Arbitragem no Brasil: Evolução Histórica
DOI: 10.19135/revista.consinter.00010.21
Recebido/Received 29.03.2019/ Aprovado/Approved 16.05.2019
Cláudio Finkelstein[1] – https://orcid.org/0000-0002-2773-5328
E-mail: claudio@finkelstein.com.br
Resumo: Embora a arbitragem exista no Brasil desde a época colonial, foi somente com a promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem de 1996 e com a declaração de constitucionalidade de tal instituto pelo STF, entre 1996 e 2002, que a arbitragem passou a se consolidar no País. Atualmente o Brasil é reconhecido como sendo uma jurisdição largamente favorável à arbitragem
Palavras-chave: Arbitragem. Panorama. Lei Brasileira de Arbitragem.
Abstract: Arbitration as an institution has existed in Brazil since the Colonial Age. However, it was only with the enactment of the Brazilian Arbitration Act 1996 and with the recognition of the constitutionality of arbitration by the STF, between 1996 and 2002, that its use was consolidated in the country. Nowadays, Brazil is widely recognized as an arbitration friendly functioning jurisdiction.
Keywords: Arbitration. Overview. Brazilian Arbitration Act.
Sumário: I. Introdução. II. Consolidação da arbitragem no Brasil. III. A Lei Brasileira de Arbitragem. IV. A convenção de arbitragem e o princípio da competência-competência. V. Arbitragem e a Administração Pública. VI. Arbitragem e disputas trabalhistas e consumeristas. VII. Atualizações da Lei Brasileira de Arbitragem. VIII. Arbitragem, uma escolha racional e eficaz. IX. Conclusões.
Summary: I. Introduction. II. Consolidation of arbitration in Brazil. III. The Brazilian Arbitration Act. IV. The Arbitration Agreement and the Competence-Competence Principle. V. Arbitration and Public Entities. VI. Arbitration of Consumer and Labor Related issues. VII. Amendments to the Brazilian Arbitration Act. VIII. Arbitration, a rational and effective choice. IX. Conclusion.
I Introdução
O Brasil hoje é largamente reconhecido como sendo uma jurisdição favorável à arbitragem. Um país “Arbitration Friendly” no jargão internacional. É pacífico que o Brasil conhece e reconhece a existência de prática de arbitragem desde a época colonial, através das Ordenações Filipinas, um sistema legal promulgado pelo rei Felipe II durante o domínio de Espanhol em Portugal, no ano de 1603, que definiu a arbitragem como um meio válido e eficaz de resolução de litígios. Desde então, várias leis do Império Português, bem como demais normas editadas pelo governo colonial brasileiro foram incorporadas a nosso ordenamento e permitiram o uso do procedimento arbitral como meio de resolução de litígios, afastando a jurisdição dos tribunais nacionais e coloniais. Vale ressaltar que o Brasil, enquanto colônia, resultou de imensa exploração territorial e marítima advinda do Tratado de Tordesilhas de 1493, documento que ainda que não assim denominado de fato resultado de uma ‘arbitragem’ realizada pelo então Papa Alexandre VI, entre Portugal e Espanha, para resolver disputa sobre reclamos territoriais de ambas nações; vale lembrar ainda que naquela contenda que foi reconhecida como um marco na relação pacífica entre Estados, buscando uma resolução harmônica e coadunada com a realidade hoje existente e desde então fixada como regra matriz das relações internacionais, o famoso “Alabama Case” de 1872, introduziu definitivamente e se valeu da arbitragem como forma de pacificação das relações diplomáticas, ao invés de uma declaração de guerra, e teve o brasileiro Barão D’Itajubá como um dos árbitros que compuseram seu painel.
A primeira Constituição brasileira, promulgada em 1824, indicou expressamente, em seu art. 160, o recurso à arbitragem para a resolução de conflitos legais[2]. O Código Comercial de 1850 também apresentava a arbitragem como meio de resolução de conflitos, e neste caso era prática considerada mandatória em algumas situações específicas[3]. O Código Civil de 1916 tinha um artigo específico que permitia o estabelecimento do procedimento arbitral também[4]. A Constituição Brasileira de 1934 atribuía competência para as instituições legislativas federais para disciplinar por meio de lei complementar a adoção da arbitragem comercial[5].
Embora a arbitragem seja um instituto inserido no âmbito da legislação nacional, e de conhecimento de juristas e empresários brasileiros por um período de tempo bastante prolongado, ela não se estabeleceu solidamente como uma opção viável nem preferível nos contratos celebrados no mercado interno. Isso devido parcialmente ao imaginário difundido à época (e, talvez, ainda em certa proporção até hoje) de que uma intervenção privada não seria aceitável em questões amplamente consideradas como exclusivas dos tribunais estaduais ou entidades vinculadas ao governo, pois esta era uma visão propagada pela ditadura instaurada nos anos 60 que perdurou até a retomada da democracia no governo Fernando Henrique. A ideia de ‘liberdade’ e ‘empoderamento’ não encontrava eco na prática diuturna dos negócios nem no imaginário popular, que via o “Estado” como o único detentor do poder de mando, sendo este indelegável. Ainda, pode-se entender também o descrédito do instituto pela precariedade da legislação em vigor, que exigia um procedimento extremamente oneroso, rígido e complexo para sua aplicação e para o reconhecimento das sentenças arbitrais.
Tais elementos culturais, somados a um temor do empresariado em ter questões sensíveis decididas de forma final, sem participação ou chancela do Estado e sem qualquer espécie de recurso ou instância revisora de mérito, somada a uma desconfiança quanto a painéis formados por árbitros inexperientes levaram a poucas tentativas de empresários com procedimentos arbitrais malconduzidos, administrados por precárias instituições e levadas a cabo por árbitros despreparados nessa fase de instalação da arbitragem no Brasil, que muito contribuíram para seu descrédito.
Entretanto, na Constituição da República Federal do Brasil de 1988 (“CF/88”), especificamente no art. 114, §1º, o instituto da arbitragem apareceu pela primeira vez tal como é entendido e usado atualmente. Porém, tão somente em 1996, com a promulgação da Lei 9.307/1996 (“Lei Brasileira de Arbitragem”) é que a arbitragem se tornou um instituto a ser seriamente discutido tanto no meio acadêmico quanto profissional, pois passou a ter uma regulamentação em território nacional séria e viável, fomentando uma prática hoje reconhecida internacionalmente. Por conta destes debates é que, em 2015, a Lei Brasileira de Arbitragem sofreu algumas modificações pela Lei 13.129/2015, reconhecendo uma prática em grande parte aceita pelos tribunais pátrios e instituições domésticas, pareando-a com as leis mais modernas de arbitragem no mundo.
II Consolidação da arbitragem no Brasil
Inicialmente, a questão do novo tratamento a ser dado ao instituto da arbitragem acendeu uma discussão que se tornou um verdadeiro “leading case” no Brasil, no processo de contestação da Sentença Judicial Estrangeira SE-5206, cuja sentença foi proferida em 2004, perante o Supremo Tribunal Federal (“STF”). O processo dizia respeito ao reconhecimento e execução de uma decisão arbitral estrangeira proferida na Espanha, por solicitação de uma parte estrangeira. O Tribunal analisou os requisitos aplicáveis ao reconhecimento e execução das decisões estrangeiras de acordo com a legislação brasileira e também uma questão incidental de aferir se a lei de arbitragem brasileira foi promulgada em conformidade com a CF/88.
Naquela ocasião o STF decidiu que a legislação não era inconstitucional, uma vez que não impedia as partes de levarem suas disputas para os tribunais, um direito constitucional fundamental. Como o STF afirmou, a lei permitia a utilização de uma outra opção para a resolução das disputas através de meios privados de decisão, por meio da escolha expressa das partes em assim proceder, uma eleição de via por assim dizer. O conflito só seria arbitrável se tivesse por objeto um direito patrimonial disponível, não interferindo, portanto, com a competência exclusiva do Judiciário, expressa na Constituição, para processar e julgar conflitos de monopólio do Estado para fins de mantença do interesse público, tais quais os de natureza criminal, trabalhista e familiar, indisponíveis por determinação do Estado.
A crescente discussão sobre a execução de laudos arbitrais estrangeiros entre juristas culminou com a promulgação da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de 1958 (“Convenção de Nova Iorque”) pelo Governo do Brasil em 2002, através do Decreto 4.311/2002.
De acordo com a Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional (“Lei Modelo da UNCITRAL”), elaborada em 1985 e alterada em 2006, softlaw que inspirou nossa legislação, uma arbitragem comercial internacional é definida como aquela em que (a) as partes de uma convenção de arbitragem têm, no momento da celebração do referido acordo, os seus locais de negócios em diferentes Estados; ou (b) um dos seguintes lugares está situado fora do Estado em que as partes têm os seus locais de atividade: (i) o local da arbitragem, se determinado em, ou de acordo com, a convenção de arbitragem; (ii) qualquer local onde deva ser cumprida uma parte substancial das obrigações resultantes da relação comercial ou o local com o qual o objeto da disputa tenha vínculos mais estreitos; ou (iii) as partes tiverem convencionado expressamente que o objeto da convenção de arbitragem envolve mais de um país.
Com a edição do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC”), o Brasil manteve as suas definições de jurisdição exclusiva e concorrente, mas inovou ao reconhecer a hipótese de jurisdição de foro de eleição, determinando em seu art. 25[6] que as partes podem eleger foro estrangeiro em contrato internacional. Infelizmente, o legislador até o presente não definiu o que é um contrato internacional, relegando tal entendimento à doutrina e à jurisprudência, assim como aquelas contidas nos Tratados aos quais o Brasil seja parte[7]/[8]/[9].
A Lei Brasileira de Arbitragem, ainda que fortemente baseada na Lei Modelo da Uncitral, não estabeleceu regras diferentes para a arbitragem doméstica e internacional, estabelecendo apenas procedimentos diferentes para a execução das sentenças arbitrais proferidas dentro ou fora do território nacional brasileiro. O critério para determinar a internacionalidade do laudo arbitral é apenas geográfico[10]. Um laudo proferido fora do território brasileiro é considerado estrangeiro, não havendo quaisquer referências à nacionalidade ou ao domicílio das partes, ao local da execução do contrato ou aos termos de referência, ao lugar de cumprimento, à lei aplicável, à linguagem, à natureza do contrato em que se baseia o conflito nem à moeda pactuada.
Em uma decisão lógica[11], porém sem precedentes, a Minª. Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) afirmou que a Convenção de Nova Iorque permite aos tribunais nacionais determinar seus próprios critérios de internacionalidade da arbitragem, e indiscutivelmente o Brasil adotou o critério geográfico. Usando os precedentes da SEC-894 UY (2008); SEC 611-US (2006) e SE 1.305-FR (2008), o Tribunal afirmou que embora uma arbitragem tenha sido realizada perante a Câmara de Comércio Internacional (CCI) no âmbito das suas regras, sua sede foi no Brasil, e, portanto, aqueles critérios “não podem alterar a nacionalidade brasileira do laudo arbitral.”
Desafortunadamente, há ainda uma ávida discussão sobre a natureza jurídica da arbitragem, seja contratual ou jurisdicional. O entendimento predominante no Brasil está de acordo com a doutrina de Scmitthoff[12], que interpreta o instituto da arbitragem como sendo de natureza jurídica mista, à luz da sua raiz privada e contratual, mas também de sua natureza processual em acordo com a lei alcançando, atualmente, uma classificação autônoma. As regras processuais correspondentes a um processo judicial surgem como resultado de um contrato privado. O árbitro, uma autoridade privada, criada por uma ficção jurídica, torna-se um juiz de fato e de direito[13].
Assim, o correto seria constatar que chegamos a um estágio que o mais indicado é delegar ao instituto da arbitragem uma natureza jurídica própria, com princípios emprestados de diversos institutos jurídicos de natureza pública e privada, pois esta efetivamente é derivada daquelas, mas que com a evolução e depuração contemporânea que esta passou em função de sua incorporação ao uso efetivo e costumeiro pela comunidade empresarial, tanto interna quanto internacionalmente, evoluiu a ponto de alcançar uma identidade própria, daí sua natureza jurídica própria, de arbitragem.
III A Lei Brasileira de Arbitragem
O art. 1º da Lei Brasileira de Arbitragem[14] determina que as pessoas que são capazes de contratar podem recorrer à arbitragem para resolver conflitos relacionados a “direitos patrimoniais disponíveis”. Usando a terminologia acima mencionada, o legislador brasileiro reservou todas as questões relacionadas com os direitos de natureza distinta daquela para a jurisdição dos tribunais estaduais, especialmente os direitos cuja realização, em virtude de sua indisponibilidade, pertence exclusivamente ao Estado.
A Lei Brasileira de Arbitragem também permite às partes, em seu art. 2º[15], a escolha da equidade, dos princípios gerais de direito, dos usos e práticas ou de regras de comércio internacional para resolverem seus conflitos. Em caso de silêncio, cabe aos árbitros decidirem qual a lei aplicável, preenchendo as lacunas contratuais, em esforço para salvar e garantir o desejo inicial das partes, qual seja, o de levar suas disputas à arbitragem.
Na ausência de uma cláusula arbitral devidamente elaborada com a indicação de uma entidade arbitral, a jurisprudência brasileira predominante aponta para o estabelecimento de um procedimento arbitral, efetivamente dispensando a necessidade de intervenção judicial para complementar os vácuos na vontade das partes para arbitrar seus desentendimentos.
A submissão de uma disputa à arbitragem se dá através da convenção de arbitragem, nos termos do art. 3º da Lei Brasileira de Arbitragem[16]. A convenção de arbitragem, por sua vez, possui duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
A Lei Brasileira de Arbitragem, em seu art. 4º[17], define a cláusula compromissória como uma convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem as disputas que possam surgir de tal contrato. Seria uma determinação in abstracto dos meios escolhidos pelas partes para resolver os litígios futuros originados do contrato.
O compromisso arbitral, de acordo com o art. 9º da Lei Brasileira de Arbitragem[18], é o acordo através do qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais assuntos, sejam eles judiciais ou extrajudiciais. Nesses casos, a controvérsia já foi individualizada e as partes celebram o acordo, identificando em termos concretos os elementos da controvérsia, estabelecendo quem vai ser nomeado como um árbitro, bem como os procedimentos e prazos a serem seguidos.
Assim, embora o uso da arbitragem seja opcional nos termos da Lei Brasileira de Arbitragem, uma vez que as partes adotem a arbitragem através de uma cláusula contratual, o procedimento se torna obrigatório e exclusivo. Ainda, mesmo depois do surgimento de um litígio sem previsão contratual de arbitragem, as partes, em comum acordo, têm o direito de solicitar o estabelecimento de um procedimento arbitral se assim o desejar.
Os procedimentos arbitrais instalados de acordo com a Lei Brasileira de Arbitragem também podem ser feitos na modalidade ad hoc ou via instituição arbitral. Processos ad hoc não são necessariamente conduzidos ao abrigo das regras ou da administração de qualquer instituição arbitral (ainda que se sujeitem a regras). As partes são livres para adotar um conjunto de regras de procedimento e escolher um painel de árbitros (ou árbitro único). Quando constituída sob os auspícios de uma instituição arbitral (centro ou câmara de arbitragem), as partes concordam em resolver os seus conflitos através de uma instituição especializada, que irá administrar o processo em conformidade com as suas próprias regras, previamente conhecidas e aceitas pelas parte, as quais estas se vinculam.
A arbitragem institucional tem-se desenvolvido muito no Brasil nos últimos anos. Com algumas instituições de arbitragem bem estabelecidas e conceituadas internacionalmente, tais como o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) de São Paulo, a CCI de Paris que agora tem uma representação fixa e permanente em São Paulo e uma série de outras instituições de peso e relevância. O volume de arbitragens, embora significativamente pequeno em relação à magnitude da economia do Brasil, está crescendo de forma constante[19].
Na cláusula de arbitragem, a escolha do lugar no qual a arbitragem será realizada terá influência no processo de anulação, execução e de reconhecimento da sentença arbitral, além de eventual colaboração com o juízo arbitral durante o procedimento. Quando realizada em território brasileiro, a sentença pode ser executada imediatamente junto às varas da justiça estadual, uma vez que é equivalente a uma decisão judicial, conforme art. 31 da Lei Brasileira de Arbitragem[20]. Quando prestados fora do território nacional, o reconhecimento e a execução dependerá da aprovação do STJ, que tem a competência exclusiva para homologar sentenças arbitrais estrangeiras, de acordo com a nova redação do art. 35, e a posterior execução será cursada perante a Justiça Federal[21].
Assim como a Lei Modelo da Uncitral e a Convenção de Nova Iorque, a Lei Brasileira de Arbitragem indica ainda que só pode ser negado reconhecimento a uma sentença arbitral quando: (i) as partes do acordo arbitral não são legalmente capazes de celebrar contratos; (ii) a convenção de arbitragem não for válida segundo a lei à qual as partes se submeteram, ou na ausência de qualquer indicação, à luz da lei do Estado em que a sentença arbitral foi proferida; (iii) falta de notificação da nomeação de um árbitro ou o estabelecimento de um processo arbitral, ou outra violação do princípio do devido processo legal; (iv) o estabelecimento da arbitragem não está de acordo com a convenção de arbitragem; (v) a decisão arbitral abranger questões fora do escopo da convenção de arbitragem e não for possível separar a parte excedente da sentença da parte em acordo com o submetido a arbitragem pelo contrato; (vi) a sentença arbitral ainda não se tornou obrigatória para as partes, tenha sido anulada ou suspensa por uma instituição judicial do país em que foi proferida; (vii) se, de acordo com a lei brasileira, o objeto do litígio não puder ser decidido por meio de arbitragem; (viii) a sentença arbitral viola a ordem pública nacional.
IV A convenção de arbitragem e o princípio da competência-competência
Como indicado acima, uma vez feita a escolha das partes de submeter um conflito à arbitragem e verificada a existência da convenção de arbitragem, tal instituto se torna obrigatório e tal conflito deverá ser submetida ao Tribunal Arbitral, e não ao Poder Judiciário.
Essa conclusão é decorrente do princípio da competência-competência. O referido princípio – conhecido como Kompetenz-Kompetenz, estabelece que cabe o árbitro decidir sobre a sua própria competência. Vale notar que o referido princípio possui um efeito positivo e um efeito negativo.
Seu efeito positivo confere jurisdição aos árbitros para decidir sobre qualquer objeção relativa a tal jurisdição, enquanto seu efeito negativo retira a jurisdição do Judiciário para decidir essas objeções. Sobre tais efeitos, Pedro Batista Martins entende que:
“A eficácia positiva encerra a aptidão do árbitro para decidir sobre sua própria jurisdição. Traduz, em si, a função jurisdicional do árbitro. Já a eficácia negativa diz com o momento em que essa competência é exercida. É o árbitro “o primeiro juiz a dizer sobre a sua jurisdição”. O efeito negativo afasta, de plano, qualquer intervenção judicial que se pretenda para dirimir as questões acerca da existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que estiver contemplada”[22].
Do exposto acima, percebe-se a importância do princípio da competência-competência. Caso coubesse ao Judiciário decidir, em primeiro lugar, sobre a jurisdição do árbitro ou sobre a validade da convenção de arbitragem, a instauração do procedimento arbitral seria postergada, muitas vezes apenas com intuito protelatório de uma das partes de evitar a arbitragem[23].
Embora existam diferentes correntes acerca dos efeitos positivo e negativo[24] de tal princípio, no direito brasileiro, a interpretação dos efeitos da competência-competência se aproxima da corrente defendida pelo direito francês. Segundo a referida corrente, a competência para analisar a validade, existência e eficácia da convenção de arbitragem é, em primeiro lugar, do(s) árbitro(s), salvo em casos de manifesta nulidade.
Nese sentido, vale mencionar os ensinamentos do Professor Arnoldo Wald e da Ministra Regina Helena Costa:
Especificamente com respeito aos efeitos do princípio da competência-competência (Kompetenz-Kompetenz), o direito brasileiro é mais liberal que a Convenção de Nova Iorque. Como vimos acima, o art. II, § 3.º, da Convenção de Nova Iorque prevê unicamente o efeito positivo desse princípio, qual seja, o de remeter as partes para a arbitragem na existência de uma convenção de arbitragem. A lei 9.307/96, entretanto, foi mais além, estabelecendo igualmente o efeito negativo desse princípio, a exemplo do direito francês.
O art. 267, VII, do CPC estipula que o processo será extinto sem julgamento do mérito na existência de convenção de arbitragem e a jurisprudência tem aplicado a referida norma com rigor. Por sua vez, o art. 20, § 2.º, da Lei 9.307/96 prevê que a decisão dos árbitros, que não acolheu a arguição de incompetência, poderá ser reexaminada pelo Poder Judiciário competente ‘quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei’, ou seja, na ação de anulação da sentença arbitral. Conclui-se, portanto, que, de acordo com o direito brasileiro, as autoridades judiciárias podem tão-somente apreciar a validade, existência, aplicabilidade ou efetividade da convenção de arbitragem em momento posterior aos árbitros. Nem mesmo o exame prima facie seria pois passível de ser realizado no Brasil pelo Judiciário a não ser no caso de nulidade ostensiva ou manifesta, devendo ser aguardada a decisão prévia dos árbitros.”[25] (grifos nossos)
“ (…) revela-se a necessidade de observância dos arts. 8º e 20, da Lei 9.307/96, que conferem ao juízo arbitral a medida de competência mínima, veiculada no princípio da competência-competência, cabendo-lhe, assim, deliberar sobre os limites de suas atribuições, precedentemente a qualquer outro órgão julgador, bem como sobre as questões relativas à existência, à validade e à eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória[26]. (grifos nossos)
Tal interpretação dos efeitos princípio da competência-competência resguarda a vontade das partes de submeter qualquer disputa à arbitragem e contribui para economia processual, assegurando que todas as controvérsias relativas à arbitragem serão centralizadas em uma mesma autoridade[27]/[28].
O Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJ/SP”), no processo n. 2013.0000.72.8.7-54 de 2013, reconheceu a natureza obrigatória da cláusula de arbitragem. Nesta disputa específica, o juiz de Primeira Instância declarou-se incompetente para conhecer da causa, tendo em conta a existência de uma cláusula compromissória no contrato celebrado entre as partes. No entanto, o juiz também aceitou pedido de reconvenção, especificamente a aplicação de uma multa contratual relacionada a desconsideração da convenção de arbitragem pela outra parte através da instalação de processos judiciais. As partes recorrentes alegaram que a cláusula compromissória inserida no acordo de Joint Venture não impedia o acesso aos tribunais estaduais em caso de litígio. A cláusula apenas daria uma opção para as partes escolherem entre litigar na Justiça ou em um tribunal arbitral.
O TJ/SP decidiu que uma vez que a convenção de arbitragem é estabelecida, não é possibilitada às partes a procura pela jurisdição dos tribunais estaduais, considerando que a criação de um tribunal arbitral implica derrogação jurisdição estadual. O contrato também reforçou a ideia de uma cláusula de arbitragem obrigatória, justamente pela existência de cláusula específica determinando uma multa contratual no caso de as partes não conseguiram cumprir a convenção de arbitragem.
O TJ/SP entendeu também que a controvérsia relativa à nulidade do contrato não impede que a questão seja decidida pelo tribunal arbitral, justificando por meio do princípio da autonomia da cláusula compromissória (“separability principle”). De acordo com essa regra, constante do art. 8º da Lei Brasileira de Arbitragem, a invalidade do contrato não implica a nulidade da cláusula de arbitragem acordada entre as partes.
Finalmente, o TJ/SP decidiu que, de acordo com o princípio da competência-competência, a aplicação de uma multa contratual em caso de violação de uma convenção de arbitragem deve ser decidida pelo Tribunal Arbitral, já que é uma questão de direito material do litígio. Assim, o juiz de Primeira Instância não poderia fazer uma decisão sobre esta questão específica.
Por fim, vale citar decisão de 09.05.2018, proferida no Conflito de Competência 151.130, que reflete o posicionamento que vem sendo adotado pelo STJ nos casos em que tanto o Tribunal Arbitral – ou no caso, a câmara de arbitragem, uma vez que o Tribunal ainda não estava constituído – e o Judiciário se consideram competentes para decidir uma disputa. Para o STJ, é necessário respeitar a precedência temporal da decisão arbitral. Eventual controle de tal decisão pelo Poder Judiciário caberia apenas em momento posterior:
Trata-se de uma política de respeito à vontade das partes, que optaram pela arbitragem na solução dos seus conflitos. Em outras palavras, é uma garantia de acesso à jurisdição arbitral. Considerando que há apenas uma “decisão provisória” proferida pela Presidência da Câmara de Arbitragem do Mercado, acerca da intervenção de terceiros e da participação da UNIÃO no procedimento arbitral, é dever do Poder Judiciário aguardar a manifestação competente do Tribunal Arbitral, o qual decidirá tais matérias em termos definitivos. Desse modo, a decisão imediata do Poder Judiciário sobre a devida participação da UNIÃO FEDERAL na relação arbitral – que sequer está instalada – é inoportuna e impertinente, que ofende e desconsidera o poder e a autonomia das decisões do árbitro.
A decisão também afirmou que o entendimento do Tribunal é no sentido de que se deve observar rigorosamente o princípio da competência-competência, salvo em hipóteses “verdadeiramente patológicas”.
É imperativo, no entanto, entender que o Brasil tem uma tradição muito recente na arbitragem, especialmente com relação à homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. A maioria de sua jurisprudência exige a homologação prévia de decisões judiciais estrangeiras. Ao contrário de muitas jurisdições estrangeiras desenvolvidas, há pouca ou nenhuma discussão significativa sobre o tema da exceção de ordem pública, e quase nunca a questão é objeto de criterioso exame pelos Tribunais.
A esse respeito cumpre mencionar recente decisão proferida pelo STJ em pedido de homologação de sentença estrangeira (SEC 9.412). Por sete votos a um, o STJ entendeu que a imparcialidade do árbitro é matéria de ordem pública e a não observância de tal princípio pelos árbitros justifica o não reconhecimento de sentença arbitral que proferirem. Com a promulgação de nova redação da Lei Brasileira de Arbitragem, o art. 35 determina que “Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça”. Ainda, pelo artigo seguinte, que “Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil.”[29]
Questões referentes à arbitrabilidade das disputas são muitas vezes negligenciados em termos de ofensas à ordem pública. Por exemplo, no processo SEC 507/GB de 2006, o Tribunal afirmou que “para avaliar a alegação de que o objeto do contrato da arbitragem é um ‘contrato por adesão’, seria necessário o exame do mérito do objeto material da lei sentença estrangeira a ser homologado, o que não é possível neste processo.” À época, era, no entanto, uma questão de ordem pública que os contratos por adesão devem ser tratados de forma diferente e os Tribunais aceitaram a sentença arbitral estrangeira sem rever os seus méritos. Atualmente, como visto acima, os contratos de adesão não podem ser objetos de arbitragem, o que geraria execução manifestamente contrária à ordem pública brasileira, neste caso.
A manifesta violação da lei em si não é uma questão de ordem pública, mas ignorar um princípio da lei é. O STJ parece aceitar a decisão do tribunal estrangeiro em assuntos de ordem pública brasileira, mesmo quando a lei aplicável ao processo não é o direito brasileiro, mesmo quando os árbitros não estão familiarizados com a Lei e os princípios da legislação brasileira. É alarmante que haja o mesmo entendimento quando de decisões ocorridas em revelia.
V Arbitragem e a Administração Pública
A questão da possibilidade da Administração Pública se submeter à arbitragem na prática já se encontra há muito superada.
Os tribunais brasileiros, em uma decisão manifestamente favorável à arbitragem, confirmaram a possibilidade de empresas estatais ou controladas para celebrar convenções de arbitragem, à luz da questão da arbitrabilidade de direitos renunciáveis do utilizador. O STJ decidiu[30]:
Em outras palavras, pode-se afirmar que, quando os contratos celebrados pela empresa estatal versem sobre atividade econômica em sentido estrito isto é, serviços públicos de natureza industrial ou atividade econômica de produção ou comercialização de bens, suscetíveis de produzir renda e lucro, os direitos e as obrigações deles decorrentes serão transacionáveis, disponíveis e, portanto, sujeitos à arbitragem. Ressalte-se que a própria lei que dispõe acerca da arbitragem art. 1º da Lei 9.307/96 estatui que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Atualmente, esse posicionamento resta cristalizado e atualmente está consolidado na ordem jurídica pátria em virtude da mais recente alteração à Lei Brasileira de Arbitragem, por meio do parágrafo 1º acrescido ao art. 1º, que assim estabelece:
Art. 1º, §1º – A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
VI Arbitragem e disputas trabalhistas e consumeristas
Apesar da reforma na Lei Brasileira de Arbitragem com relação à arbitrabilidade subjetiva da Administração Pública, a arbitrabilidade de certos direitos não foi aceita pelos tribunais brasileiros, nem pela sanção da nova redação proposta pelo Projeto de Lei de alteração à Lei Brasileira de Arbitragem. O Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) decidiu, no caso RR-192700-74.2007.5.02.0002, que os conflitos relativos a direitos trabalhistas não podem ser decididos por meio de arbitragem, mesmo quando um empregado assina um contrato de trabalho que contém uma cláusula compromissória. O Tribunal adotou o raciocínio de que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e irrevogáveis, uma vez que a relação entre empregador e empregado é desigual, o primeiro tendo um poder de barganha maior do que o último. Uma vez que a Lei Brasileira de Arbitragem só permite que direitos renunciáveis sejam submetidos à arbitragem, o direito do trabalho foi excluído do escopo do art. 1º.
Esse foi o entendimento do então Vice-presidente Michel Temer, que decidiu, conforme o Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere ao parágrafo 4º do Projeto de Lei de alteração à Lei Brasileira de Arbitragem, que “O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral.”
Em 2017, a Lei 13.467/2017 introduziu o art. 507-A na CLT, permitindo que seja inserida cláusula compromissória em contratos individuais de trabalho cuja remuneração supere duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa[31]. A despeito de tal dispositivo, os conflitos referentes a direitos trabalhistas continuam sendo considerados como inarbitráveis, tendo o Tribunal regional do Trabalho da 2ª região inclusive declarado que o art. 507-A viola a proteção constitucional de proteção social ao trabalho subordinado[32].
A nova e alterada Lei Brasileira de Arbitragem também sofreu restrições o uso da arbitragem em contratos de adesão. Anteriormente, o §2º do art. 4º do instrumento legislativo determinava que, em tais tipos de contrato, a convenção de arbitragem seria executada apenas se o aderente solicitasse o estabelecimento da arbitragem ou concordasse expressamente com esse estabelecimento por escrito, em documento anexo ou em negrito, fornecendo sua assinatura especificamente para a cláusula compromissória. Atualmente, essa disposição foi vetada, com a seguinte mensagem de veto:
Da forma prevista, os dispositivos alterariam as regras para arbitragem em contrato de adesão. Com isso, autorizariam, de forma ampla, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifestação de vontade do consumidor deva se dar também no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato. Em decorrência das garantias próprias do direito do consumidor, tal ampliação do espaço da arbitragem, sem os devidos recortes, poderia significar um retrocesso e ofensa ao princípio norteador de proteção do consumidor.
O Código de Direito do Consumidor também afirma, em seu art. 51, VII, que uma cláusula que estabeleça a arbitragem como meio de resolução de litígios obrigatórias nos contratos de consumo será nula e sem efeito. Por isso, o uso da arbitragem em direito do consumidor é extremamente restrito. A Minª. Nancy Andrighi[33] explica que nos contratos de consumo há também uma relação desequilibrada entre as partes. O consumidor muitas vezes não tem conhecimento técnico suficiente para avaliar as vantagens e desvantagens inerentes à submissão de litígios contratuais a um tribunal arbitral, enquanto o fornecedor experiente terá informações detalhadas nesse assunto. O consumidor não está em posição de fazer uma escolha informada e cautelosa no momento da celebração do contrato.
VII Atualizações da Lei Brasileira de Arbitragem
Como já mencionado acima, em 2015, adotou-se importantes alterações à Lei Brasileira de Arbitragem a fim de modernizá-la e solucionar lacunas anteriormente existentes. Ainda que a maior parte das alterações não implicassem em introdução de novidades ao sistema arbitral pátrio, a substantivação de normas erigidas pela via pretoriana serviu para consolidar tais práticas e instruir tanto usuários do instituto ainda reticentes quanto membros do judiciário que permaneciam recalcitrantes a tais inovações.
Além das alterações supramencionadas, uma de tais modernizações foi a introdução do art. 22-A e 22-B à Lei Brasileira de Arbitragem, que dispõe sobre a interação entre o tribunal arbitral e o judiciário em matéria de tutelas cautelares e de urgência, assim como já era disposto no art. 17-A da Lei Modelo da UNCITRAL.
O Judiciário brasileiro acabou por se tornar um dos aliados mais amigáveis, com decisões a favor da arbitragem comercial.
No procedimento SEC 4213/EX de 19.06.2013, é possível ver um exemplo da tendência atual para fazerem-se cumprir as decisões arbitrais emitidas no exterior. Uma das principais questões que driblam a aplicabilidade da jurisdição do Brasil faz referência expressa à citação processual, que por força de ordem pública no Brasil exigem que seja citado pessoalmente. No entanto, sob a ótica da Lei Brasileira de Arbitragem, o procedimento eleito pela instituição deve ser seguido e aceito localmente. Os tribunais brasileiros concederam esta alegação, afirmando que: “Considera-se atendido o requisito da citação quando há manifestação da parte nos autos, em clara demonstração de conhecimento da existência de ação em que figura como parte.”
Este mesmo acórdão reafirma claramente a visão predominante de que o Tribunal não pode avaliar o mérito da decisão, afirmando que: “ao apreciar pedido de homologação de sentença estrangeira, não pode o STJ examinar questões relativas a eventual irregularidade no contrato a ela vinculado ou referentes à conduta das partes, porque ultrapassam os limites fixados pelo art. 9º, caput, da Resolução STJ n. 9 de 4/5/2005.”
O mesmo problema de citação tem sido tratado no procedimento da SEC 8847-EX de 2013, que afirmou que “A citação, no procedimento arbitral, não ocorre por carta rogatória, pois as cortes arbitrais são órgãos eminentemente privados. Exige-se, para a validade do ato realizado via postal, apenas que haja prova inequívoca de recebimento da correspondência.”“. Na mesma direção, um outro caso chegou mesmo a afirmar a validade da citação por meios eletrônicos[34]. A nova alteração à Lei Brasileira de Arbitragem instituiu ainda a criação da chamada Carta Arbitral, no agora Capítulo IV-B, art. 22-C, que determina que “o árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro”, promovendo assim a relação harmônica entre os tribunais arbitrais e os tribunais estaduais.
Outra importante modernização foi a inclusão do art. 136-A na Lei 6.404/1076 (“Lei das Sociedades Anônimas”). Isso porque pôs fim ao debate acerca da vinculação ou não dos acionistas à cláusula compromissória inserida nos estatutos sociais das companhias. Tal dispositivo estabelece que a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.
VIII Arbitragem, uma escolha racional e eficaz.
A arbitragem , comparada aos tribunais estatais, traz inúmeras vantagens para a solução de controvérsias, especialmente em relação ao princípio da autonomia das partes (pelo qual o contrato, assim como o procedimento, pode se adequar às necessidades dos contratantes específicas a cada modalidade contratual), à eficiência e flexibilidade processual, à especialização dos árbitros na questão fática e de direito apresentada para a sua apreciação, ao uso de línguas diferentes, adequação a prazo para a solução final da controvérsia, e também à possibilidade de confidencialidade sobre a matéria em discussão.
A autonomia das partes no Brasil é amplamente discutida e ainda que para muitos juristas[35], sua finalidade seja nomear a lei aplicável para resolver os méritos de uma disputa sem se socorrer às inflexíveis normas brasileiras de conflito de leis, nos parece que tal limitação não é correta, pois o supra descrito demonstra uma ampliação deveras mais ampla. Isto é particularmente importante no Brasil uma vez que esses mesmos estudiosos entendem que, dada a natureza cogente, isto é, obrigatória do art. 9º da Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro (“LINDB”) a lex voluntatis não é aceitável e os contratos firmados em um determinado país devem, obrigatoriamente, ser governados pelas leis domésticas daquele determinado país.
Por outro lado, as leis do país de domicílio do proponente deverão reger os contratos celebrados pelas partes domiciliadas em diferentes jurisdições. Se as partes optaram pela arbitragem, elas poderiam eleger qualquer lei que entenderem aplicável[36], ou até mesmo decidir que o contrato pode ser julgado por equidade.
Outra vantagem é que, dada a letargia do sistema judicial, sufocado por milhões de casos, os quais muitas vezes levam mais de 10 anos para serem decididos, um caso de arbitragem pode ser resolvido, em média, em cerca de 16 meses.
Dado o imenso volume de casos, muitos juízes simplesmente não estão preparados para lidar com litígios complexos com a agilidade e especialidade que estes demandam e o mesmo acontece com muitos tribunais de apelações. Apenas um punhado de casos começam e terminam em segredo de justiça, e pouca ou nenhuma atenção é dada aos aspectos particulares dos casos por parte dos juízes, que em muitos casos não estão aptos a trabalhar em outros idiomas e outras leis.
Já a arbitragem é derivada da vontade expressa das partes através de uma convenção de arbitragem que pode ser elaborada como uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral. Importante notar que os limites dessa autonomia conferida às partes de um contrato são definidas pela Autonomia Privada do legislador que encontra seus limites na ordem pública interna, ou seja, na observância a ordem social, que comprime os bons costumes e o respeito às normas cogentes e imperativas[37].
As particularidades possuem atenção especial dos árbitros, escolhidos especificamente para a solução da controvérsia; escolhidos portanto por sua reputação e conhecimentos, suas especializações e competências, algo que o princípio do Juiz Natural no processo civil não proporciona.
Conclusões
De um modo geral, a experiência do Brasil com a arbitragem tem sido muito positiva. O sistema judicial vem se tornando muito favorável à arbitragem, e suas decisões, bem como a adesão a tratados, abundam nesse sentido. Como o Brasil está se tornando cada vez mais internacionalizado e estrangeiros estão começando a conhecer as instituições, é reconfortante saber que a arbitragem, tanto internacional como doméstica, é, hoje, um procedimento viável e consistentemente utilizado para resolver disputas.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. TRT 2º Região. Processo n. 1000439-29.2017.5.02.0709. Rel. Francisco Ferreira Jorge Neto. 14ª Turma. Cadeira 1. Data de publicação, 10.09.2018. JusBrasil, 2019. Disponivel em: <https://trt-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/623907454/10004392920175020709-sp?ref=juris-tabs>. Acesso em 09.04.2019.
BRASIL. TJ/SP .15ª Câmara de Direito Privado. Apelação cível n. 1008082-67.2018.8.26.0100. Apelante, ACE Seguradora S/A. Apelada, Wallenius Wilhelmsen Serviços de Logística do Brasil LTDA. Rel. Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto. Data de julgamento, 04.12.2018.
BRASIL. STJ SEC n. 4024 / GB (2010/0073632-7). Rel. Minª. Nancy Andrighi) Autuado em 10.05.2010. p. 80.
Notas de Rodapé
[1] Árbitro; Pesquisador; Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito; Professor de Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Coordenador do Departamento de Pós-Graduação em Direito Internacional Econômico, bem como do Grupo de Estudos na Graduação de Arbitragem e Comércio Internacional. Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. Editor da RBDCI da RT. O Autor agradece aos advogados Yuri Leite e Camila Simões na pesquisa e compilação de materiais.
[2] “Constituição Política do Império do Brasil de 1824 – Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.”
[3] “Código Comercial de 1850 – Art. 245 Todas as questões que resultarem de contratos de locação mercantil serão decididas em juízo arbitral.”
[4] “Código Civil de 1916 – Art. 1.307 As pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais ou extrajudiciais.”
[5] A Constituição da República de 1934 determina, em seu art. 5º, XIX, letra ‘c’, que compete privativamente à União legislar sobre arbitragem comercial.
[6] Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
[7] “Todas essa considerações mostram que o contrato internacional, atualmente, ultrapassa o estágio doutrinário que assim o considerava a partir da estraneidade ou-não das partes (…). (…)Algumas premissas podem, entretanto, ser enunciadas, em termos proposicionais, a saber: 1. Os contratos internacionais são, casualmente, identificáveis. Significa que os substratos fáticos dos contratos internacionais são formados de dados extremamente sensíveis a todas as atividades operacionais do comércio internacional. (…). 2. Os contratos internacionais são os únicos instrumentos de ação para o comércio internacional, sem vínculos com esquemas legais geograficamente circunscritos. (…). 3. O s contratos internacionais transcendem os limites estritos do Direito, para se converter em instrumento multidisciplinário, em forma de sintetizações oriundas de um processo de complementariedade. 4. Os contratos internacionais não são meros veículos convencionais, mas fórmulas de elaborações conjunturais, que permitem elastificação do objeto em plano de alta diversificação, relativamente a bens usualmente chamados de visíveis e invisíveis. 5. O s contratos internacionais fundamentam-se em sistemas principiológicos mais do que legais, como decorre da noção da lex mercatoria.” (STRENGER, Irineu. Aspectos da Contratação Internacional. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/download/67512/70122/)
[8] “TRANSPORTE MARÍTIMO Seguro – Ação regressiva – Competência estrangeira – Acolhimento – Sentença de extinção – Seguradora que se sub-rogou nos direitos do segurado, restando inaplicável a cláusula de eleição de foro no contrato internacional – Precedente do STJ e desta Corte – Extinção desconstituída – Aplicação do art. 1.013, § 4º, do NCPC, possibilitando julgamento de mérito nesta instância Decadência Inocorrência – Relação originária de compra e venda internacional com condições de venda “incoterms CIF” Contrato de seguro firmado pela exportadora brasileira na modalidade “armazém-armazém” (…) – Recurso provido.” (TJ/SP, Apelação n. 1008082-67.2018.8.26.0100, 15ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, j. em 04.12.2018) (grifos nossos).
[9] Art. 1, Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. (1) Esta Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de mercadorias entre partes que tenham seus estabelecimentos em Estados distintos: (a) quando tais Estados forem Estados Contratantes; ou (b) quando as regras de direito internacional privado levarem à aplicação da lei de um Estado Contratante
[10] Art. 34, parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.
[11] RESP 1.231.554-RJ, j. em 24.05.2011.
[12] In Common Market Law Review, n. 24: 143-157; M. Nijhoff Publishers, Holanda, 1987; Schmitthoff, Clive M.
[13] Interessa notar que o art. 18 da Lei Brasileira de Arbitragem determina expressamente que “O árbitro é juiz de fato e de direito”.
[14] Art. 1º. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[15] Art. 2º. A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
[16] Art. 3º. As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
[17] Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
[18] Art. 9º. O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
[19] O número de arbitragens iniciadas em 2017, em relação a 2016, aumentou 10, 44% (de 249 para 275). Os valores envolvidos em arbitragem mantiveram-se elevados. Em 2017 houve aumento de mais de R$ 2 bilhões (R$ 2.034.858.839,29) em relação a 2016. Em 2017 alcançou o total de R$26,30 bilhões (R$26.308.060.876,05). (In http://selmalemes.adv.br/artigos/An%C3%A1lise-%20Pesquisa-%20Arbitragen s%20Ns.%20e%20Valores-%202010%20a%202017%20-final.pdf). De 2013 para cá, o número de casos em arbitragem passou de 137 para 206. Desse volume, 42% referem-se ao setor de construção civil e infraestrutura … Só na Camarb, o montante das causas soma cerca de R$ 3 bilhões. No Centro de Arbitragem e Mediação (CAM-CCBC), o valor supera os R$ 13 bilhões.
[20] Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
[21] Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça.
[22] MARTINS, Pedro Batista, Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Forense, 2008. p.137.
[23] CAHALI, José. Curso de Arbitragem, 5 ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 139.
[24] “A eficácia positiva encerra a aptidão do árbitro para decidir sobre sua própria jurisdição. Traduz, em si, a função jurisdicional do árbitro. Já a eficácia negativa diz com o momento em que essa competência é exercida. É o árbitro “o primeiro juiz a dizer sobre a sua jurisdição”. O efeito negativo afasta, de plano, qualquer intervenção judicial que se pretenda para dirimir as questões acerca da existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que estiver contemplada”. (MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.137).
[25] WALD, Arnoldo. A interpretação da Convenção de Nova Iorque no direito comparado, Doutrinas Essenciais de Arbitragem e Mediação, v. 5, São Paulo, RT, 2014, p. 509.
[26] Conflito de Competência n. 139.519, Primeira Seção do STJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. em 11.10.2017.
[27] GAILLARD, Emmanuel. O Efeito Negativo da Competência-Competência, Revista Brasileira de Arbitragem, Volume VI Issue 24, p. 219 – 233.
[28] “A eficácia positiva encerra a aptidão do árbitro para decidir sobre sua própria jurisdição. Traduz, em si, a função jurisdicional do árbitro. Já a eficácia negativa diz com o momento em que essa competência é exercida. É o árbitro “o primeiro juiz a dizer sobre a sua jurisdição”. O efeito negativo afasta, de plano, qualquer intervenção judicial que se pretenda para dirimir as questões acerca da existência, validade ou eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que estiver contemplada”. (MARTINS, Pedro Batista. Apontamentos sobre a Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro, Forense, 2008, p.137).
[29] O Código de Processo Civil Brasileiro também sofreu recentes alterações, e estes artigos agora estão numerados como 960 e 961, inaugurando o Capítulo VI, Título I do Livro III, assim redigidos:
Art. 960. A homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado.
§ 1o A decisão interlocutória estrangeira poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória.
§ 2o A homologação obedecerá ao que dispuserem os tratados em vigor no Brasil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
§ 3o A homologação de decisão arbitral estrangeira obedecerá ao disposto em tratado e em lei, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições deste Capítulo.
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.
§ 1o É passível de homologação a decisão judicial definitiva, bem como a decisão não judicial que, pela lei brasileira, teria natureza jurisdicional.
§ 2o A decisão estrangeira poderá ser homologada parcialmente.
§ 3o A autoridade judiciária brasileira poderá deferir pedidos de urgência e realizar atos de execução provisória no processo de homologação de decisão estrangeira.
§ 4o Haverá homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira.
§ 5o A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
§ 6o Na hipótese do § 5o, competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência.
[30] REsp 612.439-RS 2003/0212460-3 – AES Uruguaiana Empreendimentos Ltda. VS. CEEE
[31] Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei 9.307, de 23.09.1996.
[32] TRT da 2º Região, Processo n. 1000439-29.2017.5.02.0709, da 14ª Turma, j. em 10.09.2018.
[33] ANDRIGHI, Fátima Nancy, Arbitragem nas relações de consumo: uma proposta concreta, Revista de Arbitragem e Mediação, Brasília, ano 3, n. 9, p. 13-21, Abril-Junho, 2006.
[34] SEC 4024/2013: “Como se vê, a lei estrangeira, à qual se submetem aqueles que optam pela arbitragem no respectivo país, não exige forma específica para notificação das partes em procedimento arbitral – gize-se terem as partes firmado expressamente que ‘a legislação inglesa pauta este contrato’ (fl. 80) –. Por isso, não há ofensa à ordem pública, mesmo porque o parágrafo único do art. 39 da Lei 9.307/1996 permite a citação da parte residente ou domiciliada no Brasil nos moldes da lei processual do país onde se realizou a arbitragem.”
[35] Pimenta Bueno, Pontes de Miranda e Maria Helena Diniz, entre outros.
[36] Para esse efeito, ver RESP 712.566/RJ de 18.08.2005: “em contratos internacionais, os princípios gerais do direito internacional deve prevalecer em detrimento das leis que regem as especificidades de cada país que autoriza a revisão da cláusula de arbitragem em conformidade com os termos do Protocolo de Genebra de 1923.”
[37] Arts. 1º, 2º, §§ 1º e 2º, e 39, I e II, da LArb; Art. 5º, inc. II, CF; Art. 17, LINDB e Art. 51, VII, CDC