A Responsabilidade Pré-Contratual Trabalhista e a Exigência do Atestado de Antecedentes Criminais do Candidato ao Emprego
Rita Daniela Leite da Silva[1]
Fernando Gustavo Knoerr[2]
Resumo: Analisa-se a licitude da exigência efetuada pelo empregador, como requisito para a admissão do candidato a vaga de emprego, da apresentação de certidão de antecedentes criminais negativa, além dos casos disciplinados na Lei 7.102/83. Para tanto, é analisado os direitos da personalidade inerentes ao candidato, bem como os direitos inerentes ao empregador. Por fim, é analisado a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil pré-contratual na relação de trabalho, à luz da dispensa do candidato ao emprego justificada na exigência de certidão de antecedentes criminais.
Palavras-chave: Direitos da Personalidade – Candidato ao emprego – Certidão de Antecedentes Criminais – Responsabilidade Civil Pré-contratual
Abstract: The legality of the requirement made by the employer, as a requirement for the admission of the candidate the job vacancy, the presentation of a certificate of criminal records, in addition to the cases disciplined in Law 7.102/83. For both, is parsed the personality rights inherent to the candidate, as well as the rights attaching to the employer. Finally, it is analyzed the possibility of application of pre-contractual liability on the employment relationship, the light of the job candidate waiver is justified in requiring a certificate of criminal records.
Keywords: Personality rights – Candidate for employment – Criminal record certificate – Pre-contractual liability
INTRODUÇÃO
Verifica-se comumente que as empresas vêm exigindo dos candidatos ao emprego certificado de antecedentes criminais. Essa exigência vai além da atividade privada, na medida em que os editais dos concursos públicos vêm adotando a exigência da apresentação de certidão de antecedentes criminais do candidato como requisito para sua nomeação no cargo.
A Lei 7.102/83, no âmbito da atividade privada, condiciona a contratação de diretores, vigilantes e demais empregados das empresas de vigilância bancária, a apresentação de certidão negativa de antecedentes criminais. Justifica-se a exigência legal em razão do trabalho realizado por esses empregados de proteção de valores, e também, da própria segurança de empregados das instituições financeiras.
No entanto, relevante a discussão acerca da licitude da mesma exigência em relação à contratação de trabalhadores que, embora em outras atividades, também vão manusear numerários – como caixas –, ou também trabalham com valores sociais importantes como a educação de crianças.
Essa discussão é mais pertinente sob a perspectiva dos direitos fundamentais dos trabalhadores, sobretudo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, e os direitos do empregador, qual seja, direito a informação, propriedade privada e segurança.
Por fim, pretende-se com o presente trabalho, investigar a licitude da exigência de certidão de antecedentes criminais do candidato ao emprego, nos casos em que inexiste previsão legal, e se, em decorrência dessa exigência haverá violação dos direitos da personalidade do candidato ao emprego, em especial à intimidade, vida privada, honra e imagem, analisando para tanto a possibilidade de reparação pelos danos causados pelo empregador ao candidato ao emprego, por intermédio da responsabilidade civil pré-contratual.
1 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO TRABALHADOR EM FACE DA EXIGÊNCIA DE ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS.
A preocupação com os direitos dos humanos não é recente, desde a antiguidade os juristas e estudiosos já se preocupavam com o tema. Contudo, tais direitos tomaram força com o advento do Cristianismo.
Os direitos da personalidade que conhecemos atualmente são relativamente recentes, sua ascensão ocorreu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, efetuado pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, e pela Convenção Europeia de 1950. Algum tempo depois, o Pacto Internacional das Nações Unidas de 1966, trouxe em seu texto os direitos da personalidade como sendo direitos inerentes ao homem, devendo para tanto, serem respeitados e protegidos por todos.
O grande marco histórico para os direitos da personalidade no Brasil se deu com proclamação da Constituição Federal de 1988[3], que os consagrou expressamente em seu art. 5º, inciso X, constituindo assim, um elemento fundamental para o Estado Democrático de Direito.
Neste sentido, verifica-se que existem determinados direitos, considerados fundamentais, sem os quais, a pessoa humana estaria susceptível e vulnerável; são considerados “direitos essenciais” e indispensáveis a todo ser humano, tais direitos são conhecidos como direitos da personalidade, que são considerados a medula da personalidade humana (CUPIS, 2004, p. 24).
Para maior compreensão do tema, faz-se importante apresentar a dicotomia entre os direitos de personalidade e os direitos fundamentais.
Os direitos do homem, também conhecido como direitos fundamentais da pessoa natural, compreendem o conjunto de direitos que apresentam relação com o direito público; visam à proteção do indivíduo contra as deliberações demandadas do Estado. Por outro lado, os direitos da personalidade envolvem os mesmos direitos, todavia, relaciona-se sua aplicação no âmbito particular, desta forma, protegem as relações com outros homens (BITTAR, 2015, p. 56).
Corroborando esse entendimento, Maurício Mazur (2012, p. 24-31) apresenta a distinção dos direitos da personalidade e dos direitos fundamentais, no sentido de que, o primeiro está vinculado ao direito privado, e o segundo ao direito público. Menciona ainda, que os direitos da personalidade são direitos inerentes a todos os demais direitos subjetivos, pois na sua ausência, os demais direitos perderiam seu interesse. Já os direitos fundamentais, visam à proteção de poderes e esferas de liberdades dos indivíduos na relação com o Estado, por intermédio de imposição de deveres de proteção, e da própria ordem jurídica.
Assevera Gunther (2014, p. 14) que os direitos da personalidade têm por objetivo resguardar tudo aquilo que diz respeito à natureza da pessoa humana, como por exemplo, a vida, a liberdade, a proteção de dados pessoais, a integridade física e moral, a honra, a imagem, a vida privada, a privacidade, intimidade, a intangibilidade da família, autoestima, igualdade, segurança, e tantos outros direitos.
Ademais, muitos são os direitos de personalidade dentre os quais a vida, a integridade física, o nome, dentre outros, prevalecendo na doutrina o entendimento que não são numerus clausus.
Desse modo, os direitos da personalidade devem ser respeitados perante a sociedade e protegidos pelo Judiciário, como fator essencial da condição humana.
As empresas têm como função social propiciar aos seus empregados condições que garantam seu mínimo existencial. Dito isso, verifica-se que o empregador deve obedecer aos preceitos fundamentais elencados na Constituição Federal, muito embora confronte com o próprio sistema capitalista, que visa tão somente o lucro (BERTONCINI; CORRÊA, 2012, p. 170).
No caso da exigência de atestados de antecedentes criminais, nos interessa especificadamente compreender o direito a intimidade, a vida privada, honra e imagem.
1.1 Direito à Intimidade
O direito à intimidade tem por finalidade a preservação da privacidade da pessoa em seus múltiplos aspectos, tais como: pessoais, familiares e negociais. Resta evidente, que o avanço da internet e das redes sociais são responsáveis cada vez mais para a difícil preservação do direito à intimidade.
José Afonso da Silva (2007, p. 206-207) esclarece que atualmente vêm se utilizando a expressão direito à intimidade e à vida privada como sendo sinônimos; todavia, segundo o autor essa utilização é equivocada, sob o argumento que a própria Carta Magna em seu art. 5º, X promoveu a distinção. De acordo com referido autor a intimidade abrange o domínio mais secreto da pessoa, o qual pretende afastar do conhecimento de outras pessoas.
Compartilhando desse entendimento Alexandre de Moraes (2007, p. 48) aduz que embora ocorra à interligação destes direitos, eles se distinguem no que concerne seu âmbito de incidência, pois a intimidade tem uma menor amplitude, localizando-se dentro do âmbito de incidência do direito a vida privada.
Portanto, percebe-se que conceituar o direito à intimidade não é tarefa fácil, pois sua utilização é frequente em conjunto com outros direitos, tais como, à vida privada, à honra e à imagem, essa utilização ocorre, uma vez que os direitos mencionados relacionam entre si, contudo não se confunde.
Neste contexto, Alice Monteiro de Barros (2005, p. 600) assevera que a violação ao direito da honra não está relacionada à violação ao direito à intimidade, uma vez que a honra corresponde uma descrição imprópria da vida privada, como é o caso da difamação, por outro lado, o direito à intimidade coíbe qualquer ato de descrição de fatos ligados à esfera íntima da pessoa. Ainda, destaca que prerrogativa de retificação somente é reconhecida nos casos de ofensa ao direito à honra, portanto, não é admitida sua aplicação nos casos de lesão ao direito à intimidade.
Gunther (2008, p. 167) complementa que os direitos da personalidade sofrem ramificações importantes, atingindo além do direito à honra e à intimidade, que estão acoplados aos direitos à integridade moral, o qual visa o direito ao recato, ao segredo, à imagem, à identidade, entre tantos outros. Desde modo, entende-se que o direito ao sigilo abrange a esfera doméstica, familiar e profissional.
Tal direito caracteriza por um direito negativo, onde não se deve dispor da intimidade de outrem, desta forma, o direito a personalidade à intimidade tem por objetivo a confidencialidade da intimidade da pessoa, mas acima de tudo, manter a vontade do titular da intimidade, ao contrário do que ocorre com aquele que promove a divulgação (BITTAR, 2015, p. 174).
Verifica-se que a violação do direito à intimidade ocorre quando determinados aspectos de sua personalidade são expostas. Não obstante, a intimidade refere-se a caráter íntimo restrito, familiar e pessoal, ou seja, é considerada de foro íntimo (ONÇA; SILVA, 2010. p. 248).
Neste tocante, resta evidente a lesão ao direito da intimidade do candidato ao emprego, quando o empregador adota como requisito para a admissão no cargo, a apresentação de atestado de antecedentes criminais, justificando a ausência de admissão neste documento.
1.2 Direito à Vida Privada
Institui o Código Civil[4] em seu artigo 21 que a vida privada é inviolável, devendo ser repudiado qualquer ato contrário a ela. No texto legal, contudo, somente encontra-se assegurada a vida privada da pessoa natural.
Alexandre de Morais (2007, p. 47) observa que os direitos à intimidade e os direitos à imagem, formam o conjunto de direitos protegidos constitucionalmente pelo princípio da vida privada.
Ana Paula Pavelski (2009, p. 155) aduz que “a restrição dessa natureza imposta pelo empregador não só atenta contra os fins econômicos do contrato como também contra os bons costumes e fere o dever de proteção (integridade física do empregado), decorrente da boa-fé”.
Deste modo, a violação aos direitos da intimidade e da vida privada é completamente repudiada pelo ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser aplicada inclusive no processo de contratação trabalhista.
Portanto, tal prerrogativa não está presente somente do decorrer do vínculo empregatício, sendo que sua ocorrência poderá perfeitamente ocorrer durante o processo seletivo do candidato ao emprego.
1.3 Direito à Honra
Cumpre destacar que a violação à honra discerne da violação ao direito da intimidade, pois a lesão à honra relaciona-se a uma exposição imprópria de sua vida privada (ex. difamação), em contrapartida, a lesão ao direito da intimidade está relacionada a qualquer tipo de descrição inexata de sua esfera íntima (BARROS, 2005, p. 422).
O direito da personalidade da honra “significa tanto o valor íntimo do homem, como a estima dos outros, ou a consideração social, o bom nome ou a boa fama, como, enfim, o sentimento, ou consciência, da própria dignidade pessoal” (SPECKER apud DE CUPIS, 2004, p. 121).
Ainda, pode ser dividida em subjetiva e objetiva sendo a primeira o sentimento que cada pessoa faz de sua própria personalidade, ou seja, o juízo que cada pessoa faz de si mesma, em contrapartida, a segunda refere-se à valoração de sua personalidade sob a ótica da sociedade, como o meio social, profissional, político, artístico, comercial e demais ramos (BARRETO, 2005, p. 187-188).
No estudo de casuísticas apresentado por Gunther (2008, p. 176), verifica-se que a lesão ao direito da intimidade está relacionada a questões de foro íntimo, por outro lado, a lesão ao direito à honra ocorre quando há descrição (detalhamento) inexata da vida privada do trabalhador.
Carlos Roberto Bittar (2015, p. 2001) enuncia que a honra é imprescindível de composição da personalidade, sendo conferida a todos, desde seu nascimento e permanecendo inclusive após sua morte. Ademais, o reconhecimento da honra implica na boa fama de que se desfruta no seio da sociedade, alcançando a esfera familiar, profissional, comercial, ou outro.
Assim, resta evidente a violação à honra do candidato ao emprego nas situações em que o empregador extrapola seu poder diretivo e invade sua intimidade, causando sérias lesões a sua honra.
1.4 Direito à Imagem
Não obstante, o direito da personalidade do candidato ao emprego pode ser violado em situações de exposição indevida de sua imagem pelo empregador, sem prévio consentimento do candidato ao emprego.
A exposição indevida da imagem pode estar relacionada a fotografias, vídeos, áudios, documentos e tantos outros.
Ana Paula Pavelski (2009, p. 158) entende que o uso indevido da imagem do empregado constitui abuso do direito do poder diretivo do empregador, uma vez que o desempenho torna-se contrário a finalidade social do contrato de trabalho, pois afronta direito fundamental do empregado, a saber: o direito da personalidade.
Admite-se como uso indevido da imagem o ato de exposição de outrem, sem seu prévio e expresso consentimento. Cumpre destacar que a autorização expressa para uso da imagem da pessoa é considerada imprescritível (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 170).
Vislumbra-se que a exposição indevida da imagem sem prévia autorização macula a imagem do empregado ou mesmo do candidato ao empregado, ridicularizando-o perante toda a sociedade, causando a violação de vários direito de personalidade, tais como a honra, a liberdade.
Importuno se faz mencionar que o dano pré-contratual ocorrido na exposição imprópria da imagem do candidato ao emprego não decorre da obrigação principal do contrato, ou seja, não está relacionado (o dano) ao desempenho de suas funções trabalhistas, mas sim, do abuso do poder diretivo do empregador que fere o princípio da boa-fé nas relações trabalhistas, bem como os direitos da personalidade do candidato ao emprego (DALLEGRAVE NETO, 2014, p. 136).
Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira, implica no fato da parte ter tomado providências tendentes à contratação, efetuando despesas como compra de produtos, assumindo compromissos com terceiros, entretanto, sem prévia justificativa a parte recua da realização do contrato, causando uma série de prejuízos à outra parte (1999, p. 73).
Assim, verifica-se que o empregador poderá de várias formas violar o direito da personalidade do candidato ao emprego na fase pré-contratual, gerando danos muitas vezes irreversíveis à sua intimidade, à sua vida privada, à sua honra, bem como, à sua imagem. Um grande exemplo disso ocorre quando o empregador solicita ao candidato ao emprego, certidão de negativa de antecedentes criminais, sem fundada justificativa.
2 OS FUNDAMENTOS DA LEI 7.102/83 E A TUTELA DA ATIVIDADE PRIVADA
O fundamento do legislador para a edição da Lei 7.102/83 (Lei de Segurança dos Estabelecimentos Financeiros), foi o de resguardar a segurança privada das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transportes de valores, bem como, de outras providências vinculadas. No entanto, observa-se outros.
À luz desta problemática, passaremos a analisar os direitos tutelados das empresas que embasam a sua exigência de apresentação de atestado de antecedentes criminais do candidato ao emprego, quais sejam: direito a informação, propriedade privada e segurança.
É assegurado ao empregador o direito de informação, que consiste em duas perspectivas, sendo elas, a liberdade de informar e a liberdade de ser informado.
Neste sentido, a liberdade de informação refere-se à procura, o acesso, o recebimento e a difusão de ideias, os quais não podem ser aplicados a censura (SILVA apud FACHIN, 2012, p. 267).
Carlos Roberto Bittar (2015, p. 177) observa que o direito à intimidade sofre limitações, geradas em virtude dos interesses da coletividade e pelo aprimoramento do desenvolvimento de atividades estatais, como por exemplo, a exigência de informação, para a constituição de bancos, empresas ou centros, de caráter público ou privado, de dados, de interesse negocial. Ainda, menciona que o interesse coletivo sobrepõe ao interesse particular, de modo que, faz-se necessário analisar cada caso em particular, viabilizando a reação jurídica compatível.
É conferido às empresas o direito à segurança, deste modo, lhe é permitido adotar medidas visando à inviolabilidade da segurança de sua empresa, ou propriedade privada, bem como de seus clientes, visto que sua violação, eventualmente, não causaria apenas danos a seu patrimônio, mas sim, causariam danos aqueles que expressaram confiança na sua prestação de serviços, seus clientes, comprometendo para tanto, seu prestígio empresarial.
Assim, a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, XXII, inseriu o direito a propriedade privada no rol dos direitos fundamentais, abrangendo todo o patrimônio, sendo considerado um conjunto de direitos e obrigações economicamente estimáveis.
3 O CONFLITO ACERCA DE LICITUDE DA EXIGÊNCIA DE ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO CANDIDATO AO EMPREGO E OS DIREITOS INERENTES AO EMPREGADOR
Verifica-se que são várias as formas de violação dos direitos da personalidade do candidato ao emprego pelo empregador, restando evidente que a violação a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, caracterizam situações passíveis de reparação moral.
Ademais, cumpre destacar que integram os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal do Brasil promover o bem de todos, sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV, da CRFB/1988).
Por outro lado, mesmo os empregadores que não exploram atividades de vigilância bancária, vêm exigindo dos candidatos ao emprego certidão negativa de antecedentes criminais, objetivando a proteção de seus direitos fundamentais, tais como a integridade física e a propriedade.
Verifica-se, em verdade, colisão de direitos fundamentais, sendo eles: os direitos do candidato ao emprego de ressocialização, e os direitos do empregador, direito a informação, a segurança privada, entre tantos outros.
Na concepção de Marcelo Malizia Cabral (2012, p. 115), quando observa-se situações que causariam uma colisão entre os direitos de personalidade e o direito de informação, o dever de preservar a vida privada ou mesmo a privacidade do indivíduo dependerá de uma série de peculiaridades, entre elas a natureza do caso, ou seja, a justa identificação, avaliação e ponderação do conjunto de bens ou interesses juridicamente relevantes na concreta situação ou relação jurídica de personalidade.
Ainda, na concepção de Marcelo Malizia Cabral (2012, p. 127), quando ocorrer à colisão de direitos deve-se verificar primeiramente o âmbito de proteção e de colisão dos direitos, sendo que a interpretação de cada um dos direitos deve ser analisada no contexto global da ordem jurídica.
A Lei 7.102/83 foi criada visando à segurança privada, regulamentando a exigência de certidão negativa de antecedentes criminais para contratação de vigilantes bancários, diretores e demais empregados das empresas especializadas.
O Tribunal Regional do Trabalho da Nona Região ao analisar a problemática da utilização por analogia da Lei 7.102/83 no processo de contratação, exigindo a apresentação de atestado de antecedentes criminais, como requisito para a admissão no cargo, entendeu que o acesso à certidão de antecedentes criminais é assegurado a todos, e a investigação social do candidato é feita inclusive para investidura em cargos públicos, não implicando violação à dignidade, intimidade ou à vida privada das pessoas (BRASIL. TRT 4ª REGIÃO, 2011).
Ademais, entendeu que em situações nas quais a atividade desempenhada pelo trabalhador, importa adentrar na casa dos clientes para a montagem de móveis, além de lidar com numerários e mercadorias de valores, justifica a exigência importa pela empresa de apresentação de atestado de antecedentes criminais, portanto, não contemplam ato discriminatório, mantendo sua dignidade intacta (BRASIL, TRT 4ª REGIÃO, 2011).
Na decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho o Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado enfatizou que a exigência de antecedentes criminais em entrevista de admissão em emprego para exercício de cargo de atendente com acesso a dados pessoais de clientes, deverá ser analisado os limites do poder diretivo empresarial contraponto de princípios constitucionais: princípio do amplo acesso a informações, especialmente oficiais, em contrapartida ao princípio da proteção à privacidade e ao princípio da não discriminação. Neste sentido, salienta o Relator que a análise deverá ser realizada com ponderação (BRASIL, TST – RR 102400-35.2013.5.13.0007 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 30.05.2014).
Por outro lado, na mesma decisão o Ministro Mauricio Godinho Delgado enfatiza que, também é consagrada pela Constituição Federativa do Brasil o princípio da proteção à privacidade (art. 5º, X, da CF) e o princípio da não discriminação (art. 3º, I e IV; art. 5º, caput; art. 7.º, XXX, CF). Nessa contraposição de princípios constitucionais, a jurisprudência tem conferido efetividade ao princípio do amplo acesso a informações públicas oficiais nos casos em que sejam essenciais, imprescindíveis semelhantes informações para o regular e seguro exercício da atividade profissional, tal como ocorre com o trabalho de vigilância armada – regulado pela Lei 7.102 de 1982, art. 16, VI – e o trabalho doméstico, regulado pela Lei 5.859/72 (art. 2º, II). Em tais casos delimitados, explicitamente permitidos pela lei, a ponderação de valores e princípios acentua o amplo acesso a informações (mormente por não se tratar de informações íntimas, porém públicas e oficiais), ao invés de seu contraponto principiológico também constitucional. Contudo, não se mostrando imprescindíveis e essenciais semelhantes informações, prevalecem os princípios constitucionais da proteção à privacidade e da não discriminação (BRASIL, TST – RR 102400-35.2013.5.13.0007 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 30.05.2014).
O posicionamento acima relatado foi utilizado para fundamentar a casuística examinada pelo Tribunal Superior do Trabalho, ao qual se verificou a dispensa da candidata à função de operador de telemarketing ou de call center. Na decisão proferida o TST, entendeu pela ausência dos requisitos necessários para a adoção de tal procedimento, sendo eles em função de cargo de confiança, onde o empregado portaria valores, ou tivesse acesso a danos pessoais de seus clientes, considerando no caso concreto preponderante os princípios do respeito à privacidade e do combate à discriminação, responsabilizando a empresa pela lesão moral causada a candidata (BRASIL, TST – RR 102400-35.2013.5.13.0007 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DEJT 30.05.2014).
No mesmo sentido, em decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, o julgador ao fundamentar seu entendimento, aludiu que é vedada qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ainda asseverou que a exigência de atestado de antecedentes criminais, quando não justificada em razão do cargo, configura ato discriminatório e limitador do acesso ao emprego, lesando por si só, a integridade moral do trabalhador afetado garantida pela Constituição Federal (BRASIL, TST, 2015).
Ainda, neste sentido, o Tribunal Regional do Trabalho da Nona Região entendeu que a exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais para o candidato ao emprego, mesmo sendo justificada, causa violação à dignidade do candidato, ferindo seu direito a intimidade e à vida privada, nos termos do artigo 5º da Constituição Federal. Por outro lado, menciona o julgador que a solução do problema, pois exige a ponderação de valores, visto que confronta o direito do empregador ao resguardo de sua segurança e de seu patrimônio, bem como de seus clientes, e por outro lado, o direito do candidato ao emprego, que lhe é assegurado o resguardo de sua intimidade. Deste modo, somente com a análise de cada caso em particular, pode-se indicar a razoabilidade da exigência (BRASIL, TRT 9ª R, 2013).
Ademais, verifica-se que as informações das quais o empregador se apropria emprestam falso caráter desabonador do candidato ao trabalho, sem lhe dar chances de apresentar seu contraponto. Além disso, tratam-se de informações pessoais relativas à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do indivíduo, bens constitucionalmente protegidos nos termos do art. 5º, inciso X, da Carta Magna, e que, por isso, têm sua divulgação e acesso restringidos nos termos do Capítulo VII do Decreto 7.724, de 16.05.2012 (artigo 55 e seguintes), o qual regulamenta a Lei 12.527/11, que dispõe sobre o acesso a informações (BRASIL, TRT 4ª R, 2014).
É necessário frisar que, caso o empregador utilize banco de dados para obter informações a respeito de antecedentes criminais relativas ao empregado ou candidatos a emprego, tal fato, não gera o dano discriminatório, pois é necessário à comprovação da realização da pesquisa efetuada pelo empregador, e que este tenha sido o fato impeditivo para a admissão do candidato ao emprego.
Vislumbra-se que a exigência de atestado de antecedentes criminais em casos análogos a Lei 7.102/83 pode ser admitida, deste que fundada na tutela concreta de outro direito fundamental, sob pena de caracterizar ato discriminatório, atentatório aos direitos da personalidade do candidato ao emprego. Este vem sendo um dos critérios adotados pelo judiciário brasileiro para a caracterização do ato discriminatório, passível de reparação moral.
Conforme apresentado nas decisões elencadas acima, a exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais nos casos não previstos na Lei 7.102/83, sem justificativa plausível, vem gerando várias discussões no âmbito jurídico.
Para uma parte da jurisprudência a exigência fere os direitos da personalidade, ocorrendo à violação do direito a intimida, à vida privada, à honra e à imagem do candidato ao emprego, por outro lado, existe o entendimento que é amparado ao empregador o direito ao resguardo de sua segurança e de seu patrimônio.
O conflito de direitos que envolvem empregador e candidato ao emprego na fase pré- contratual é polêmica, portanto, é necessária muita cautela durante o processo seletivo, devendo contemplar esta fase a boa-fé.
4 RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL TRABALHISTA E A EXIGÊNCIA DO ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO CANDIDATO AO EMPREGO.
Após a exposição acerca da legalidade da exigência de certidão negativa de antecedentes criminais nos casos análogos aos tratados pela Lei 7.102/83, neste capítulo será realizado um estudo mais aprofundado a respeito da responsabilidade civil pré-contratual nas relações trabalhistas e sua aplicabilidade no caso em loco.
Conforme retratado acima embora o empregador tenha a liberdade de contratar, a dispensa do candidato ao emprego tendo como justificativa tão somente a existência de certidão positiva de antecedentes criminais, exceto para os casos em que a dispensa é justificada em razão da função a ser realizada no emprego, pode caracterizar violação aos direitos da personalidade do candidato ao emprego.
Nestes casos, pode ensejar ao empregador a responsabilidade civil pré-contratual. Ocorre que para adentrarmos ao tema proposto na presente pesquisa – responsabilidade pré-contratual trabalhista e a exigência do atestado de antecedentes criminais do candidato ao emprego – primeiramente se faz necessário entender, ainda que de forma geral, alguns aspectos ligados à responsabilidade civil.
A responsabilidade civil inicialmente era definida tão somente como sendo uma obrigação de reparar os danos causados por culpa, definidos por lei, deste modo, a ideia central da responsabilidade civil consistia na obrigação de reparar o dano ou de sofrer a pena.
No entanto, com o decorrer dos tempos o conceito de responsabilidade civil sofreu algumas readequações, complementando o conceito inicial, foi acrescida outra obrigação, qual seja, a obrigação de fazer -violada pela infração, e a de reparar ou sofrer a pena (RICOEUR, 2008, p. 42-43).
Já na concepção de Teresa Ancona Lopez (2013, p. 9) a responsabilidade civil no século XXI, é constituída por três funções principais, sendo elas: função compensatória (função principal), responsável pela reparação integral de todos os danos sofridos; função dissuasória, responsável por gerar efeitos preventivos, como é o caso da teoria dos punitive damages, com caráter de pena privada com fundamento econômico, e por fim, a função preventiva em sentido lato, responsável pela antecipação de riscos e danos (princípio da precaução e da prevenção).
Assim o dever de indenizar torna-se fundamental para o reconhecimento adequado da responsabilidade civil, uma vez que a obrigação de reparar o dano tem como origem o ato ilícito, ensejando assim o dever de reparar os danos causados.
Já a responsabilidade pré-contratual poderá ocorrer quando as negociações preliminares foram indevidamente cessadas, se o contrato for inválido ou mesmo ineficaz, ou ainda se o contrato embora válido e eficaz violar o princípio da boa-fé objetiva, no momento das tratativas do negócio (POPP, 2001, p. 100-101).
Complementa Carlyle Popp (2001, p. 105-106) que a o princípio da boa-fé objetiva está também contextualizado no princípio da dignidade da pessoa humana, pois tem como o mesmo valor substancial, a ética. Deste modo, torna-se impossível falar em dignidade negocial sem a ocorrência da boa-fé.
Observa-se que a responsabilidade civil pré-contratual não decorre de infração na obrigação principal do contrato, e sim da violação ao dever de conduta dos sujeitos do contrato, caseados no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da boa-fé.
Na esfera trabalhista, verifica-se que o contrato de trabalho é considerado um negócio jurídico bilateral, acarretando direitos e obrigações recíprocas aos contratantes.
Para tanto, evidencia José Affonso Dallegrave Neto (2014, p. 143) que a ruptura injustificada da realização do contrato de trabalho, poderá ser considerada uma violação do princípio da boa-fé, aplicando-se como um direito relativo aos pré-contratantes. Por isso, a recusa injustificada da contratação constitui dano sujeito à reparação, pois, gerou expectativa da celebração do contrato de trabalho, ostentando as partes a condição de contratantes.
Entende-se por recusa injustificada de contratação, as situações em que o empregador cancela a contratação do candidato ao emprego, por ser constatado através de certidão positiva de antecedentes criminais, a existência de processo criminal contra o mesmo.
Por outro lado, são consideradas justificadas a recusa de contratação pelos mesmos motivos, caso o cargo que candidato ao emprego iria exercer tenha como condição exercer função de confiança ou lidar com valores.
O dano pré-contratual não decorre tão somente da frustração injustificada da contratação, mas também na transgressão de deveres de comportamento dos contratantes.
A dispensa do candidato ao emprego justificada tão somente na certidão positiva de antecedentes criminais, poderá ser implicada ao empregador a responsabilidade civil com base na teoria da perda de uma chance.
Para Vera Andrighi (2014, p. 252) a teoria da perda de uma chance poderá ser aplicada nos casos em que o ato ilícito suprime da vítima a oportunidade de obter uma condição futura melhor, como progredir no trabalho, arrumar um novo emprego etc. todavia, salienta a autora que sua aplicação trate de uma chance real e séria, onde há condições de concorrer a situação futura esperada.
Portanto, quando verificada a violação do princípio da dignidade humana e do princípio da boa-fé objetiva no processo de contratação trabalhista, é resguardado ao candidato ao emprego buscar a reparação pelos danos que lhe foram causados, através da responsabilidade civil pré-contratual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No atual cenário mundial, verifica-se a necessidade de se assegurar uma excessiva confiança no meio empresarial, por outro lado, a ressocialização do infrator é se suma importância, uma vez que tem como objetivo principal proporcionar ao infrator meios de desmarginalizá-los, evitando a prática de novos delitos. Sendo dever de todos impulsionar a promoção social das pessoas e coibir quaisquer práticas discriminatórias.
O debate acerca da licitude da exigência do atestado de antecedentes criminais do candidato ao emprego confronta valores tutelados pela Constituição Federal de 1988, especificadamente, os direitos relativos à pessoa do candidato ao emprego, de um lado, e os direitos referentes ao titular da atividade econômica, do outro.
Com a criação da Lei 7.102/83, abriu precedentes para sua utilização por analogia. Todavia, na oportunidade não se vislumbra a possibilidade de colisão com os direitos essenciais do trabalhador.
A solução para essa colisão entre direitos essenciais requer muita cautela, devendo ser analisado cada caso em particular, pois, embora, seja legítima ao titular da atividade econômica buscar a proteção da segurança de seu empreendimento, favorecendo seus clientes e outros empregados, entre outros, a banalização da exigência do atestado frustraria outro direito, que é o da reinserção do ex-detento no mercado de trabalho e sua estigmatização.
Ademais, caso seja realizada a dispensa do candidato ao emprego de forma a violar os seus direitos constitucionais, ou seja, de forma injustificada, poderá ser aplicada a responsabilidade civil pré-contratual, onde o empregador será responsabilizado pelos danos causados ao candidato ao emprego.
Todavia, para a realização de tal responsabilização devem ser obedecidos alguns requisitos, sendo eles: violação do princípio da boa-fé; expectativa da celebração do contrato de trabalho, ostentando as partes a condição de contratantes, e ocorrência de ato ilícito responsável por suprimir a vítima chance real e séria de condição futura melhor.
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Notas de Rodapé
[1] Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR (2012) – E-mail: rit_daniela@hotmail.com
[2] Doutor, Mestre em Direito do Estado e Bacharel pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É Professor do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, Professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Paraná e da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná.
E-mail: fernando@sellosknoerr.com.br
[3] “CF, art. 5º, X. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
[4] “CC, art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.