto de 30 de Maio de 1809, que mandou que se continuasse a pagar o soldo às viúvas dos Oficiais e Oficiais inferiores que morreram em combate.
De 1821 até o final do Período Imperial, o Governo brasileiro se valeu do princípio jurídico do dever real de premiar apenas para conceder benefícios aos servidores públicos militares de elevada hierarquia, em casos de supervivência de pensões, com encargos para o Tesouro Régio.
Um exemplo é o Decreto de 09 de abril de 1821, que concedeu a supervivência da pensão concedida ao Almirante Rodrigo Pinto Guedes, pelos seus serviços prestados na Esquadra do Mediterrâneo, à sua mulher e às suas filhas.
Outro exemplo é a supervivência da pensão concedida ao Vice Almirante da Armada Real Luiz da Motta Feo, que foi concedida pelo Decreto de 20 de abril de 1821 à sua mulher e às suas duas filhas.
Eventualmente a pensão poderia ser concedida a algum dependente de servidor civil, a exemplo do Decreto de 22 de fevereiro de 1821 que concedeu à viúva do Comissário de Número da Nau D. João VI, José Pinto de Carvalho, uma pensão por reconhecimento do constante e bom serviço por ele prestado e por ter caído a viúva, D. Maria Silveira de Carvalho Pinto em estado de indigência, com encargo financeiro aos cofres da Marinha.
vanderlei de oliveira[22] explica que a situação das pensões de montepio dos militares no interregno de 1841 até o final do Período Imperial e início do Período Republicano, ainda com encargos financeiros atribuídos ao Tesouro Nacional, sem prejuízo da pensão de montepio concedida pelo Montepio da Marinha de 1795 ou o meio soldo assegurado às famílias dos oficiais do Exército pela lei de 1827:
A partir de 1841 o Governo, reconhecendo a necessidade de regular, ordenar e equiparar as duas instituições militares, baixou algumas normas procurando uniformizar os seus procedimentos. Começou com o Decreto nº 260, de 1841, que mandou organizar os quadros dos oficiais do Exército e da Armada no prazo de um ano, com designação do número dos oficiais que devia haver em cada posto, soldos, etc. A partir daí, até 1895, apesar das grandes mudanças vividas pela nação neste período, ocorreram alterações de pequena importância quanto às legislações dos pensionistas militares.
Em 1847, o Decreto nº 521 estabeleceu que as filhas solteiras continuariam a receber o meio soldo, mesmo depois de casadas, uniformizando os Planos do Exército e da Marinha.
Em 11 de junho de 1890, o Decreto nº 475 concedeu às viúvas e órfãs dos oficiais da Armada o meio soldo devido ao pessoal do Exército, sem invalidar o montepio do Plano da Marinha de 1795.
O Decreto nº 695, de 28 de agosto de 1890, criou o montepio similar ao da marinha para as famílias dos oficiais do Exército, sem invalidar o meio soldo concedido pela lei de 6 de novembro de 1827.
Desta forma, as pensões premiais passaram a atuar como um benefício complementar em relação ao benefício básico (meio-soldo) das viúvas e filhas órfãs dos oficiais do Exército e da Marinha.
4.2 A Pensão por Invalidez do Servidor Público Acidentado no Serviço Ativo
Paralelamente aos casos de pensões de viuvez, surgiram as pensões por invalidez, a partir de meados do XIX. As pensões premiais passaram a ser concedidas também aos servidores públicos que ficassem inválidos a serviço da Nação, com especial ênfase para os casos de naufrágios de navios da Armada, com encargos financeiros igualmente conferidos ao Tesouro Régio.
Geraldo bezerra de menezes[23] observa que a concessão dessas pensões foi reconhecida e limitada pela Constituição Republicana de 1891, que em seu artigo 76, estatuiu que “a aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço da Nação”.
Significa, portanto, que várias aposentadorias haviam sido concedidas a servidores públicos sem a observância de tais condições, e, portanto, tal preceito constitucional era moralizante, objetivando estancar a sangria dos cofres públicos com a concessão de aposentadorias por invalidez, com o que foram estabelecidos requisitos e procedimentos a serem cumpridos como condição para a concessão do benefício.
É de ser esclarecido que, nessa época, o final do século XIX, ainda não havia sido instituído no Brasil qualquer regime de previdência social para os servidores públicos da União, pelo que essa aposentadoria não era gerida por um seguro social, sendo os custos financeiros da sua concessão atribuídos diretamente à responsabilidade do Tesouro Nacional.
5 Considerações finais
A responsabilidade jurídica do Estado pelas ações de proteção social teve início na Idade Média com a implantação de uma política pública de recompensas atribuída pela Administração Pública aos cidadãos ou estrangeiros que tivessem prestado bons serviços ao reino de Portugal, fundamentada no dever régio de premiar. Duas eram as formas de premiação: as sesmarias e as pensões. No âmbito dos direitos sociais de segunda geração releva apenas o enfoque das “pensões premiais”, que eram aquelas concedidas aos súditos e vassalos, inclusive estrangeiros, que tivessem prestado relevantes serviços ao reino de Portugal.
A política pública da recompensa financeira dos súditos, vassalos e personalidades estrangeiras, por relevantes serviços prestados ao reino foi introduzida no Brasil por D. João VI, pelo Decreto de 13 de Maio de 1808, com a instituição da Medalha da Ordem da Espada, a cuja condecoração era anexada a concessão de uma sesmaria ou de uma pensão.
Esse dever régio de premiar fundamentou várias políticas que foram adotadas pela Administração Pública portuguesa e brasileira, no período colonial e no período imperial, sempre associadas a aspectos peculiares que envolveram o cumprimento do dever dos servidores públicos, notadamente envolvendo os servidores militares.
Durante o período medieval português surgiram as carreiras do funcionalismo público e, neste caso, a pensão também passou a constituir uma forma de recompensa concedida a determinados servidores públicos que se notabilizaram pelo mérito de bem servir à administração pública do reino, em circunstâncias diversificadas.
Durante um breve período da nossa história, em circunstâncias transitórias e excepcionais, motivadas pela necessidade de proteção do território brasileiro contra uma possível invasão das tropas francesas de Napoleão Bonaparte e em virtude da invasão portuguesa de Caiena e da Guiana Francesa, a Administração Pública praticou políticas de compensação financeira pela bravura dos militares demonstrada em campo de batalha (“acréscimo de soldo”), de compensação financeira “post mortem” para a viúva dos militares mortos em ação de combate (“continuidade do soldo”) ou para a reforma dos soldados “cansados para o serviço”.
Com a transferência da sede do Reino de Portugal, de Lisboa para a cidade do Rio de Janeiro, em 1808, houve uma reestruturação da Administração Pública portuguesa, e com ela a necessidade da adoção de políticas públicas visando a qualificação da mão de obra para a consecução dos objetivos estratégicos da Administração Pública e para a promoção do ensino fundamental (a “escola das primeiras letras”) e do ensino superior.
Era essencial para a Administração Pública a profissionalização das carreiras no serviço público, daí porque o reconhecimento de mérito (ou o critério da meritocracia) foi introduzido logo no relacionamento entre a administração pública e os seus servidores, fundamentando os critérios de acesso, de progressão e de encerramento das múltiplas carreiras dos servidores que se especializaram na realização de atividades complexas, contrabalançado pelo critério da antiguidade ou outros critérios de exceção, o que teve início com a instituição do regime jurídico de trabalho dos Lentes (professores) das Academias Militar e Naval de Lisboa, cujos benefícios e privilégios concedidos por regime jurídico aos Lentes portugueses foram estendidos para os Lentes lotados na Academia Militar do Rio de Janeiro Com a instituição do regime jurídico estatutário dos Lentes da Academia Militar do Rio de Janeiro surge no Brasil a política pública da “jubilação”, um prêmio que era concedido ao Lente que se aposentasse ao término da carreira, sendo-lhe concedida uma pensão mensal vitalícia.
Também como política pública de estímulo à carreira dos professores do ensino fundamental foi instituída a “aposentadoria dos professores”.
Inequivocamente as políticas públicas de concessão dos benefícios sociais da “jubilação” e da “aposentadoria dos professores” do ensino fundamental constituíram as primeiras iniciativas legais de institucionalização da proteção social dos servidores públicos da União.
Entretanto, a Administração Pública brasileira imperial, apesar da crise orçamentária que recomendava que não mais houvessem concessões de pensões premiais, houve por bem adotar algumas políticas públicas de exceção, para conceder a complementação das pensões de montepio às viúvas de servidores, especialmente as viúvas de servidores militares, e também para conceder a pensão por invalidez aos servidores públicos acidentados a serviço da União.
Findo o período imperial, a primeira Constituição brasileira republicana, de 1891, reconheceu o direito do servidor público acidentado a serviço da União o direito à pensão por invalidez, mas o primeiro benefício de proteção social concedido pela União foi a pensão de jubilação aos professores da Academia Militar do Rio de Janeiro, concedida como direito subjetivo público no âmbito da Administração Pública, ainda que de forma não securitizada.
Em comparação com as políticas públicas contemporâneas essa jubilação pela via administrativa não-contributiva constitui uma remuneração compensatória, pois naquela época visava o objetivo estratégico da Administração Pública promover a formação profissional dos servidores militares. O mesmo se diz da “aposentadoria dos professores” do ensino fundamental.
6 Referências
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Brasil, Decreto de 20 de Abril de 1821, Concede a supervivência da pensão que já havia sido concedida ao Vice Almirante da Armada Real Luiz da Motta Feo, à sua mulher e às suas duas filhas, Disponível em <www2.camara.leg.org/legin/fed/Decret...>, Acesso em 28 ago.2018.
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[1] Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (Portugal). Pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidad Las Palmas de Gran Canaria (Espanha). Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Itaúna. Professor Associado da Faculdade de Direito da UFMG. Membro da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social – ABDSS. Desembargador do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 3a. Região (Minas Gerais). https://orcid.org/0000-0003-0371-9160, milton.thibau@hotmail.com.
[2] ministério do trabalho e seguridade social, La Seguridad Social en una sociedad cambiante, Madrid, MTASS, 1992, p. 19, n. 15.
[3] VASCONCELOS DE SALDANHA, Antônio, As Capitanias; O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa, Funchal, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1992, p. 3-4 e 25-26.
[4] O Alvará de 20 de Agosto de 1808 determinou que todas as igrejas do Brasil pagassem uma pensão para a construção da Capela Real na cidade do Rio de Janeiro.
[5] O Decreto de 30 de Janeiro de 1821 concedeu 30 braças de terras na Ilha das Cobras a João Alves da Silva Porto, mediante o pagamento de uma pensão anual que seria instituída quando da edição de um regulamento para os terrenos de praia.
[6] VASCONCELOS DE SALDANHA, Antônio, As Capitanias… p. 61.
[7] brasil, Decreto Régio de 13 de maio de 1808, Institui a nova Ordem da Espada, Disponível em <www2.camara.leg.org/legin/fed/Decret...>, Acesso em 28 ago. 2018.
[8] ROCHA, Artur Gilberto Garcia de Lacerda, “Finanças Públicas em Tempos de Império: Orçamentos, Balanços, Fiscalidade e Extrafiscalidade nas Décadas de 1820 e 1830”. In: XIV Encontro Estadual de História; História, Fome, Direitos Humanos e Democracia. [Recife] 13 a 16 de setembro de 2022, Disponível em <https://www.encontro2022.pe.anpuh.org>anais>pdf >, Acesso em 26.jul. 2023.
[9] FIGUEIREDO MARCOS, Rui Manuel de, História da Administração Pública, Coimbra, Almedina, 2016, p. 39-41.
[10] NOGUEIRA, Octaciano, Constituições Brasileiras: 1824, v. 1, Brasília, Senado Federal, Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 14-19.
[11] DICIO – DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, Jubilamento, Disponível em <https://www.dicio.com.br/jubilamento>, Acesso em 29 jul. 2023.
[12] DICIONÁRIO OXFORD LANGUAGES, Jubilação, Disponível em <https://www.google.com/search?client=firefox-b-e&q-jubilação>, Acesso em 29 jul. 2023.
[13] JUSBRASIL, Fui jubilado da universidade, e agora? Disponível em <https://jusbrasil.com.br/artigos/fui-jubilado-da-universidade-e-agora/737690795>, Acesso em 29 jul. 2023.
[14] oliveira, Antônio Carlos de, Direito do Trabalho e Previdência Social: Estudos, São Paulo, LTR, 1996, p. 91.
[15] GRAU, Juan Bataller (Coord.), El Redimensionamiento de las Mutualidades de Previsión Social como Instrumento Complementario del Sistema de Seguridad Social, Madrid, Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, 1998, p. 31, Disponível em <www.seg-social.es/prdi00/groups/public/documents/.../51596.pdf>, Acesso em 10 jan. 2016.
[16] GIBAUD, Bernard, De la mutualité à la sécurité sociale; conflits et convergences, Paris, Les Éditions Ouvrières, 1986, p. 16-17.
[17] DICIONÁRIO ECONOMY-PEDIA, Mutualidad, O que é, definição e conceito – 2012, Disponível em <https://pt.economy-pedia.com/11039251-mutuality>, Acesso em 30 jul. 2023.
[18] DURAND, Paul, La Politique Contemporaine de la Sécurité Sociale, Paris, Dalloz, 1953, p. 35.
[19] GIBAUD, Bernard, De la mutualité à la sécurité sociale;… p. 18.
[20] OLIVEIRA, Vanderlei Teixeira de. Remuneração e Previdência dos Militares, Livro II – Previdência, 2001, Disponível em <http://www.conint.com.br/livro/a.htm>, Acesso em 28 jul. 2023.
[21] OLIVEIRA, Vanderlei Teixeira de. Remuneração e Previdência dos Militares...
[22] OLIVEIRA, Vanderlei Teixeira de. Remuneração e Previdência dos Militares...
[23] MENEZES, Geraldo Bezerra de. A segurança social no Brasil, Rio de Janeiro, Guilherme Haddad, 1961, p. 193.