O direito como "aparelho ideológico de Estado": notas sobre Louis Althusser e seus críticos
Law as an "ideological State apparatus": notes on Louis Althusser and his critics
DOI: 10.19135/revista.consinter.00017.08
Recebido/Received 03/10/2023 – Aprovado/Approved 30/10/2023
Orlando Villas Bôas Filho[1] – https://orcid.org/0000-0002-4077-9982
Resumo
O presente artigo tem por objetivo analisar a tese de Louis Althusser acerca do direito como “aparelho ideológico de Estado” e algumas críticas que lhe são dirigidas. Para tanto, em primeiro lugar, enfoca aspectos gerais da teoria althusseriana que sustentam a sua compreensão do Estado como instrumento de dominação de classe. Em seguida, analisa a teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” para, a partir dela, abordar o direito como “aparelho de Estado”. Por fim, examina concisamente quatro perspectivas (a de Nicos Poulantzas, a de Michel Miaille, a de Pierre Bourdieu e a de Jacques Commaille) que, a partir de ângulos distintos, criticam a tese de Louis Althusser. A sua hipótese é de que essas críticas permitem uma compreensão mais efetiva da teoria althusseriana do direito como “aparelho de Estado”. A metodologia empregada é híbrida, de caráter descritivo-bibliográfico-explicativo. Como resultado, o artigo proporciona uma discussão crítica da teoria althusseriana do direito como “aparelho de Estado”.
Palavras-chave: Direito. Estado. Dominação. Aparelhos Ideológicos de Estado. Críticos.
Abstract
This article intends to analyze Louis Althusser’s thesis about law as an “ideological State apparatus” and some criticisms that are addressed to it. In order to do so, firstly, it focuses on general aspects of Althusserian theory that support his conception of the State as an instrument of class domination. Then, it analyzes the Althusserian theory of the “ideological State apparatuses” to, from there, approach the law as a “State apparatus”. Finally, it concisely examines four perspectives (those of Nicos Poulantzas, Michel Miaille, Pierre Bourdieu and Jacques Commaille) that, from different angles, criticize Louis Althusser’s thesis. The hypothesis is that these criticisms allow for a more effective understanding of Althusserian theory of law as a “State apparatus”. The methodology used is hybrid, descriptive-bibliographic-explanatory. As a result, the article provides a critical discussion of Althusserian theory of law as a “State apparatus”.
Keywords: Law. State. Domination. Ideological State Apparatuses. Critics.
Sumário: 1. Introdução. 2. Louis Althusser e o Estado como instrumento de dominação de classe. 3. A teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE). 4. O direito como “aparelho” repressivo e ideológico de Estado. 5. Louis Althusser e seus críticos. 5.1. Nicos Poulantzas. 5.2. Michel Miaille. 5.3. Pierre Bourdieu. 5.4. Jacques Commaille. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1 Introdução
Louis Althusser é um dos mais expressivos autores da filosofia contemporânea. Como ressalta Richard Sobel, no âmbito da história intelectual do marxismo, a interpretação estruturalista proposta pelo autor de Lire le capital relativamente à obra de Marx seria portadora de uma verdadeira “ruptura” cujo impacto foi muito significativo em diversos campos disciplinares[2]. Em consonância com a tradição marxista, Althusser concebe o Estado e o direito como instrumentos de dominação de classe.[3] Assim, ressalta que, para a “teoria marxista clássica”, o Estado se afiguraria como uma “máquina de repressão” que propiciaria às classes dominantes a capacidade de assegurar a sua dominação sobre a classe operária para submetê-la à exploração capitalista, ou seja, ao processo de extorsão da mais-valia. Contudo, Althusser rejeita reduzir o Estado apenas à sua dimensão repressiva. Desse modo, assinala que, complementarmente ao “aparelho repressivo de Estado” (ARE), baseado fundamentalmente na violência, existiriam os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) que, segundo ele, funcionariam preponderantemente com base na ideologia.[4] Como se verá, Althusser concebe o direito como um desses aparelhos. Consequentemente, a teoria althusseriana proporciona um verdadeiro avanço ao pensamento marxista acerca do direito e do Estado[5].
Não obstante, a obra de Althusser incitou significativa controvérsia e, como ressalta François Dosse, depois de se impor com grande expressividade, especialmente no contexto intelectual francês, ela experimentou um significativo declínio[6]. Warren Montag, por exemplo, observa que, por diversos motivos, no final do século XX, os críticos teriam sobejado os entusiastas do pensamento althusseriano[7]. Assim, muitos autores passaram a se posicionar abertamente contra a teoria althusseriana[8]. Acusações das mais variadas (de “estalinista” a “estruturalista”) contribuíram, segundo Montag, para o relativo descrédito experimentado pela obra do autor de Pour Marx. O célebre historiador britânico Edward P. Thompson, por exemplo, refere-se à “teoria interpelação” de Althusser qualificando-a como a horrenda expressão da “crise de um delírio idealista”[9]. Contudo, apesar disso, trata-se de um autor de grande importância e que remanesce muito influente[10].
Diante dessas considerações, o presente artigo tem por objetivo analisar o modo pelo qual Louis Althusser concebe o direito como “aparelho do Estado” que desempenha uma função tanto repressiva como ideológica para, a partir daí, abordar algumas das mais influentes críticas que lhe são dirigidas a esse respeito. Parte-se aqui da hipótese de que tais críticas permitem uma compreensão mais efetiva da teoria althusseriana do direito como “aparelho de Estado”. Para tanto, a partir de uma metodologia de caráter descritivo-bibliográfico-explicativo, são enfocados, em primeiro lugar, os aspectos gerais da teoria althusseriana que sustentam a sua compreensão do Estado como instrumento de dominação de classe. Em seguida, é analisada a teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) para, a partir daí, se examinar o direito como “aparelho de Estado”. Por fim, são abordadas as críticas que Nicos Poulantzas, Michel Miaille, Pierre Bourdieu e Jacques Commaille endereçam à concepção althusseriana do direito como “aparelho ideológico de Estado”. À guisa de conclusão, é feita uma breve síntese da temática abordada. Como resultado, o artigo procura proporcionar uma discussão crítica da teoria althusseriana do direito como “aparelho de Estado”.
2 Louis Althusser e o Estado como instrumento de dominação de classe
Mesmo diante das controvérsias por ela ensejadas, a obra de Louis Althusser foi e ainda remanesce muito significativa, especialmente no que concerne à sua pretensão de refundação crítica do pensamento marxista. Nesse sentido, como ressalta Alain Badiou, o autor de L’avenir dure longtemps inscreve-se em uma prestigiosa plêiade de intelectuais composta, entre outros, por Jean-Paul Sartre, Jean Cavaillès, Georges Canguilhem, Jacques Derrida, Gilles Deleuze, Jean-François Lyotard, Jacques Lacan e Michel Foucault.[11] Por outro lado, a influência exercida pelo pensamento de Althusser sobre uma significativa gama de colaboradores e de interlocutores, tais como Étienne Balibar, Jacques Rancière e Pierre Macherey, também contribuiu para a sua disseminação e, por conseguinte, para a reafirmação de sua importância.[12] É por esse motivo que François Dosse alude a uma “explosão althusseriana”[13] que, segundo ele, experimentará um processo de “implosão” a partir dos movimentos de maio de 1968[14].
É certo que não se pode desconsiderar o caráter controvertido da contribuição proporcionada pelo pensamento de Louis Althusser, especialmente no que concerne à sua leitura estruturalista de O capital. José Arthur Giannotti, por exemplo, mesmo reconhecendo a relevância do autor francês, questiona a fidelidade de sua interpretação às ideias de Marx.[15] Raymond Aron, no bojo de uma incisiva crítica ao que designa como “marxismos imaginários”, dedica uma ampla análise à “leitura pseudoestruturalista de Marx” que, segundo ele, seria empreendida por Althusser.[16] Como se sabe, no âmbito dessa crítica, Raymond Aron contrasta o existencialismo e o estruturalismo, enfocando, com particular ênfase, os pensamentos de Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Louis Althusser, com o propósito de sublinhar as suas inconsistências.[17] Vale notar, ainda, que Raymond Aron associa a empreitada teórica de Althusser a uma espécie de modismo intelectual[18].
Preliminarmente, cumpre destacar a pretensão de Louis Althusser de promover um deslocamento do marxismo do terreno da práxis para o da epistemologia. Nessa perspectiva, François Dosse observa que o materialismo histórico passaria a se exprimir como a “ciência da cientificidade das ciências” (science de la scientificité des sciences).[19] Aliás, como ressalta Alain Badiou, Althusser teria pretendido associar filosofia e ciência, de modo a considerar, inclusive, que a primeira não existira sem sua relação com a segunda.[20] Contudo, esse movimento que, segundo André Comte-Sponville, aproxima as perspectivas de Althusser e de Bourdieu,[21] acarreta, entre outras coisas, um afastamento do âmbito do “vivido”, do “psicológico”, dos “modelos conscientes” e da “dialética da alienação”[22].
O que importa ressaltar aqui é que, como corolário do cientificismo que permeia o seu pensamento, Althusser, inspirando-se especialmente em Gaston Bachelard, parte da ideia de “ruptura epistemológica” (coupure épistémologique) para, a partir dela, interpretar a obra de Marx.[23] Assim, Althusser sustenta que haveria um corte radical que apartaria o jovem Marx, ainda impregnado pelo idealismo hegeliano, de um Marx que, em sua maturidade, afastando-se da herança da filosofia idealista, atingiria um nível de efetiva cientificidade. A esse respeito, o autor de La reproduction propõe a seguinte periodização para as obras de Marx: a) obras de juventude (1840-1844); b) obras de ruptura (1845); c) obras de maturação (1845-1857); d) obras de maturidade (1857-1883).[24] Não cabe aqui discutir a pertinência dessa interpretação. Para os propósitos aqui delineados, basta sublinhar o que dela decorre: uma leitura estruturalista de forte acento cientificista relativamente ao marxismo em meio à qual Althusser estabelece o seu programa de pesquisa acerca dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE)[25].
Como se sabe, a partir do início da década de 1970, Althusser calcado em sua leitura “estruturalista” (ou “pseudoestruturalista”, como a definiu Raymond Aron em sua corrosiva crítica dos “marxismos imaginários”), desenvolve uma instigante e influente análise sobre os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) que, no entendimento de diversos comentadores, exprime a forma mais acabada de sua teorização acerca da ideologia.[26] Por conseguinte, com o propósito de fornecer as bases para uma abordagem adequada dessa questão, serão enfocadas concisamente a seguir as três teses que, segundo Richard Sobel, embasam a teoria althusseriana da ideologia, quais sejam: a) a ideologia teria uma materialidade própria consistente nos “aparelhos ideológicos de Estado”; b) a ideologia seria uma representação da relação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência[27]; c) a ideologia interpelaria os indivíduos como “sujeitos”[28].
No que concerne à primeira tese, Althusser sustenta que a ideologia não existiria como uma realidade fragmentária e interna à consciência individual. Ao contrário, ela se exprimiria sob a forma de condutas, práticas e disposições socialmente instituídas que seriam implementadas por uma série de instituições específicas por ele designadas de “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) que – distintamente do que se passa com o “aparelho repressivo de Estado” (ARE), baseado na violência – sustentam representações e crenças subjetivas necessárias à reprodução social. Consequentemente, a partir da releitura que Althusser faz da obra de Marx, a “superestrutura” (particularmente na sociedade de classes, na qual o poder da classe dominante estaria encarnado na forma do Estado) abarcaria toda uma série de “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) que, ao sustentarem as representações e crenças subjetivas, assegurariam a reprodução das relações de produção[29]. Como decorrência, seria possível sustentar que, na perspectiva de Althusser, haveria um “regime ontológico particular para o imaginário” que, por sua vez, seria irredutível simples ordem de representação da realidade[30].
Quanto à segunda tese, Althusser, referindo-se aos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), enfoca a ideologia a partir de sua função prático-social. Assim, segundo Richard Sobel, Althusser divergiria da interpretação convencional que considera a ideologia uma “representação do mundo” que se expressaria como uma espécie de “ilusão” não correspondente à realidade, pois, em seu entendimento, isso implicaria supor a possibilidade de acesso à “verdadeira realidade”. Para ele, a ideologia consistiria em uma relação imaginária dos indivíduos no tocante às relações de produção e às relações delas derivadas. Logo, na ideologia não estaria representado o sistema de relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária de tais indivíduos acerca das relações reais às quais eles estão submetidos. Por conseguinte, a deformação (sempre imaginária) nela consignada não seria proveniente de uma relação direta com o real, mas de uma “duplicação da relação” (doublement du rapport)[31].
Por fim, na perspectiva de Althusser, a ideologia, não apenas em sua forma moderna (burguesa), transformaria os indivíduos em sujeitos[32]. Segundo Richard Sobel, a manutenção da coerência dessa terceira tese implicaria considerar a categoria “sujeito” como uma “produção trans-histórica da ideologia”[33]. Isso ocorre porque, para Althusser, no processo de “fabricação social do homem” (anthropofacture), o tornar-se humano consiste em um “tornar-se sujeito” (devenir-sujet), o que importa afirmar que, mesmo antes de seu nascimento biológico, o homem já estaria “integrado” e “assujeitado” a uma ordem simbólica preexistente.[34] Assim, nessa perspectiva, fortemente inspirada pela psicanálise lacaniana, os indivíduos seriam desde sempre sujeitos.[35] Por conseguinte, a teoria althusseriana, tal como assevera Pascale Gillot, atribui um papel crucial à noção de sujeito no âmbito do “dispositivo ideológico”[36].
Como observa Richard Sobel, a forma mais acabada da teoria althusseriana da ideologia estaria expressa no artigo “Idéologie et appareils idélogiques de l’État”, publicado, em 1970, na revista Pensée e, em seguida, republicado na coletânea de textos intitulada Positions, em 1976. Postumamente, em 1995, por iniciativa de Jacques Bidet, foi publicado o livro intitulado Sur la reproduction que, além do texto original, é constituído por fragmentos que, em seu conjunto, remontam a cerca de 300 páginas[37]. Fundada no pensamento marxista, essa teoria de Althusser teria definido, conforme François Dosse, um vasto programa de pesquisa que contribuirá significativamente para a consolidação do prestígio do autor de L’avenir dure longtemps, cenário intelectual francês e internacional, especialmente a partir dos movimentos de maio de 1968[38].
3 A teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE)
Como visto, em consonância com o pensamento marxista, Louis Althusser concebe o Estado como uma máquina de dominação de classe, ou seja, como o instrumento pelo qual a classe dominante submeteria as classes dominadas às relações capitalistas de produção. Nesse aspecto, o autor é enfático ao ressaltar que, concebido como aparelho repressivo, o Estado seria uma “máquina de repressão” que proporcionaria às classes dominantes (compostas, a partir do século XIX, pela burguesia e pelos grandes proprietários de terra) a capacidade de assegurar a sua dominação sobre a classe operária para sujeitá-la à exploração capitalista, ou seja, ao processo de extorsão da mais-valia.[39] Nesse sentido, Althusser salienta que, no pensamento marxista clássico, o Estado seria designado como “aparelho de Estado”, e essa expressão compreenderia não apenas o “aparelho especializado”, em sentido estrito (polícia, tribunais, prisões e exército), mas também o chefe de Estado, o governo e a administração[40].
De acordo com Althusser, em sua figuração convencional, a “teoria marxista do Estado” exprimiria o que de essencial o caracteriza, mediante a definição de sua função fundamental: atuar como força de execução e de intervenção repressiva a serviço das classes dominantes.[41] Assim, após resumir os aspectos gerais da “teoria marxista do Estado” (1. identificação do Estado com os seus aparelhos repressivos; 2. distinção entre “poder de Estado” e “aparelho de Estado”; 3. indicação da aquisição do “poder de Estado” como objetivo da luta de classes; 4. ideia de que o proletariado deve se apoderar do “poder de Estado” para, em um primeiro momento, substituir o Estado burguês pelo proletário e, em uma fase posterior, destruir o Estado, pondo fim ao seu poder e aos seus aparelhos),[42] Althusser propõe adicionar a ela a sua tese relativa à existência dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), consistentes nas seguintes instituições distintas e especializadas: a) “AIE religioso” (sistema das diferentes igrejas); b) “AIE escolar” (sistema composto pelas diversas instituições escolares, públicas e privadas); c) “AIE familiar”; d) “AIE jurídico” (que também ostentaria um caráter repressivo);[43] e) “AIE político” (sistema político com seus distintos partidos); f) “AIE sindical”; g) “AIE da informação” (imprensa, rádio, televisão etc.); h) “AIE cultural” (letras, belas-artes, esportes etc.)[44].
Após enumerar as instituições que, em seu entendimento, constituiriam os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), Althusser procura indicar os traços que, caracterizando-os, permitiriam diferenciá-los do “aparelho repressivo de Estado” (ARE). Assim, em primeiro lugar, ressalta que, se existe um único “aparelho repressivo de Estado” (ARE), o mesmo não ocorre com os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), uma vez que estes constituem uma “pluralidade” cuja unidade, supondo que ela exista, não seria imediatamente visível.[45] Em segundo lugar, “aparelho repressivo de Estado” (ARE), unificado, pertenceria inteiramente ao domínio público, ao passo que os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), em sua aparente dispersão, situar-se-iam no âmbito privado.[46] Em terceiro lugar, o “aparelho repressivo de Estado” (ARE) “funcionaria”, de maneira massiva e prevalente, pautado pela violência, enquanto os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) “funcionariam” preponderantemente com base na ideologia e apenas secundariamente com base na repressão[47].
Assim, Althusser, em uma perspectiva fortemente consonante com a de Antonio Gramsci, afirma que nenhuma classe seria capaz de deter o poder de forma duradoura sem exercer, ao mesmo tempo, a sua hegemonia sobre e dentro dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE).[48] Por esse motivo, eles seriam o lugar da luta de classes, inclusive das mais obstinadas, uma vez que teriam por função contribuir para assegurar a “reprodução das relações de produção”.[49] Contudo, cabe notar que Althusser procura demarcar a sua posição da de Gramsci afirmando que nela seria dada maior ênfase ao caráter estatal dos aparelhos ideológicos. Isso ocorre porque, segundo ele, a tendência gramsciana de relacioná-los à sociedade civil outorgar-lhes-ia uma autonomia que, na realidade, excederia a sua força real e, em contrapartida, levaria à tendência de se subestimar a força do Estado e, como decorrência, a da dominação da classe que detém o poder.[50] Aliás, Althusser busca circunscrever a pertinência empírica da tese de Gramsci a países como Espanha e Itália.[51]
Portanto, Althusser, em um esforço de síntese relativamente à sua teoria, enfatiza os seguintes aspectos: 1. todos os “aparelhos de Estado” funcionariam, simultaneamente, a partir da repressão e da ideologia. A diferença entre eles estaria na ênfase dada a uma ou a outra; 2. o “aparelho repressivo de Estado” (ARE) constituiria um todo organizado cujos diferentes membros seriam centralizados sob a égide de uma unidade de comando consistente nos representantes políticos das classes dominantes que detêm o poder de Estado, ao passo que os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) seriam múltiplos, distintos, relativamente autônomos e suscetíveis de oferecer um campo objetivo às contradições expressas, com grau variável de intensidade, nos efeitos dos choques entre as lutas de classe; 3. a unidade do “aparelho repressivo de Estado” (ARE) repousaria em sua organização centralizada sob a direção de representantes de classe no poder. No entanto, o mesmo não ocorreria com os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), cuja unidade seria assegurada pela “ideologia dominante”.[52]
4 O direito como “aparelho” repressivo e ideológico de Estado
Ao elencar as instituições que, em seu entendimento, constituiriam os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), Louis Althusser assinala que o direito (por ele grafado com “d” maiúsculo) pertenceria, simultaneamente, ao “aparelho repressivo de Estado” (ARE) e ao sistema constituído pelos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE).[53] Aliás, referindo-se à teoria althusseriana, Michel Miaille afirma que nenhum “aparelho do Estado” seria exclusivamente ideológico ou repressivo, motivo pelo qual o “aparelho jurídico” seria multiforme e não poderia ser dividido em setores diferenciados. Assim, se a polícia cumpre uma função eminentemente repressiva, ela também não deixa de exercer um significativo papel ideológico.[54] É nesse sentido que Althusser, aludindo ao pensamento de Kant, enfatiza que, por um lado, o direito seria necessariamente repressivo. Entretanto, por outro lado, também salienta que ele seria sustentado por uma “ideologia jurídica” que ensejaria o cumprimento de suas disposições independentemente da coerção, mesmo preventiva.[55]
Analogamente, Benoît Frydman e Guy Haascher enfatizam que, na perspectiva de Althusser, o direito contribuiria de duas maneiras para a sustentação do aparelho de Estado burguês.[56] Por um lado, ele desempenharia uma função repressiva, destinada a sancionar aqueles que porventura descumpram as regras do jogo impostas pela sociedade capitalista, mediante a organização judiciária que mobiliza as forças policiais e as instituições penitenciárias para a persecução e condenação de quem por acaso seja considerado criminoso ou delinquente. Todavia, por outro lado, o discurso jurídico também ocuparia uma posição central em meio aos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), de modo a adimplir, simultaneamente, as funções de ocultação e de reprodução da ordem social. Isso ocorreria porque, ao travestir de justiça, liberdade e igualdade a opressão e a exploração que permeiam e caracterizam o sistema capitalista, o discurso jurídico engendraria o desconhecimento (méconnaissance) das relações sociais reais, o que, por sua vez, contribui para a manutenção da vulnerabilidade ou miséria das massas operárias diante da acumulação de que se beneficia a classe burguesa. Consequentemente, dessa função de ocultação decorreria a reprodução (e, portanto, a conservação e a consagração) do sistema capitalista.[57]
Vale notar que Althusser define o direito como um sistema formal de regras não contraditórias que “exprimiria” as relações de produção sem, entretanto, mencioná-las, de modo a, na verdade, escamoteá-las.[58] Nesse sentido, a sua “função específica” consistiria em assegurar diretamente o funcionamento das relações capitalistas de produção com o intuito de garantir, ainda que de maneira subordinada, a sua reprodução. Como visto, na perspectiva de Althusser, o direito combinaria, em seu funcionamento, tanto a repressão como a ideologia. Logo, ele se exprimiria como um “sistema real” que abrange e combina códigos, ideologia jurídico-moral, polícia, tribunais e seus magistrados, prisões etc. Por conseguinte, na qualidade de um “aparelho ideológico de Estado” (AIE), o direito articularia a superestrutura “sobre” e “dentro” da infraestrutura.[59]
5 Louis Althusser e seus críticos
Juan Domingo Sánchez Estop ressalta que, por razões distintas, Louis Althusser e Carl Schmitt teriam em comum o fato de criticarem as concepções teóricas que, tal como o positivismo jurídico, enfocam o direito ostentando pretensão de neutralidade analítica.[60] Por conseguinte, ambos não aceitariam a distinção entre “ser” (Sein) e “dever-ser” (Sollen) que, como se sabe, fundamenta a perspectiva normativista de Hans Kelsen.[61] Partindo dessa premissa, Juan Domingo Sánchez Estop enfatiza que a concepção althusseriana sustentaria o caráter exógeno dos fundamentos do direito, ou seja, o fato de que a existência do direito como realidade social seria sempre externamente determinada por outras esferas e, em última instância, pelas relações de produção ou, o que significa o mesmo, pela exploração e pela luta de classes. Aliás, segundo Sánchez Estop, é nesse sentido que Althusser concebe o direito como um “aparelho ideológico de Estado” (AIE) direcionado à reprodução das relações de produção.[62]
Como visto, a obra de Althusser incitou significativa controvérsia e, depois de se impor com grande expressividade, especialmente no contexto intelectual francês, experimentou um significativo declínio. Nesse sentido, François Dosse alude à “implosão da grade althusseriana”, ocorrida especialmente após os movimentos estudantis de maio de 1968 na França. François Dosse ressalta ademais que uma das mais expressivas dissensões sucedidas nesse contexto seria a de Jacques Rancière que, como se sabe, foi interlocutor de Althusser e, inclusive, colaborador da obra coletiva Lire le capital. Ora, em seu livro intitulado La leçon d’Althusser, publicado em 1974, Jacques Rancière desenvolve uma contundente crítica ao althusserianismo que, entre outras coisas, afirma que este teria morrido nas barricadas de maio de 1968, tal como outras tantas “ideias do passado”.[63] Tendo isso em vista, serão analisados a seguir alguns autores que, por sua importância, exprimem, em caráter ilustrativo, a contundência da crítica a que foi submetido o pensamento de Althusser no que concerne à sua concepção do direito como “aparelho ideológico de Estado” (AIE).
5.1 Nicos Poulantzas
Segundo Bob Jessop, Nicos Poulantzas seria habitualmente classificado como um “estruturalista althusseriano”. Contudo, como assinala o sociólogo britânico, não se pode desconsiderar que, já em meados da década de 1960, Poulantzas publicou uma incisiva crítica ao livro Pour Marx, de 1965.[64] Ademais, apesar de corroborar seus preceitos metodológicos, Poulantzas procurava diferenciar a sua teoria política da de Louis Althusser e da de Étienne Balibar.[65] Bob Jessop também salienta que Poulantzas discordaria de Althusser no que concerne à sua visão dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE), da articulação dos modos de produção e da estratégia política.[66] Evidentemente que não se trata aqui de reconstituir o teor integral da crítica que Poulantzas endereça a Althusser.[67] Para os propósitos deste artigo, importa enfocar apenas algumas de suas objeções ao modo pelo qual o autor de Sur la reproduction concebe os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE).
Nicos Poulantzas considera que a distinção althusseriana entre o “aparelho repressivo de Estado” (ARE) e os “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) ensejaria certas objeções. Em primeiro lugar, apesar de ampliar o espaço do Estado (de modo a fazê-lo abranger as instituições ideológicas) e de destacar a sua presença no seio das relações de produção, essa distinção funcionaria de maneira restritiva, uma vez que, do modo como a concebe Althusser, ela repousaria sobre o pressuposto de que o Estado não agiria senão pela “repressão” e/ou pela “inculcação ideológica”. Assim, a eficácia do Estado residiria naquilo que ele “interdita”, “exclui”, “impede” e “impõe” ou naquilo que ele “engana”, “mente”, “oculta” ou “faz crer”. Ademais, a partir dessa distinção, considera-se que a economia seria uma instância capaz de produzir e de regular a si mesma e que o Estado não serviria senão ao estabelecimento de “regras negativas” para o “jogo” econômico. Consequentemente, o Estado existiria apenas para impedir (pela repressão e pela ideologia) as eventuais intervenções perturbadoras que porventura pudessem acometer a economia. Ora, segundo Poulantzas, tudo isso remeteria a uma “velha imagem juridista do Estado”, já defasada, que jamais teria correspondido efetivamente à sua realidade.[68]
5.2 Michel Miaille
Michel Miaille também desenvolve uma crítica ao pensamento de Althusser que, sob diversos aspectos, é consonante com a de Nicos Poulantzas.[69] Para ele, ao atrelar os “aparelhos repressivos e ideológicos” ao Estado, o autor de L’avenir dure longtemps acabaria não apreendendo as relações sutis e complexas existentes entre eles.[70] Por essa razão, Michel Miaille propõe que se retome o conceito de “sociedade civil” de Antonio Gramsci para superar as limitações das concepções marxistas convencionais que procurariam explicar a dominação burguesa a partir de um conjunto de aparelhos autoritários e repressivos entronizados no Estado. De acordo com ele, Gramsci concebe a “sociedade civil” como a parte da “superestrutura” que se interporia entre a “economia” e a “sociedade política”, ou seja, o Estado, de maneira a reunir, para além deste último, as instituições, os organismos e os modos de pensamento que assegurariam a hegemonia da classe burguesa.[71]
Por conseguinte, como observa Michel Miaille, a partir da perspectiva de Gramsci seria possível, entre outras coisas, explicar a manutenção da hegemonia da classe burguesa mesmo diante de um Estado decadente.[72] Aliás, por esse mesmo motivo, Gramsci considerava que, paralelamente à tomada do aparelho de Estado pela classe operária, seria fundamental que esta também organizasse uma hegemonia.[73] Michel Miaille, sublinhando o caráter preponderantemente não repressivo dos conceitos de “hegemonia” e de “violência simbólica”, aponta certa proximidade entre as perspectivas de Antonio Gramsci e de Pierre Bourdieu.[74] Ademais, não é despiciendo observar que Michel Miaille, ao enfatizar que discurso crítico jamais escapa ao meio social no qual ele se forma, corrobora, em certa medida, a crítica que Jacques Rancière endereça ao pensamento de Althusser.[75]
5.3 Pierre Bourdieu
No bojo de sua “sociologia do campo jurídico”, Pierre Bourdieu afirma que uma “ciência rigorosa do direito” distinguir-se-ia da “ciência jurídica” pela razão de tomar esta última como objeto. No decorrer dessa análise, Bourdieu sustenta, ademais, que a “ciência rigorosa do direito” evitaria o contraste dominante no “debate científico a respeito do direito” que opõe, de um lado, o “formalismo”, que postularia a “autonomia absoluta” da “forma jurídica” em relação ao “mundo social” e, de outro, o “instrumentalismo”, que conceberia o direito como uma espécie de “reflexo” (reflet) ou “utensílio” (outil) a serviço dos dominantes.[76] No entendimento de Bourdieu, a perspectiva “formalista” estaria representada pela “teoria pura do direito” de Hans Kelsen, ao passo que a “instrumentalista” encontraria em Louis Althusser um de seus próceres. Desse modo, Bourdieu assevera que os marxistas estruturalistas ignorariam a estrutura dos “sistemas simbólicos” e, por conseguinte, a “forma” específica do discurso jurídico.[77]
Nesse sentido, Pierre Bourdieu considera que a perspectiva “instrumentalista”, representada especialmente pelo pensamento de Louis Althusser, não seria capaz de apreender a especificidade do “universo social” em que o direito se produz e se exerce. Justamente por essa razão, visando romper com as perspectivas “formalista” e “instrumentalista”, Bourdieu sustenta a existência de um “campo social” relativamente independente das pressões externas, em cujo interior observar-se-iam a produção e o exercício da autoridade jurídica, entendida, segundo ele, como forma por excelência da “violência simbólica” legítima cujo monopólio pertenceria ao Estado que, por sua vez, teria a prerrogativa de combiná-la com o exercício da força física.[78] Assim, o “campo jurídico”, tal como o concebe Bourdieu, caracterizar-se-ia por sua relativa autonomia, e não por ser um instrumento de dominação de classe, tal como afirma Althusser.
5.4 Jacques Commaille
Mais recentemente, Jacques Commaille, no livro intitulado À quoi nous sert le droit?, procura realizar uma “ruptura epistemológica”[79] relativamente à representação dominante da legalidade, por ele designada como “juridismo”.[80] Desse modo, afirma que tal representação, ao caracterizar o “Direito” como portador de uma “Razão jurídica”, associar-se-ia a uma concepção hierarquizada, piramidal e top down da regulação política e, também, a certas teorias das ciências humanas e sociais que, ao assumirem uma postura radicalmente crítica, inspirada pelo “paradigma da dominação”, tenderiam a desenvolver uma perspectiva que entroniza o direito estatal, excluindo, por esse motivo, toda e qualquer possibilidade de resistência. Segundo Jacques Commaille, autores como Michel Foucault e Pierre Bourdieu seriam exemplos expressivos dessa perspectiva, pois ambos tenderiam a focalizar a regulação jurídica como um instrumento a serviço da dominação. Assim, segundo seu entendimento, ao enfocar o direito como uma espécie de “máscara do poder”, Foucault acabaria por reduzi-lo a um mero dispositivo de controle social que participaria da “governamentalidade disciplinar”.[81] Por sua vez, no pensamento de Bourdieu, o direito, concebido como um instrumento eficaz de garantia da reprodução social, serviria ao propósito de perpetuação da dominação e de consagração do status quo.[82]
Para os propósitos deste artigo, vale notar que Jacques Commaille alinha as perspectivas de Louis Althusser e de Pierre Bourdieu no que tange a uma concepção do direito como instrumento de dominação. De acordo com Jacques Commaille, ambas as perspectivas estariam fundadas em uma “teoria da dominação política” marcada por uma “visão centrada no Estado” (vision étato-centrée). Assim, com razão, ressalta que tanto Bourdieu como Althusser conceberiam o direito como uma espécie de reflexo das relações de força existentes, ou seja, como “instrumento de dominação”. Essa crítica poderia eventualmente ser contestada no que concerne à noção de “campo jurídico”, pois, como visto, ela sustenta a relativa autonomia desse “microcosmo” social.[83] Entretanto, por outro lado, ela tem muita pertinência no que tange à tese do direito como “aparelho ideológico de Estado” (AIE).[84]
6 Considerações finais
O presente artigo procurou enfocar os aspectos essenciais da tese de Louis Althusser acerca do direito como um “aparelho do Estado”, que desempenha uma função tanto repressiva como ideológica, para, depois, examinar o teor de algumas críticas expressivas que lhe são dirigidas. Assim, em primeiro lugar, foram abordados os aspectos gerais da teoria althusseriana que sustentam a sua compreensão do Estado como instrumento de dominação de classe. Em seguida, analisou-se a teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) e, a partir dela, o direito como “aparelho de Estado”. Por fim, foram concisamente enfocadas as perspectivas de Nicos Poulantzas, Michel Miaille, Pierre Bourdieu e Jacques Commaille que, de ângulos distintos, veiculam objeções à tese althusseriana do direito como “aparelho ideológico de Estado” (AIE).
De todo modo, apesar das críticas que lhe são endereçadas, vale notar que a teoria althusseriana dos “aparelhos ideológicos de Estado” (AIE) remanesce bastante influente, especialmente em virtude de sustentar a constatação de que a reprodução da ordem social não decorre de sua imposição por um poder repressivo, mas da existência de um “Estado invisível” que se manifestaria como uma “forma de pensamento inconsciente” dos sujeitos.[85] Como visto, Althusser ressalta que a imensa maioria das pessoas respeita o direito sem que sejam necessárias intervenções ou ameaças preventivas do “aparelho repressivo de Estado” (ARE). Segundo ele, a “ideologia jurídica” faria como que a prática jurídica se desenvolvesse por si só.[86] Portanto, na perspectiva de Althusser, a reprodução da ordem social não decorreria apenas (nem sequer preponderantemente) da repressão, ou seja, do “medo da polícia” (peur du gendarme)[87].
Por outro lado, Olivier Corten sublinha o papel desempenhado pela obra de Althusser na fundamentação de uma “abordagem crítica” do direito que, transcendendo a concepção positivista e formalista, permitiria contextualizá-lo.[88] Aliás, como visto, Juan Domingo Sánchez Estop ressalta que o pensamento de Louis Althusser, tal como o de Carl Schmitt, seria portador de uma contundente crítica às concepções teóricas que, tal como o positivismo jurídico, enfocam o direito ostentando pretensão de neutralidade analítica.[89] Ao sustentar que a existência do direito como realidade social seria sempre determinada por outras esferas e, em última instância, pelas relações de produção, Althusser questiona o formalismo jurídico de modo a desvelar o quanto os juristas efetivamente se afiguram como “guardiões da hipocrisia coletiva”.[90] Trata-se, portanto, de um autor cujo pensamento, a despeito de todas as críticas que lhe são endereçadas, mostra-se muito profícuo no âmbito dos estudos sociojurídicos[91].
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[1] Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado e Licenciado em História pela Universidade de São Paulo. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo. Mestre e Doutor em Direito, na área de concentração Filosofia e Teoria Geral do Direito, pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutorado na Université de Paris X – Nanterre, França e na École Normale Supérieure de Paris, França. Correspondente lusófono na América Latina do Réseau Européen Droit et Société. Membro do Comitê Editorial da Revue Droit et Société (Revue Internationale de Théorie du Droit et de Sociologie Juridique). Advogado. E-mail: ovbf@usp.br. https://orcid.org/0000-0002-4077-9982
[2] Cf. SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser. Revue de Philosophie Économique, v. 14, n. 2, p. 152, 2013.
[3] A respeito, Warren Montag, procurando explicar a desconfiança (para não dizer o desprezo) de Althusser pelo direito e pelo Estado no bojo de suas análises, ressalta que “in the period after 1968, the concept of law was subject to a feroucious critique. The law, understood as hovering insubstantially above social reality, was the site of illusions […]. This was a time when a political focus on the state and its laws appeared doomed to ignore if not conceal the ways in which the bourgeoisie ruled as a class […]” (MONTAG, Warren. The threat of the outside: Althusser’s reflections on law. In: DE SUTTER, Laurent (ed.). Althusser and law. Abingdon & New York: Routledge, 2013. p. 15).
[4] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction. Paris Presses Universitaires de France, 1995. p. 280-285; ALTHUSSER, Louis. Positions. Paris: Éditions Sociales, 1976. p. 81-88; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado. Tradução de Alberto J. Pla. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1974. p. 20-27.
[5] A respeito, ver, por exemplo: FRYDMAN, Benoît; HAARSCHER, Guy. Philosophie du droit. 2e éd. Paris: Dalloz, 2002. p. 39.
[6] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome I: le champ du signe, 1954-1966. Paris: La Découverte, 2012 [1991]. p. 343 e ss ; DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours. Paris: La Découverte, 2012 [1992]. p. 211 e ss.
[7] Logo no início de uma ampla análise acerca do pensamento de Althusser, Warren Montag afirma que “the more had been written against him than about him by the end of the twentieth century: an impressive number of books in various languages have the phrase ‘against Althusser’ in the title” (MONTAG, Warren. Althusser and his contemporaries: philosophy’s perpetual war. Durham: Duke University Press, 2013. p. 1).
[8] Vale notar que, em nota, ao elencar diversos autores que exemplificam essa reação crítica, Warren Montag faz referência ao texto intitulado “contra Althusser”, de José Arthur Giannotti. Cf. MONTAG, Warren. Althusser and his contemporaries: philosophy’s perpetual war, p. 213.
[9] Referindo-se à “teoria da interpelação” de Althusser, E. P. Thompson afirma que ela seria “perhaps the ugliest thing he has ever done, the crisis of the idealist delirium.” Cf. MONTAG, Warren. Althusser and his contemporaries: philosophy’s perpetual war, p. 3.
[10] Isabelle Garo observa que “Althusser est du nombre des philosophes français de la période 1960-1980 dont les œuvres continuent d’être lues aujourd’hui […]” (GARO, Isabelle. La coupure impossible. L’idéologie en mouvement, entre philosophie e politique dans la pensée de Louis Althusser. In: BOURDIN, Jean-Claude (coord.). Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses Universitaires de France, 2008. p. 31).
[11] Cf. BADIOU, Alain. Petit panthéon portatif. Paris: La Fabrique Éditions, 2008. p. 12 e ss.
[12] Para uma análise que coloca o pensamento de Althusser em perspectiva e o analisa em relação a alguns de seus contemporâneos, especialmente Jacques Lacan e Michel Foucault, ver: MONTAG, Warren. Althusser and his contemporaries: philosophy’s perpetual war, p. 118 e ss.
[13] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome I: le champ du signe, 1954-1966, p. 343 e ss.
[14] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours, p. 211 e ss.
[15] Cf. GIANNOTTI, José Arthur. Contra Althusser. In: GIANNOTTI, José Arthur. Exercícios de filosofia. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Cebrap, 1980. p. 88.
[16] Cf. ARON, Raymond. Marxismes imaginaires: d’une sainte famille à l’autre. Paris: Gallimard, 1998 [1970]. p. 175-323.
[17] Raymond Aron afirma que “l’école dite structuraliste, actuellement à la mode, diffère de l’école phénoménologico-existentialiste qui a régné durant une douzaine d’années, elle lui succède et lui emprunte son style, sa prétention et ses ignorances” (ARON, Raymond. Marxismes imaginaires: d’une sainte famille à l’autre, p. 176).
[18] Segundo Raymond Aron, “peut-être l’althussérisme représente-t-il déjà l’avant-dernier marxisme imaginaire. Le dernier, celui qui lui succédera, n’a pas encore pris forme. Mais n’en doutons pas: il viendra” (ARON, Raymond. Marxismes imaginaires: d’une sainte famille à l’autre, p. 21).
[19] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome I: le champ du signe, 1954-1966, p. 353. Acerca do cientificismo visado por Althusser, ver: BADIOU, Alain. Petit panthéon portatif, p. 60 e ss.; GILLOT, Pascale. Entre science et idéologie: Louis Althusser et la question du sujet. In: CASSOU-NOGUÈS, Pierre; GILLOT, Pascale (éd.). Le concept, le sujet et la science: Cavaillès, Canguilhem, Foucault. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 2009. p. 137-163. Vale notar que Albert Camus considera que a obra de Marx não teria um caráter científico. Desse modo, afirma, entre outras coisas, que “le marxisme et ses héritiers ne seront examinés ici que sous l’angle de la prophétie” (CAMUS, Albert. L’homme révolté. Paris: Gallimard, 2000 [1951]. p. 240). Por outro lado, Michel Foucault, atrelando, de forma inelutável, o pensamento de Marx à configuração epistemológica do século XIX, sustenta que “le marxisme est dans la pensée du XIXe siècle comme poisson dans l’eau: c’est-à-dire que partout ailleurs il cesse de respirer” (FOUCAULT, Michel. Les mots et les choses: une archéologie des science humaines. Paris: Gallimard, 2013 [1966]. p. 274).
[20] Cf. BADIOU, Alain. Petit panthéon portatif, p. 61 e 70.
[21] Cf. COMTE-SPONVILLE, André. La philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 2008. p. 114.
[22] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome I: le champ du signe, 1954-1966, p. 343. Para uma crítica dessa questão, ver: ARON, Raymond. Marxismes imaginaires: d’une sainte famille à l’autre, p. 271 e ss.
[23] Para uma discussão dessa questão na obra de Althusser, ver, por exemplo: WORMS, Frédéric. La philosophie en France au XXe siècle. Paris: Gallimard, 2009. p. 479-480; ARON, Raymond. Marxismes imaginaires: d’une sainte famille à l’autre, p. 271 e ss. A respeito, ver também: ARNAUD, André-Jean; FARIÑAS DULCE, María José. Introduction à l’analyse sociologique des systèmes juridiques. Bruxelles: Bruylant, 1998. p. 98.
[24] Cf. ALTHUSSER, Louis. Pour Marx. Paris: La Découverte, 2005 [1965]. p. 25-32. A respeito, ver, por exemplo: DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome I: le champ du signe, 1954-1966, p. 353; SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 152-153, 2013.
[25] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours, p. 196.
[26] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours, p. 196-198; SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 153; FERRETTER, Luke. Louis Althusser: Oxford: Routledge, 2006. p. 82-83.
[27] Para um excelente comentário dessas duas primeiras teses, ver: NIGRO, Roberto. La question de l’anthropologie dans l’interprétation althussérienne de Marx. In: BOURDIN, Jean-Claude (coord.). Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses Universitaires de France, 2008. p. 87-112.
[28] Cf. SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 181. Sobre essa questão, ver, especialmente: GILLOT, Pascale. Entre science et idéologie: Louis Althusser et la question du sujet, p. 147-154; FISCHBACH, Frank. “Les sujets marchent tout seuls ...”. Althusser et l’interpellation. In: BOURDIN, Jean-Claude (coord.). Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses Universitaires de France, 2008. p. 113-146; NIGRO, Roberto. La question de l’anthropologie dans l’interprétation althussérienne de Marx, p. 109-110.
[29] Cf. ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 81 e ss. Segundo Jacques Rancière, “cela implique que l’idéologie n’existe pas simplement dans des discours, pas simplement non plus dans des systèmes, d’images, de signaux, etc. L’analyse de l’Université nous a montré que l’idéologie d’une classe existe principalement dans des institutions, dans ce que nous pouvons appeler des appareils idéologiques, au sens où la théorie marxiste parle d’appareil d’État” (RANCIÈRE, Jacques. La leçon d’Althusser. Paris: La Fabrique Éditons, 2011. p. 250).
[30] Cf. SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 182.
[31] Cf. ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 104; SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 182-183.
[32] Segundo Althusser, “l’idéologie interpelle les individus en sujets. Comme l’idéologie est éternelle, nous devons maintenant supprimer la forme de la temporalité dans laquelle nous avons représenté le fonctionnement de l’idéologie et dire: l’idéologie a toujours-déjà interpellé les individus en sujets […] les individus sont toujours-déjà des sujets” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 306-307). No mesmo sentido, ver: ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 115. Vale notar que autores como Claude Lefort restringe o fenômeno da ideologia às sociedades modernas. A respeito, ver: BRECKMAN, Warren. Retour sur « l’idéologie invisible » selon Lefort. Raison Publique, n. 23, p. 40, 2018.
[33] Cf. SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 183.
[34] Como enfatiza Pascale Gillot, “assujettissement [...] et humanisation semblent aller de pair; par là se conçoit la nécessité de la conversion, toujours-déjà instituée, du petit animal biologique qu’est l’enfant en humain, en « animal idéologique », autrement dit en sujet” (GILLOT, Pascale. Entre science et idéologie: Louis Althusser et la question du sujet, p. 152).
[35] ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 115. Acerca da inflexão da psicanálise lacaniana sobre o pensamento de Althusser, ver, especialmente: GILLOT, Pascale. Entre science et idéologie: Louis Althusser et la question du sujet, p. 154-161; SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 183-186.
[36] Cf. GILLOT, Pascale. Entre science et idéologie: Louis Althusser et la question du sujet, p. 147. Vale notar que Althusser concebe o sujeito como uma espécie de “suporte” (Träger) da ideologia. A respeito, ver: SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 184.
[37] Cf. SOBEL, Richard. Idéologie, sujet et subjectivité en théorie marxiste: Marx et Althusser, p. 153. Vale notar, entretanto, que Jacques Rancière empreende uma análise da teoria althusseriana da ideologia que não atribui centralidade à noção de “aparelhos ideológicos de Estado”. A respeito, Rancière afirma que “le lecteur qui associe le nom d’Althusser à une théorie des appareils idéologiques d’État sera surpris de voir critiquée une théorie althussérienne de l’idéologie où cette notion ne joue pas de rôle” (RANCIÈRE, Jacques. La leçon d’Althusser, p. 8).
[38] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours, p. 196.
[39] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 277; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 76-77; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 14.
[40] Segundo Althusser, “l’État, c’est alors avant tout ce que les classiques du marxisme ont appelé l’appareil d’État” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 277); ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 77; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 15.
[41] Vale notar que, segundo Julien Pallotta, Bourdieu critica os autores da filosofia marxista justamente por eles definirem o Estado a partir de sua função de “reprodução das relações de produção” e, por conseguinte, não analisarem adequadamente a estrutura dos mecanismos que o sustentam. Cf. PALLOTTA, Julien. Bourdieu face au marxisme althussérien: la question de l’État. Actuel Marx, n. 58, p. 136, 2015. A respeito, ver também: PALLOTTA, Julien. Le moment 1970 sur la reproduction: Althusser et Bourdieu. Actuel Marx, n. 70, p. 96-110, 2021. Para uma referência incontornável da recepção do pensamento de Marx na França que precede a teoria de Althusser e que, no bojo de sua análise, enfoca a questão do Estado, ver: LEFEBVRE, Henri. Le marxisme. 26e éd. Paris: Presses Universitaires de France, 2006 [1948]. p. 93-104.
[42] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 280; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 81; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 19.
[43] Vale notar que, segundo Laurent De Sutter, “le droit pouvait ne plus être considéré comme un appareil idéologique d’État, mais comme une pratique dont le caractère révolutionnaire pouvait être affirmé par l’affirmation de sa vérité” (DE SUTTER, Laurent. Louis Althusser et la critique du droit. Droit et Société, n. 75, p. 465, 2010).
[44] Observa-se que essa relação, proposta por Althusser no artigo “Idéologie et appareils idélogiques de l’État”, experimenta variação. Nos fragmentos que compuseram o livro Sur la reproduction, publicado em 1995, por iniciativa de Jacques Bidet, Althusser elenca, nesta ordem e com esta nomenclatura, os seguintes “aparelhos ideológicos de Estado”: a) aparelho escolar; b) aparelho familiar; c) aparelho religioso; d) aparelho político; e) aparelho sindical; f) aparelho da informação; g) aparelho da edição-difusão; h) aparelho cultural. Nota-se aqui a curiosa ausência de alusão ao direito como um “aparelho ideológico de Estado”. Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 107.
[45] Segundo Althusser o que constitui a unidade desse corpo aparentemente disparatado de “aparelhos ideológicos de Estado” é a ideologia da classe dominante. Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 284; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 85 e 89; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 25.
[46] Entretanto, não se pode desconsiderar que, de acordo com Althusser, a distinção público/privado é interna ao direito burguês. Por isso, não seria analiticamente operativa, pois, segundo ele, o domínio do Estado escaparia a essa distinção, sendo, inclusive sua condição. Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 282; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 84; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 23.
[47] Por conseguinte, não existiriam um “aparelho puramente repressivo” nem “aparelhos puramente ideológicos” (as expressões são do autor). Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 283; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 84; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 23-24. Por esse motivo, Michel Miaille afirma que “je ne parlerai pas de la distinction, voire de la séparation, entre l’idéologie et le répressif. Aucun appareil d’État est entièrement idéologique ou entièrement répressif, comme écrivait Althusser” (MIAILLE, Michel. Le droit-violence. Déviance et Société, v. 4, n. 2, p. 173, 1980).
[48] Note-se que Althusser alude ao pensamento de Gramsci, ressaltando o potencial de suas intuições. Contudo, também aponta o caráter assistemático delas. Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 281, nota 133; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 82, nota 7; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 20, nota 7.
[49] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 285; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 90; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 27.
[50] Cf. ALTHUSSER, Louis. Être marxiste en philosophie. Paris: Presses Universitaires de France, 2015. p. 157. Para um confronto do pensamento de Althusser com o de Gramsci, ver: MORFINO, Vittorio. Althusser Lecteur de Gramsci. Actuel Marx, n. 57, p. 62-81, 2015.
[51] Referindo-se ao pensamento de Gramsci, Althusser afirma que “il en résulte une stratégie telle qu’on peut l’observer en Italie ou même en Espagne […]. Je dis ailleurs ce que je pense de cette conception stratégique: elle ne correspond pas, à mon avis, au rapport des forces actuel, même si elle reflète, d’une certaine manière, la faiblesse de l’État bourgeois et de ses appareils idéologiques dans un pays comme l’Italie” (ALTHUSSER, Louis. Être marxiste en philosophie, p. 157).
[52] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 286; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 89; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 24-25. A esse respeito, vale notar que Althusser, em sua autobiografia, afirma ter considerado que a filosofia contribuiria para a unificação da ideologia da classe dominante. Cf. ALTHUSSER, Louis. L’avenir dure longtemps. Paris: Flammarion, 2013 [1992], p. 402.
[53] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 282, nota 135; ALTHUSSER, Louis. Positions, p. 83, nota 9; ALTHUSSER, Louis. Ideología y aparatos ideológicos de Estado, p. 22, nota 9.
[54] Cf. MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 173. Aliás, Althusser afirma que “tout appareil d’État combine à la fois le fonctionnement à la répression et le fonctionnement à l’idéologie” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 202).
[55] Segundo Althusser, “il est clair que la pratique du Droit ne repose pas exclusivement sur la répression en acte. La répression est le plus souvent comme on dit ‘préventive’. […] l’idéologie juridique […] permet proprement au Droit de ‘fonctionner’, c’est-à-dire à la pratique juridique de ‘marcher toute seule’, sans le recours de la répression ou de la menace” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 96-98). Assim, Warren Montag ressalta que “the explanation for the unity of enforcement and observance in the practical conduct of the vast majority does not lie in law alone, but in ideology that the law excretes as a kind of by-product” (MONTAG, Warren. The threat of the outside: Althusser’s reflections on law, p. 29).
[56] Vale notar que Laurent De Sutter, enfocando a inflexão do pensamento de Montesquieu sobre o de Althusser, ressalta que “de ce matérialisme structural de Montesquieu, Althusser tire une conséquence capitale: les liens entre droit et politique ne sont jamais des liens de nécessité – mais toujours des liens de pure contingence. Dès lors, la forme de leur articulation peut être différente de celle qu’organisent les appareils idéologiques d’État au niveau de l’État bourgeois” (DE SUTTER, Laurent. Louis Althusser et la critique du droit, p. 461). A respeito, ver: ALTHUSSER, Louis. Montesquieu: la politique et l’histoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1992 [1959]. p. 26-27.
[57] Cf. FRYDMAN, Benoît; HAARSCHER, Guy. Philosophie du droit, p. 39-40. Para uma apresentação geral do pensamento de Althusser acerca do direito, ver: MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito. São Paulo: Atlas: 2010. p. 550 e ss.
[58] Como assevera Althusser, “c’est dans la mesure où le Droit est formel qu’il peut être systématisé, comme tendanciellement non-contradictoire et saturé. […] C’est cette situation singulière du Droit, qui n’existe qu’en fonction d’un contenu dont il fait en lui-même totalement abstraction (les rapports de production), qui explique la formule marxiste classique: le droit ‘exprime’ les rapports de production, tout en ne faisant nulle mention, dans le système de ses règles, desdits rapports de production, tout au contraire, en les escamotant” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 89-90).
[59] A esse respeito, Althusser afirma que “le ‘Droit’ (ou plutôt le système réel que cette dénomination désigne, en la masquant, puisqu’elle en fait abstraction: à savoir les Codes + l’idéologie juridico-morale + la police + les tribunaux et leurs magistrats + les prisions etc.) mérite d’être pensé sous le concept d’appareil idéologique d’État. […] Si notre thèse est exacte […]: le rôle décisif joué dans les formations sociales capitalistes par l’idéologie juridico-morale, et sa réalisation, l’appareil idéologique d’État juridique, qui est l’appareil spécifique articulant la superstructure sur et dans l’infrastructure” (ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 202).
[60] Cf. SÁNCHEZ ESTOP, Juan Domingo. Althusser’s paradoxical legal exceptionalism as a materialist critique of Schmitt’s decisionism. In: DE SUTTER, Laurent (ed.). Althusser and law. Abingdon & New York: Routledge, 2013. p. 72. No que concerne ao pensamento de Carl Schmitt, ver, por exemplo: HUMMEL, Jacky. Carl Schmitt: l’irréductible réalité du politique. Paris: Édition Michalon, 2005; MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do direito. São Paulo: Max Limonad, 2001.
[61] Referindo-se ao pensamento de Hans Kelsen, Olivier Jouanjan enfatiza que “la ‘normativité’ repose comme l’on sait sur une stricte séparation logique entre l’être (Sein) et le devoir être (Sollen)” (JOUANJAN, Olivier. Présentation. Formalisme juridique, dynamique du droit et théorie de la démocratie: la problématique de Hans Kelsen. In: JOUANJAN, Olivier (coord.). Hans Kelsen: forme du droit et politique de l’autonomie. Paris: Presses Universitaires de France, 2010. p. 17). A respeito, ver, por exemplo: KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. New Brunswick, USA; London (UK): Transaction Publishers, 2005 [1949]. p. 45-47. Para uma ampla análise do pensamento de Hans Kelsen, ver: DIAS, Gabriel Nogueira. Positivismo jurídico e a teoria geral do direito na obra de Hans Kelsen. São Paulo: RT, 2010. Para uma instigante análise que articula os pensamentos de Hans Kelsen e de Louis Althusser, inclusive no que concerne ao conceito de “suporte” (Träger) ver: MONTAG, Warren. The threat of the outside: Althusser’s reflections on law, p. 20-30.
[62] Cf. SÁNCHEZ ESTOP, Juan Domingo. Althusser’s paradoxical legal exceptionalism as a materialist critique of Schmitt’s decisionism, p. 73.
[63] Cf. DOSSE, François. Histoire du structuralisme, tome II: le chant du cygne, 1967 à nous jours, p. 211 e ss.
[64] Contudo, como ressalta Bob Jessop “this does not mean that Poulantzas was uninfluenced by Althusserian Marxism” (JESSOP, Bob. Nicos Poulantzas: Marxist theory and political strategy. London: Macmillan, 1985. p. 318). A esse respeito, no que tange à noção de “autonomia relativa”, ver: KEUCHEYAN, Razmig. Lénine, Foucault, Poulantzas. In: POULANTZAS, Nicos. L’État, le pouvoir, le socialisme. Paris: Les Prairies Ordinaires, 2013 [1978]. p. 7-36.
[65] Cf. JESSOP, Bob. Nicos Poulantzas: Marxist theory and political strategy, p. 317.
[66] Cf. JESSOP, Bob. Nicos Poulantzas: Marxist theory and political strategy, p. 318.
[67] Para uma instigante análise que, ao criticar a perspectiva de Nicos Poulantzas, enfoca a influência sobre ela exercida pelo pensamento de Louis Althusser, ver: CARDOSO, Fernando Henrique. Althussérisme ou marxisme? À propos du concept de classe chez Poulantzas. L’Homme et Société, n. 24-25, p. 57-71, 1972.
[68] Cf. POULANTZAS, Nicos. L’État, le pouvoir, le socialisme. Paris: Les Prairies Ordinaires, 2013 [1978]. p. 66.
[69] Vale notar que, segundo Dominique Manaï, “Miaille renoue avec la pensée marxiste classique – pré-althussérienne – que nous trouvons formulée chez les juristes hollandais: Ina Baaijens et Agatha Weusten […]” (MANAÏ, Dominique. Les juristes marxistes occidentaux face au phénomène juridique. Déviance et Société, v. 3, n. 3, p. 284, 1979).
[70] A respeito, Michel Miaille ressalta que “faire de ces appareils répressifs et idéologiques des appareils de l’État, c’est réunifier dans un même ensemble (l’État) des institutions qui ont des rapports beaucoup plus subtils et complexes avec l’État que la formule ne le laisserait croire. C’est ici que nous touchons à la nécessité de relire Gramsci dont Althusser s’est inspiré pour proposer sa ‘note pour une recherche’” (MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 173).
[71] Cf. MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 173.
[72] Aliás, segundo Miaille, esse era o caso da Itália na década de 1920. Cf. MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 174.
[73] Cf. MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 174.
[74] Cf. MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 174. No que tange à questão do direito no pensamento de Bourdieu, ver, especialmente: BOURDIEU, Pierre. Esprits d’État: genèse et structure du champ bureaucratique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 96-97, p. 49-62, 1993; BOURDIEU, Pierre. Habitus, code et codification. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 64, p. 40-44, 1986; BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, v. 64, p. 3-19, 1986; BOURDIEU, Pierre. Les juristes, gardiens de l’hypocrisie collective. In: CHAZEL, François; COMMAILLE, Jacques (dir.). Normes juridiques et régulation sociale. Paris: LGDJ, 1991. p. 95-99; BOURDIEU, Pierre. Sur l’État: cours au Collège de France 1989-1992. Paris: Éditions du Seuil, 2012.
[75] Assim, citando o livro La leçon d’Althusser, Michel Miaille afirma que “il faut redire qu’il n’y a aucune connaissance qui ne se développe sous la forme d’un savoir, c’est-à-dire d’un ensemble de pratiques dont la logique et les modalités n’ont, quelquefois, que peu à voir avec les exigences scientifiques. Ainsi, le savoir, activité sociale dans laquelle se présente la connaissance, induit des conséquences sur la nature même de la critique qui veut être développée: le discours critique n’échappe pas au milieu dans lequel il est formé et les procédures de discussion, de contrôle, de ‘falsification’ même auxquelles il peut être soumis, apparaissent d’une importance capitale” (MIAILLE, Michel. La critique du droit. Droit et Société, n. 20-21, p. 75, 1992).
[76] Cf. BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique, p. 3.
[77] Cf. BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique, p. 3.
[78] Cf. BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique, p. 3. Acerca do Estado no pensamento de Pierre Bourdieu, ver: LENOIR, Rémi. L’État selon Pierre Bourdieu. Sociétés Contemporaines, n. 87, p. 123-154, 2012; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O Estado como instituição responsável pela (re)produção e canonização das formas de classificação social: notas sobre a tese de Pierre Bourdieu. In: FEBBRAJO, Alberto et al. (coord.). Sociologia jurídica: novas observações sobre problemas fundamentais. Curitiba: Juruá, 2021. p. 119-136.
[79] Note-se que a “ruptura epistemológica” propugnada pelo autor põe em questão a pretensão de monopólio da representação “juridista” de modo a concebê-la apenas como uma das duas faces do que ele designa de “modèle de légalité duale”. Cf. COMMAILLE, Jacques. À quoi nous sert le droit? Paris: Gallimard, 2015. p. 65 e ss.
[80] A respeito, Commaille ressalta que “j’emploie le qualificatif de ‘juridiste’ pour désigner des modes de pensée, des visions du monde social, des manières d’être, découlant étroitement de l’appartenance à l’univers juridique” (COMMAILLE, Jacques. À quoi nous sert le droit?, p. 410).
[81] Caberia indagar se essa descrição não seria matizada pela análise que Márcio Alves da Fonseca faz das “imagens” do direito na obra de Foucault. Cf. FONSECA, Márcio Alves. Michel Foucault e o direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[82] No que tange às nuances da perspectiva de Bourdieu, ver: SCKELL, Soraya Nour. Os juristas e o direito em Bourdieu: a conflituosa construção histórica da racionalidade jurídica. Tempo Social, v. 28, n. 1, p. 157-178, 2016.
[83] Cf. BOURDIEU, Pierre. La force du droit. Éléments pour une sociologie du champ juridique, p. 4. A respeito dos campos sociais como microcosmos, ver: BOURDIEU, Pierre. Microcosmes: théorie des champs. Paris: Éditions Raisons d’Agir, 2022.
[84] Referindo-se a Pierre Bourdieu, Jacques Commaille afirma que “en effet, cet auteur fait sienne la perspective ‘par le haut’ (top down), prépondérante dans l’univers juridique français. Il semble ainsi lui-même influencé par une histoire des rapports entre droit et pouvoir qui est propre à la France où le droit est considéré comme un instrument de première importance dans le cadre d’une théorie de la domination politique marquée par une vision étato-centrée. Dans cette perspective, le droit n’est qu’un reflet direct des rapports de force existants, où s’expriment les déterminations économiques, et en particulier les intérêts des dominants, ou bien, comme le dit bien le langage de l’Appareil, réactivé par Louis Althusser, un instrument de domination” (COMMAILLE, Jacques. À quoi nous sert le droit?, p. 30-31).
[85] Cf. PALLOTTA, Julien. Bourdieu face au marxisme althussérien: la question de l’État, p. 134. Aliás, Althusser, referindo-se a si próprio, enfatiza o poder de “certaines formations violentes que j’ai naguère appelées Appareils Idéologiques d’État (AIE) et dont je n’ai pu, à ma propre surprise, faire l’économie pour comprendre ce qui m’est advenu” (ALTHUSSER, Louis. L’avenir dure longtemps, p. 48).
[86] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 97-98.
[87] Cf. ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 99; PALLOTTA, Julien. Bourdieu face au marxisme althussérien: la question de l’État, p. 134. Aliás, Michel Miaille afirma que “le droit n’a pas besoin, en temps ordinaire, du gendarme pour être appliqué: c’est la marque de la déficience de l’hégémonie lorsque la bourgeoisie est obligée d’exercer sa domination par voie répressive” (MIAILLE, Michel. Le droit-violence, p. 175).
[88] Segundo Olivier Corten, “l’une des nombreuses manières de s’inscrire dans la perspective d’un ‘droit en contexte’ est d’adopter une approche ‘critique’. […] Largement inspirée d’un marxisme non orthodoxe dont les références renvoient notamment à Gramsci et à Althusser, cette approche conçoit le droit comme une idéologie, et en ce sens, comme constituant à la fois le reflet et l’enjeu des rapports de forces économiques, politiques et sociaux” (CORTEN, Olivier. Le « droit en contexte » est-il incompatible avec le formalisme juridique? Revue Interdisciplinaire d’Études Juridiques, v. 70, p. 73, 2013).
[89] Cf. SÁNCHEZ ESTOP, Juan Domingo. Althusser’s paradoxical legal exceptionalism as a materialist critique of Schmitt’s decisionism, p. 72.
[90] A respeito, ver: BOURDIEU, Pierre. Les juristes, gardiens de l’hypocrisie collective, p. 95-99.
[91] Sobre os estudos sociojurídicos como um campo de pesquisa interdisciplinar, ver: ARNAUD, André-Jean. Droit et société: du constat à la construction d’un champ commun. Droit et Société, n. 20-21, p. 17-38, 1992; BAILLEUX, Antoine; OST, François. Droit, contexte et interdisciplinarité: refondation d’une démarche. Revue Interdisciplinaire d’Études Juridiques, Bruxelles, v. 70, n. 1, p. 25-44, 2013; DUMONT, Hugues; BAILLEUX, Antoine. Esquisse d’une théorie des ouvertures interdisciplinaires accessibles aux juristes. Droit et Société, n. 75, p. 275-293, 2010; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. Desafios da pesquisa interdisciplinar: as ciências sociais como instrumentos de “vigilância epistemológica” no campo dos estudos sociojurídicos. Revista Estudos Institucionais, v. 5, n. 2, p. 530-558, 2019; VILLAS BÔAS FILHO, Orlando. O desenvolvimento dos estudos sociojurídicos: da cacofonia à construção de um campo de pesquisa interdisciplinar. Revista da Faculdade de Direito da USP, v. 113, p. 251-292, jan./dez. 2018. Para uma excelente discussão teórica acerca do direito que se funda na interdisciplinaridade, ver: OST, François. Le droit ou l’empire du tiers. Paris: Dalloz, 2021.