DOI: 10.19135/revista.consinter.00021.23

Recebido/Received 03/06/2025 – Aprovado/Approved 04/08/2025

Silvia Andréia Evangelista Assunção Toledo[1] – https://orcid.org/0009-0007-4662-4600

Luiz Alberto Gurgel de Faria[2] – https://orcid.org/0000-0002-9515-3506

Resumo

O presente artigo realiza uma análise histórica e crítica do regime de substituição tributária progressiva do ICMS, desde sua origem normativa até sua consolidação legislativa e jurisprudencial. Parte-se da hipótese de que, embora legitimado por fundamentos constitucionais e doutrinários, o regime tornou-se disfuncional, especialmente em setores com margens comerciais variáveis, como o farmacêutico, gerando distorções que comprometem a justiça fiscal e a segurança jurídica. O estudo adota abordagem qualitativa, com método jurídico-dogmático, combinando revisão bibliográfica, análise normativa e jurisprudencial, além de um estudo de caso sobre sua aplicação no setor farmacêutico. Os resultados indicam que a adoção de bases de cálculo presumidas descoladas da realidade de mercado tem causado problemas relevantes e aumento de litígios tributários. Diante da promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui o novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), concluise que o modelo tende à obsolescência prática, cabendo ao presente estudo esclarecer seus limites e reconhecer o legado institucional do regime, contribuindo para um sistema tributário mais justo, eficiente e alinhado à realidade econômica.

Palavras-chave: ICMS; Substituição tributária progressiva; Reforma Tributária; IBS; Justiça Fiscal; Setor Farmacêutico.

Abstract

This article presents a historical and critical analysis of the progressive tax substitution regime under the ICMS (Tax on the Circulation of Goods and Services), from its normative origin to its legislative and jurisprudential consolidation. The hypothesis is that, although legitimized by constitutional and doctrinal foundations, the regime became dysfunctional, particularly in sectors with variable commercial margins, such as the pharmaceutical sector, generating distortions that compromise fiscal justice and legal certainty. The study adopts a qualitative approach, using a legal-dogmatic method, combining bibliographic review, normative and jurisprudential analysis, and a case study on its application in the pharmaceutical sector. The results indicate that the use of presumptive tax bases disconnected from market reality has caused significant problems and increased tax litigation. In light of Constitutional Amendment No. 132/2023, which establishes the new Tax on Goods and Services (IBS), the article concludes that the model tends toward practical obsolescence. The study seeks to clarify its limitations and recognize the institutional legacy of the regime, contributing to a fairer, more efficient, and economically aligned tax system.

Keywords: ICMS; Progressive tax substitution; Tax reform; IBS; Fiscal justice; Pharmaceutical sector.

Sumário: 1. Introdução. 2. A substituição tributária no âmbito do ICMS. 2.1. Fundamentos constitucionais e limites práticos da substituição tributária progressiva do ICMS. 3. Evolução do instituto e suas consequências para o regime. 3.1. A crise de equilíbrio entre a garantia do contribuinte e a praticidade fiscal da substituição tributária. 3.2. A controvérsia da complementação de ICMS-ST e os limites constitucionais do regime. 3.3. O setor farmacêutico como exemplo das distorções do regime de substituição tributária. 4. Superação legislativa do ICMS-ST com a implementação do IBS. 5. Considerações finais. 6. Referências. 

1  INTRODUÇÃO

O instituto da substituição tributária é regime antigo nos ordenamentos jurídicos[3] e foi se amoldando conforme as necessidades existentes em cada legislação. No Brasil, a substituição tributária, especialmente a progressiva, vem sendo adotada e aplicada desde a década de 1960, tanto na cobrança do IPI quanto na cobrança do ICMS, cuja trajetória de evolução e aplicação este estudo se propõe a percorrer[4].

De acordo com as propostas legislativas (Brasil, Câmara dos Deputados, 1991, p. 0978[5]) e a doutrina mais especializada (Ávila, 2006, p. 97; Greco, 1998, p. 7), a substituição tributária progressiva foi instituída como instrumento consagrador do princípio da praticidade na tributação[6]. O objetivo era levar economia, eficiência e celeridade ao processo de arrecadação e fiscalização do ICMS, em setores que demandavam uma fiscalização muito pulverizada. O resultado era um grande volume de sonegação, trazendo consequente prejuízo aos fiscos estaduais e à livre concorrência.

No atual cenário de transição promovido pela Emenda Constitucional nº 132/2023, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição ao ICMS, a análise da substituição tributária progressiva adquire um caráter histórico e crítico, fundamental para compreender os limites e os legados desse modelo que tende à superação.

Levando-se em conta as particularidades que envolvem as expectativas dos Fiscos Estaduais e dos contribuintes, este trabalho tem como objetivo avaliar, de forma histórica e crítica, os fundamentos, a evolução e as disfunções do regime de substituição tributária progressiva do ICMS, à luz da legislação, da jurisprudência e do contexto atual de transição para o novo modelo tributário instituído pela EC nº 132/2023. Assim, o propósito é analisar criticamente os fundamentos, a evolução e os efeitos práticos do regime de substituição tributária progressiva do ICMS, tal como adotado pelos Estados, destacando suas disfunções estruturais e a sua superação iminente com a adoção do novo modelo tributário instituído pela EC nº 132/2023[7].

Parte-se da hipótese de que a substituição tributária progressiva do ICMS, embora respaldada constitucionalmente, perdeu sua efetividade prática, tornando-se incompatível com os princípios da justiça fiscal, especialmente diante da estrutura proposta pela EC nº 132/2023.

Analisando os fundamentos constitucionais e as finalidades buscadas com a substituição tributária, propôs-se elucidar que o regime sempre foi constitucional, tanto sob a égide da Constituição anterior como na vigência da atual, recebendo apenas inovações e interpretações – na tentativa de sanar algumas das muitas imperfeições apontadas pela doutrina[8] – mas que acabaram por trazer grande complexidade na aplicação do regime.

Isso porque uma das maiores dificuldades atuais em se operacionalizar a substituição tributária no âmbito do ICMS é, sem dúvida, a consideração de múltiplos fatores e circunstâncias para mensurar um padrão de bases presumidas que não se desloque demais da realidade de preços de cada mercado econômico. 

Considerando esses fatores, a análise aponta para a necessidade de compreender os limites históricos e estruturais do regime de substituição tributária progressiva, destacando que suas disfunções tornaram-se incompatíveis com os princípios constitucionais tributários e com as exigências de racionalidade econômica. Com a transição para o novo sistema tributário instituído pela EC nº 132/2023, mostra-se indispensável reconhecer os equívocos do modelo anterior, a fim de que não se repitam em eventuais mecanismos de arrecadação concentrada no futuro.

Nesse sentido, o estudo também busca evidenciar como os problemas enfrentados na aplicação do regime – especialmente em setores como o farmacêutico – oferecem importantes lições para o desenho de futuras políticas tributárias, contribuindo para que os vícios do passado não se repitam na nova ordem fiscal instituída pela reforma.

A metodologia adotada é qualitativa, com enfoque jurídico-dogmático e análise crítica. O método utilizado combina revisão bibliográfica, análise legislativa e jurisprudencial, e estudo de caso aplicado ao setor farmacêutico, com o intuito de examinar a adequação do regime à luz do novo modelo constitucional tributário.

2  A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA NO ÂMBITO DO ICMS

Para compreender a atual obsolescência prática do regime de substituição tributária progressiva do ICMS, é necessário examinar sua origem normativa e a lógica jurídica que o sustentou desde sua institucionalização.

Em que pese no direito brasileiro existir outras formas de substituição tributária[9], este trabalho será focado na substituição tributária progressiva, instituto que foi introduzido para facilitar a arrecadação do ICMS, originando-se por meio do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/1966), art. 58, § 2º, II[10], alterado em seguida pelo Ato Complementar nº 34, de 30/01/1967[11]

Na sequência, o Decreto-Lei nº 406, de 31/12/1968, por meio do art. 13, revogou expressamente esses dispositivos, tendo sido promulgada a Lei Complementar nº 44, de 07/12/1983, dispondo sobre a denominada “substituição tributária progressiva” e comumente denominada “substituição tributária para frente”.

Por fim, a Constituição Federal confirmou o instituto com a Emenda Constitucional nº 03, de 17/03/1993, que acrescentou o § 7º ao art. 150, assegurando garantias aos contribuintes12. Neste regime, o legislador indica o responsável pelo recolhimento relativamente a fato futuro e incerto, com atribuição de um valor sugerido (também incerto), havendo definição, por antecipação, do sujeito passivo de uma obrigação não acontecida, que se presume venha a ser realizada no futuro (Melo, 2002, p. 180).

Conforme afirma Torres (2001, p. 100[12]), na substituição tributária progressiva, o montante do imposto que haveria de ser recolhido em todo ciclo de circulação da mercadoria é antecipado pelo contribuinte que deu início a esse ciclo, recolhendo-se desde logo aos cofres públicos o montante que, presumidamente, seria devido ao longo do processo de agregação do valor tributável. A este contribuinte, que recolhe o valor presumido do imposto de toda a cadeia de circulação, dá-se o nome de substituto tributário. 

Confirmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, especialmente no RE 593.849 (Brasil, STF, 2006), a tributação sobre o substituto se reveste de mera antecipação do pagamento do tributo, o qual ficará nos cofres públicos em condição suspensiva de ocorrência do fato jurídico tributário do substituído (Torres, 2001, p. 100). Dessa forma, somente com a ocorrência do fato gerador pelo substituído, reconhecido pelo ato de lançamento próprio, é que se dará a concretização do fato imponível tributário, restando para o substituído a legitimidade para buscar possíveis diferenças recolhidas a maior pelo substituto[13].

2.1  Fundamentos constitucionais e limites práticos da substituição tributária progressiva do ICMS

A substituição tributária foi concebida pelos fiscos estaduais como um instrumento voltado à racionalização da arrecadação e à facilitação da fiscalização, especialmente em setores econômicos de difícil controle. Greco (1998, p. 7) destaca que o regime visa assegurar uma arrecadação eficiente e compatível com a estrutura administrativa do Estado. 

Por sua vez, o Ministro Ilmar Galvão, no relatório de seu voto na ADI nº 1851-AL, sustenta que a substituição tributária possui, além da finalidade arrecadatória, o objetivo de alcançar maior justiça fiscal, porque distribui equitativamente a carga tributária que o sistema propicia, ao evitar a sonegação. Nesse sentido, assevera que, “por meio do instituto, a obrigação tributária é transferida àquele que oferece melhores condições para o seu cumprimento” (Brasil, 2002, p. 155).

Valendo-se da doutrina de Greco (1998, p. 40), este afirmou que a relação “praticidade x eficiência” na substituição tributária é capaz de viabilizar a tributação de setores de difícil fiscalização e arrecadação, com vistas a evitar a necessidade de fiscalização de um grande número de contribuintes, centralizando a máquina-fiscal do Estado em um universo consideravelmente menor, o que resulta na redução do custo operacional e consequente diminuição da evasão fiscal, e propicia maior comodidade, economia, eficiência e celeridade na atividade estatal, ligada à imposição tributária (Brasil, 2002, p. 171).

Inicialmente concebida como medida excepcional para situações específicas de pulverização na cadeia de distribuição, a substituição tributária acabou se expandindo de forma generalizada, o que comprometeu parte de sua eficácia prática, como será demonstrado ao longo deste trabalho.

Ricardo Siqueira de Carvalho, reproduzindo as lições de Becker e de outros doutrinadores, afirma que, como noutros ramos do direito, o legislador, diante da necessidade que o cerca e olhando para a realidade econômica e social brasileira, precisou que a tributação fosse algo praticável e eficaz, de modo que a regra jurídica pudesse avaliar e alcançar fatos econômicos, elevados à condição de fatos jurídicos pela lei, selecionando signos diretos e indiretos de riqueza, de cuja manifestação presume a sua existência (Carvalho, 2017, p. 245). 

Na síntese de Becker, é para atender à praticabilidade[14] que o legislador simplifica a realidade, elegendo fatos signos presuntivos de riqueza, que, se confrontados com o problema prático, resultam no caminho escolhido: “o de perder em justiça absoluta aquilo que ganha em certeza e praticabilidade do Direito Tributário” (Becker, 2018, p. 538).

Becker (2018, p. 538-539) pontua, ainda, que a praticabilidade e a certeza da incidência das regras jurídicas tributárias sempre induziram e ainda induzem o legislador a escolher, como elementos integrantes da hipótese de incidência, signos econômicos (fatos econômicos) ou signos jurídicos (fatos jurídicos), cuja existência faz presumir determinado gênero e espécie de renda ou de capital, justamente o que ocorre com o fenômeno da substituição tributária.

Não obstante os fundamentos constitucionais e doutrinários que legitimaram sua criação, a substituição tributária progressiva do ICMS passou, com o tempo, a ser aplicada de forma progressivamente desconectada desses princípios estruturantes. A ausência de limites objetivos para sua aplicação, aliada à complexidade na fixação de bases presumidas, contribuiu para o desvirtuamento do regime em muitos setores econômicos. Essa desconexão será explorada nos tópicos seguintes, inclusive com base na análise concreta de sua aplicação no setor farmacêutico, e reforça a pertinência da sua superação com a nova ordem constitucional tributária estabelecida pela EC nº 132/2023.

3  EVOLUÇÃO DO INSTITUTO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O REGIME

A Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/1993, que acrescentou o § 7º ao art. 150, prestou-se a inserir no sistema uma garantia constitucional aos contribuintes, da imediata e preferível restituição para os casos de não acontecer o fato jurídico tributário presumido, como forma de limitação constitucional ao poder de tributar (Torres, 2001, p. 89).

Conforme demonstra Heleno Taveira Torres (2001, p. 89), a partir dessa inovação, toda e qualquer forma de substituição tributária que se pretenda criar no direito brasileiro passou a receber limitações bem definidas, quais sejam: (I) deve ser assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido; (II) por decorrência, o regime jurídico aplicável à tributação deve ser sempre o do substituído e não do substituto, já que a tributação definitiva deve se verificar sempre sobre aquele; (III) a lei definidora do regime típico aplicável deverá ser sempre a da data das operações substituídas, garantindo-se a necessária restituição do quanto eventualmente tenha sido pago a maior naquela operação. 

No ano 2000, o julgamento do RE nº 213.396-53 (Brasil, 2000), de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, demonstrou que a substituição tributária progressiva já se encontrava suficientemente amparada no art. 6º, §§ 3º e 4º, do Decreto-Lei n. 406/68[15] – portanto independentemente e antes da introdução do § 7º ao art. 150 da Constituição. Na oportunidade do julgamento, as objeções existentes sobre a exigência do tributo antes da ocorrência do fato gerador foram devidamente afastadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que se utilizou da doutrina de Greco (1998, p. 09-78), no sentido de que a constitucionalidade do sistema é caracterizada quando presentes três requisitos: necessidade, adequação e proporcionalidade17

Em 2002 ocorreu o julgamento da ADI nº 1.851/AL (Brasil, 2002), também de relatoria do Ministro Ilmar Galvão, na qual se objetivou prevenir guerra fiscal resultante de concessão, por alguns Estados, da restituição das diferenças apuradas sobre a base efetiva do fato gerador do ICMS-ST. Com o julgamento, restou consignado que a presunção do fato gerador não era provisória, mas definitiva, não gerando ao contribuinte direito a qualquer restituição, tampouco à complementação de imposto – salvo, no primeiro caso, na hipótese da não realização do fato gerador. Seguindo os mesmos fundamentos do RE nº 213.396/SP, o Ministro Ilmar Galvão deu sequência às lições de Greco (1998, p. 44-78), acentuando que a substituição tributária é opção legislativa, mas não pode ser arbitrária, devendo sempre atender aos requisitos de necessidade, adequação e proporcionalidade (Brasil, 2002, p. 19-21).

Até este ponto, em que pese a decisão de definitividade do fato gerador presumido haver suprimido um direito constitucionalmente garantido ao contribuinte, a partir da análise desses julgamentos (RE nº 213.396/SP e ADI nº 1.851/AL), verifica-se que o regime de substituição tributária precisa ser aplicado atentando-se a diversas circunstâncias fáticas, seja do setor econômico ao qual está inserido, seja das particularidades do produto, seja dos contribuintes que irá impactar. 

Finalmente, em 2017, o julgamento do RE nº 593.849/MG (Brasil, 2017), de relatoria do Ministro Edson Fachin, promoveu a mudança de interpretação consolidada da Corte, com a superação parcial do precedente criado na ADI nº 1.851/AL18. O julgamento, na sistemática da repercussão geral, deu origem ao Tema 201, fixando a tese segundo a qual “é devida a restituição da diferença do ICMS paga a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”, com efeitos a partir da data de publicação da ata de julgamento19. Referido julgamento permitiu constatar que se priorizou a justiça fiscal, mas, em contrapartida, talvez o instituto tenha sido prejudicado por uma evolução jurisprudencial que tenha endurecido a medida (na ADI 1.851/AL) para depois afrouxá-la (no RE 593.849/MG), de maneira tal que o instituto tenha se perdido em seus fundamentos e finalidades. 

Diz-se isso porque, no julgamento da ADI nº 1.851-04/AL, quando se definiu que a base presumida seria definitiva, tentou-se preservar uma finalidade essencial do instituto: a praticidade da arrecadação e fiscalização em razão de um interesse público. No entanto, os Estados, sem limites impostos no julgamento ou na legislação, começaram a utilizar o instituto como forma de aumentar a arrecadação, obrigando a sua utilização em setores que não atendiam aos requisitos para sua imposição. Isso ocasionou prejuízos aos contribuintes e dificuldades para o próprio Estado, que então se viu na obrigação de devolver as diferenças recolhidas a maior, em razão da base presumida ter ocorrido maior que a efetiva.

3.1  A crise de equilíbrio entre a garantia do contribuinte e a praticidade fiscal na substituição tributária

Note-se que, no ponto nº 6 da ementa, constou expressamente: “altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI n.1.851-AL, de relatoria do Min. Ilmar Galvão”.

27 de outubro de 2016, conforme DJe n. 229/2016, uma vez que, na sistemática da repercussão geral, a publicação da ata no diário oficial produz as mesmas consequências que a publicação do acórdão, por força do art. 1.035, § 11, do CPC/2015: “A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão”. 

Embora o resultado do julgamento do RE nº 593.849/MG represente inegável avanço em termos de justiça fiscal para os contribuintes, ele também tornou mais evidente a insustentabilidade da sistemática da substituição tributária em diversos setores, especialmente diante das dificuldades operacionais enfrentadas pelos fiscos estaduais. Foi como externalizou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto, no qual não desmerece o direito dos contribuintes de serem tributados no modo mais próximo possível da realidade e concorda com as desproporções da atual substituição tributária. No entanto, sugere ajustes gerais na forma de tributação e aplicação das bases presumidas, porque se preocupa com o resultado do julgamento em face da praticidade da técnica (Brasil, 2017, p. 02). 

Conforme visto, referido julgamento confirmou a opção pela defesa do direito dos contribuintes, gerando para os cofres estaduais vultuoso montante em restituições a serem ressarcidas aos contribuintes substituídos[16] do imposto. Ocorre que, na prática, esse direito é amplamente inviabilizado pela burocracia imposta pelas administrações fazendárias estaduais, que condicionam a restituição ao modelo de compensação em conta corrente fiscal, autorizando o ressarcimento em espécie apenas para os casos de não contribuintes[17].

Com tais previsões, os Estados inviabilizam a restituição a diversos contribuintes, haja vista que muitas das empresas que operam em setores obrigados à substituição, como postos de gasolina e farmácias, possuem pequena quantidade de produtos no regime normal de tributação (conta corrente fiscal de débito e crédito), resultando em ínfimo valor mensal a recolher, o que impede uma compensação efetiva do montante do crédito apurado (Toledo, 2022, p. 106; 2023, p. 90-94).

Nota-se, neste ponto, que a atual substituição tributária acabou tornando-se ineficaz aos fins buscados, sejam eles os originalmente almejados (praticidade e justiça fiscal) ou mesmo em benefício do Estado, na tentativa de aumentar a arrecadação estadual[18], uma vez que se delineou comprometida a sua praticidade para o Fisco em diversos setores onde estão obrigados ao regime. Isso porque, para os produtos nos quais é mais complexo alinhar as margens presumidas, o Fisco estadual precisará reanalisar todas as operações já ocorridas no regime de substituição em face dos inúmeros pedidos de ressarcimento que certamente se constituirão. Do mesmo modo, o regime se revela oneroso e desproporcional também para os contribuintes, que precisarão revisar todas as operações da cadeia para obter ressarcimento de valores recolhidos a maior, realidade que compromete o princípio da praticidade e desnatura os objetivos originais do instituto. 

3.2  A Controvérsia da Complementação de ICMS-ST e os Limites Constitucionais do Regime

Com o propósito de adequar a garantia do que restou decidido no julgamento do RE nº 593.849/MG, muitos Estados promulgaram normativos que, além de versar sobre a restituição do ICMS-ST recolhido a maior, também exigem a sua complementação quando ao contrário, o preço praticado na operação tenha sido superior a base de cálculo presumida que foi utilizada como parâmetro de recolhimento antecipado[19]. Em outras palavras, condiciona-se o exercício do direito à restituição ao dever de apurar e compensar eventual valor recolhido a menor, criando, assim, uma sistemática de acerto de contas não prevista no texto constitucional.  Conforme já analisado nos tópicos anteriores, pela leitura do art. 150, § 7º, da Constituição Federal, foi garantida ao contribuinte a restituição do que eventualmente tenha sido pago a maior de forma presumida. Porém, não há, em contrapartida, qualquer previsão constitucional ou legal para que o Fisco exija o imposto recolhido a menor com base no fato gerador presumido (Kronbauer, 2020, p. 302).

Kronbauer (2020, p. 303), destaca que a substituição tributária é um regime de imputação legal – e não de opção contratual – imposto ao contribuinte para atender aos interesses arrecadatórios do Estado. Por essa razão, não se deve admitir a lógica de acerto de contas entre débito e crédito como no regime do ICMS próprio. Permitir a complementação violaria a própria lógica da substituição tributária, especialmente considerando que as bases presumidas são definidas unilateralmente pelo Fisco.

Em contrapartida, as Fazendas Estaduais entendem como possível utilizar a medida, pois não há proibição expressa na lei complementar para a pretensão de complementação. Entretanto, tal argumento é extremamente frágil na medida em que o Estado somente poderia cobrar tal diferença enquanto amparado por permissão expressa para tanto, em decorrência do princípio da legalidade (Kronbauer, 2020, p. 304).

Ainda sobre a matéria, na ADI nº 1.851/AL, já analisada em tópico anterior, a Confederação Nacional do Comércio pugnou pela inconstitucionalidade da cláusula do Convênio do ICMS que estabelece o não cabimento de restituição ou complementação. Na oportunidade, o STF decidiu que não é devida restituição do valor a maior, tão pouco é devida complementação de imposto no caso inverso, se a base de cálculo se mostrar inferior. 

Ocorre que, no entendimento firmado no RE nº 593.849/MG, no ponto nº 6 da ementa, consta expressamente: “altera-se parcialmente o precedente firmado na ADI n. 1.851-AL, de relatoria do Min. Ilmar Galvão”. Portanto, se no julgamento anterior havia se concluído pela imutabilidade da base de cálculo presumida (tanto em relação ao contribuinte quanto em relação ao Fisco) e, por ocasião do novo julgado, houve a alteração parcial do precedente, a interpretação que parece ser mais bem atribuída ao caso é a de que, no âmbito da Corte Suprema, permanece hígido o entendimento de que a base de cálculo presumida é definitiva, mas tão somente em relação ao Fisco (Silva Neto; Nichele, 2020, p. 457), podendo ser confirmada (ou não) quando da apreciação de um caso concreto.

Muito embora pareça ser evidente que não possa haver um peso e duas medidas, há que se destacar que não há igualdade de direitos e deveres entre o Estado e os contribuintes, justamente porque o instituto da substituição tributária é regime jurídico de direito público, que impõe a supremacia jurídica do interesse público sobre o privado, e, por isso, não é regido pela igualdade (Toledo, 2022, p. 94). É o que ensina Marçal Justen Filho quando esclarece que a supremacia do interesse público não significa atribuir ao Estado a faculdade de, unilateralmente, alterar seus direitos ou deveres, ampliando a carga atribuída ao sujeito passivo. O Estado, enquanto pessoa, sujeita-se ao princípio da legalidade, o que significa só lhe ser possível atuar nos estreitos limites da lei (Justen Filho, 1985, p. 84-85). 

Para aprofundar os efeitos práticos da aplicação da substituição tributária progressiva do ICMS, a análise a seguir se debruça sobre o setor farmacêutico, cuja estrutura regulatória, margem de preço e regime de precificação revelam com nitidez as disfunções do modelo. Embora o foco recaia sobre esse setor, por ser especialmente ilustrativo das distorções causadas pelo uso de bases presumidas inflexíveis, é importante destacar que problemas semelhantes se manifestam em outros segmentos da economia, como combustíveis, bebidas e cosméticos, reforçando o diagnóstico da ineficácia do regime em diversos contextos.

Esse cenário evidencia o desequilíbrio estrutural do regime, no qual a imposição de deveres adicionais aos contribuintes não encontra respaldo legal ou constitucional, mas decorre de interpretações convenientes à arrecadação estatal. Esse descompasso, como se verá adiante, manifesta-se de forma ainda mais acentuada em setores com alta regulação e margens instáveis, como o farmacêutico.

3.3  O Setor Farmacêutico como Exemplo das Distorções do Regime de Substituição Tributária

A aplicação da substituição tributária progressiva do ICMS em setores com estruturas econômicas complexas e margens comerciais variáveis evidencia a desconexão prática do regime com seus fundamentos constitucionais. O setor farmacêutico, por exemplo, envolve grande volume de investimentos em inovação e pesquisa, aliado a irrisórios custos de produção (Coêlho; Derzi; Moreira, 2016, p. 153), o que o diferencia de outros segmentos econômicos e dificulta sobremaneira a definição de bases presumidas coerentes com a realidade de mercado. Esse descompasso compromete a justiça fiscal e torna a utilização do regime ineficaz sob a perspectiva arrecadatória e jurídica. O caso do setor farmacêutico, portanto, é emblemático das distorções provocadas pela adoção de critérios padronizados e inflexíveis, e será aqui examinado como exemplo representativo das falhas estruturais da substituição tributária progressiva.

Ocorre que, desde quando foi instituído no ordenamento brasileiro, o instituto se caracterizava como exceção a ser aplicado em setores que justificassem sua criação (praticidade, racionalidade e eficiência na fiscalização), mas passou a ser cada vez mais utilizado em setores que não eram compatíveis com o mecanismo, parecendo uma arma empregada na fúria arrecadatória dos Estados, que passaram a aplicar a substituição tributária de forma ampla e irrestrita.

Foi o que ocorreu com os produtos farmacêuticos, que, sob o argumento de viabilizar a praticidade e a racionalidade da fiscalização, também foram submetidos ao regime por antecipação tributária do ICMS. Amparados pela legislação federal e pela respectiva legislação estadual autorizativa, os Estados e o DF instituíram, por meio do CONFAZ, o uso do PMC publicado pela CMED como parâmetro de base de cálculo para a substituição tributária, a ser aplicada para todos os produtos do setor[20].

O Convênio ICMS nº 76/1994 foi revogado expressamente, sendo substituído pelo Convênio ICMS nº 142/2018, que passou a disciplinar de forma padronizada os critérios de substituição tributária em nível nacional, inclusive para o setor farmacêutico. Os parâmetros para a apuração da base de cálculo do ICMS-ST devido nas operações com produtos farmacêuticos são os seguintes:

1. A base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária em relação às operações subsequentes será o valor correspondente ao preço final ao consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente, nos termos do § 2º do art. 8º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. (Cláusula Primeira, caput);

2. Inexistindo o valor de que trata a cláusula décima, a base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária em relação às operações subsequentes, nos termos do art. 8º da Lei Complementar nº 87/1996, corresponderá, conforme definido pela legislação da unidade federada de destino, ao:

I. Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF);

II. Preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador;

III. Preço praticado pelo remetente acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, adicionado da parcela resultante da aplicação sobre o referido montante do percentual de Margem de Valor Agregado (MVA) estabelecido na unidade federada de destino ou prevista em convênio e protocolo, para a mercadoria submetida ao regime de substituição tributária, observado o disposto nos §§ 1º a 3º desta cláusula.

Ressalta-se que a hierarquia visada pela norma ainda hoje possui grande relevância, visto que a maior parte dos medicamentos tem preços máximos regulados pela CMED. Desse modo, a substituição tributária aplicada ao setor farmacêutico tem como critério prioritário de base de cálculo o PMC fixado pela CMED, conforme autorizado pela legislação federal e estadual, ainda que esses preços, concebidos originalmente para fins de regulação, frequentemente excedam os valores efetivamente praticados no varejo, porque estipulados com finalidade completamente distinta da obtenção da praticidade na arrecadação tributária (Coêlho; Derzi; Moreira, 2016, p. 153).

Após o julgamento do RE nº 593.849/MG, os Estados passaram a adotar redutores sobre os PMCs como forma de mitigar os efeitos das distorções geradas pelas bases presumidas, reconhecendo, na prática, que os valores utilizados até então se distanciavam significativamente do mercado real.25 Isso porque já se previa o grande volume de diferenças de imposto em razão dos valores reais praticados serem substancialmente menores que os PMCs divulgados. 

Exemplo disso foi observado no Estado do Mato Grosso, que instituiu percentuais de redução aplicáveis sobre o PMC de mais de 40%, chegando ao patamar de 70% nos casos de medicamentos incluídos no programa “Farmácia Popular do Brasil”, para fins de determinação da base de cálculo do ICMS devido por substituição tributária, nas operações com fármacos e medicamentos de uso humano[21]. Já o Estado de São Paulo, a partir de outubro de 2021, passou a aplicar como base de cálculo o Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF), indicado no Anexo Único da Portaria CAT nº 40/2021[22].

No PMPF, o valor correspondente a cada produto é obtido por meio de pesquisas realizadas pela Sefaz na base de dados das notas fiscais de consumidor eletrônicas (NFC-e), emitidas pelos estabelecimentos comerciais. Após as pesquisas, as entidades representativas do segmento de medicamentos são informadas sobre os valores ponderados, conforme determina o Convênio nº 142/2018, do CONFAZ. Tanto o PMPF quanto os demais critérios alternativos à fixação da base de cálculo – como a MVA e o preço sugerido pelo fabricante – têm respaldo legal no art. 8º da Lei Complementar nº 87/1996, que permite sua adoção mediante previsão em legislação estadual[23]. Ocorre que, pelas particularidades que envolvem o setor e os produtos, existe uma grande oscilação de preços neste mercado, de maneira que o PMPF também acaba

A portaria CAT 54/2010 estabeleceu regra de cálculo para a substituição tributária nos medicamentos: “Art. 2º: Tratando-se de medicamentos, na hipótese de a base de cálculo determinada na forma do artigo 1º ser superior ao valor resultante da aplicação dos critérios para fixação e ajuste de preços previstos na Resolução n. 2, de 8 de março de 2010, da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, este deverá ser adotado como base de cálculo para fins de retenção e pagamento do imposto devido por substituição tributária” se tornando ineficaz, já que, com frequência, são aplicadas políticas de desconto que deslocam os preços presumidos dos valores finais praticados. 

Através de estudo aprofundado originalmente desenvolvido na dissertação da autora e posteriormente publicado em formato de livro (Toledo, 2022, p. 69-87; 2023, p. 69-87), verificou-se a ocorrência de elevado aumento da arrecadação tributária, resultante de discrepâncias nas bases presumidas adotadas e demais particularidades que envolvem a tributação atual do setor, além das nuances econômicas que também precisam ser consideradas para este grupo de contribuintes, como a grande competitividade. 

Mediante análise da jurisprudência sobre o tema, tanto no âmbito dos tribunais de justiça estaduais quanto no Superior Tribunal de Justiça, conforme desenvolvido originalmente na dissertação de mestrado da autora e posteriormente publicado em formato de livro (Toledo, 2022, p. 88–99; 2023, p. 88–99), verificou-se que, de início, a utilização do PMC fixado pela CMED como base de cálculo da substituição tributária foi inicialmente questionada por configurar, segundo parte da jurisprudência, hipótese assemelhada à pauta fiscal – prática vedada pela Súmula 431 do STJ, que impede a fixação unilateral e arbitrária da base de cálculo pelo Fisco, sem previsão legal expressa. (Brasil, 2021).

Após, o entendimento era o sedimentado no Agravo Regimental em Agravo do REsp nº 350.678/RS (Brasil, 2014) que, reconsiderando a decisão anterior, julgou entendimento favorável ao Fisco, com o fundamento de que não se confundiam a pauta fiscal e o regime de valor agregado estabelecido no art. 8º da LC nº 87/96, permitindo assim que o Fisco, amparado por lei, lançasse mão desses preços na apuração do ICMS devido na substituição tributária progressiva.

O julgamento do REsp nº 1.519.034-RS (Brasil, 2017) manteve o mesmo entendimento mas ampliou as possibilidades em favor dos contribuintes com o fundamento de que é legítima a imposição de que a base de cálculo do imposto corresponda ao preço final ao consumidor, fixado por órgão público competente (PMC), mas considerou que devem ser levadas em consideração as peculiaridades de cada caso, principalmente no que diz respeito à discrepância entre os preços informados e considerados como presumidos, e os praticados no mercado varejista, conforme já analisado em Toledo (2023, p. 88-91). A partir desse julgado, se o contribuinte se incumbir do ônus de comprovar a discrepância entre a base de cálculo “presumida” e a “efetiva” usualmente praticada, é possível o reconhecimento da ilegalidade do critério de utilização do PMC como base de cálculo para apuração. 

Em que pese este último julgado ter sido apreciado pela Segunda Turma, verifica-se que a Primeira Turma acompanha esse mesmo entendimento, conforme se verifica no julgamento do Agravo Interno no RESP nº 1.305.518/RS (Brasil, 2021), conforme demonstrado por Toledo (2023, p. 92), e do Agravo em Recurso Especial nº 1.803.451/MS (BRASIL, 2022), também demonstrado na análise jurisprudencial reunida por Toledo (2023, p. 94-99). 

Neste contexto, confirmou-se os argumentos de que a adoção do PMC publicado pela CMED como critério de base de cálculo da substituição tributária dos medicamentos é possível e legalmente prevista na Lei Kandir; apesar disso, de forma considerável e constante, não reflete a realidade dos preços praticados no varejo, o que eleva significativamente o recolhimento do ICMS-ST, em detrimento da capacidade contributiva dos agentes econômicos envolvidos, fazendo com que os contribuintes busquem o Poder Judiciário com intuito de sanar as imperfeições do regime.

Embora o setor farmacêutico seja emblemático pelas distorções causadas pelo uso de preços máximos como base presumida, outros segmentos – como combustíveis, bebidas e cosméticos – também enfrentam dificuldades semelhantes, cada qual com suas particularidades econômicas e fiscais.

Essas distorções confirmam que o modelo de substituição tributária, além de tecnicamente inadequado para setores com elevada variação de preços, como o farmacêutico, compromete a justiça fiscal e a segurança jurídica, exigindo sua substituição por um sistema mais alinhado à realidade econômica. A iminente transição promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023, ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), sinaliza justamente para a superação estrutural desse modelo, cujos vícios foram aqui ilustrados de forma concreta e representativa.

A experiência do setor farmacêutico, aqui detalhada, reforça a necessidade de revisão crítica do regime de substituição tributária, cujos efeitos práticos se afastaram de seus objetivos constitucionais. Apesar de concebida como mecanismo de racionalização da arrecadação e combate à sonegação, produziu efeitos ambíguos tanto na economia quanto no sistema jurídico.

Do ponto de vista econômico, o regime onerou excessivamente elos intermediários da cadeia produtiva, especialmente os pequenos e médios contribuintes, ao presumir margens de lucro que nem sempre refletem a realidade do mercado. A utilização de pautas fiscais fixas ou margens de valor agregado padronizadas comprometeu a neutralidade tributária e afetou a competitividade de setores com alta variabilidade de preços, como o farmacêutico e o de combustíveis[24].

Do ponto de vista jurídico, a ST gerou litigiosidade intensa, em especial quanto ao direito à restituição da diferença entre o valor presumido e o valor efetivo da operação, culminando em decisões paradigmáticas do STF, como no RE 593.849/MG (Tema 201)[25], que reconheceu o direito à restituição. Ainda assim, a aplicação prática da tese tem gerado insegurança jurídica em razão da resistência de estados e da ausência de regulamentação uniforme.

4  SUPERAÇÃO LEGISLATIVA DO ICMS-ST COM A IMPLEMENTAÇÃO DO IBS

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023, inaugura-se um novo ciclo de transformação no sistema tributário nacional, com a extinção de cinco tributos sobre o consumo e a introdução de novos mecanismos voltados à simplificação, neutralidade e eficiência da arrecadação.

A análise empreendida neste estudo, embora relevante do ponto de vista histórico e jurídico, tende a perder eficácia prática com a transição para o novo modelo tributário instituído pela Emenda Constitucional nº 132/2023, originada da PEC nº 45/2019. A criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – de base ampla, incidência no destino e apuração por crédito financeiro – introduz um sistema que elimina as justificativas técnicas que fundamentavam o regime de substituição tributária progressiva no contexto do ICMS. Com a cobrança do tributo em cada etapa da cadeia, mediante o aproveitamento integral de créditos, e a centralização da arrecadação, o novo modelo esvazia a necessidade e a viabilidade da substituição tributária, tornando o regime, na prática, obsoleto para o imposto sobre bens e serviços. Ainda que o art. 150, § 7º, da Constituição Federal permaneça formalmente em vigor, sua aplicação restará limitada a contextos residuais ou transitórios, não se compatibilizando com os princípios estruturantes da nova sistemática tributária.

Nesse novo desenho institucional, é de se destacar o papel das contribuições sobre o consumo como parte essencial da base arrecadatória nacional. A criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados, Distrito Federal e municípios, objetiva substituir os tributos hoje incidentes sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um modelo mais simplificado, neutro e eficiente.

A substituição tributária, concebida como mecanismo excepcional de arrecadação e fiscalização do ICMS, tornou-se ao longo dos anos um sistema altamente complexo e disfuncional em diversos setores, como detalhado neste trabalho. A proposta de centralização da arrecadação e uniformização da base tributável no âmbito do IBS reduz substancialmente a necessidade de antecipação do imposto por substituto tributário, o que, por sua própria lógica estrutural, esvazia a utilidade prática da continuidade da substituição tributária como hoje concebida.

A promulgação da Lei Complementar nº 214, de 2 de maio de 2025[26], regulamenta os artigos da EC nº 132/2023 relativos ao IBS, prevendo a extinção progressiva da substituição tributária até 2033. O regime será mantido apenas de forma excepcional durante o período de transição entre os tributos atuais e os novos tributos sobre o consumo.

A nova legislação também introduz o mecanismo de split payment[27], pelo qual o valor do imposto é desmembrado no momento da transação e direcionado diretamente ao fisco, reduzindo a evasão. Adicionalmente, plataformas digitais e intermediários financeiros passam a responder solidariamente pelo recolhimento do IBS, ampliando a segurança na cadeia arrecadatória.

Entretanto, é necessário destacar que, apesar da possível obsolescência prática do regime com a plena implementação do IBS, o ordenamento constitucional permanece vigente e, até que sobrevenha revogação expressa, o art. 150, § 7º, da Constituição Federal continua a autorizar a utilização da substituição tributária para frente. A permanência deste dispositivo demonstra que, mesmo com a adoção do IBS, poderá subsistir, em situações residuais ou transitórias, a aplicação do instituto, principalmente em contextos de tributos remanescentes ou durante o longo período de transição previsto pela reforma tributária.

Além disso, as emendas e propostas legislativas em trâmite no Congresso Nacional – como a Emenda Modificativa EMC nº 158/2019 – indicam que há movimentos para preservar mecanismos semelhantes ao da substituição tributária no novo modelo, ainda que com restrições e exigências adicionais. Por essa razão, o estudo das imperfeições, limites constitucionais e critérios de aplicação do regime permanece relevante como fundamento para balizar futuras regulamentações e evitar que se repitam os mesmos vícios do passado.

Dessa forma, recomenda-se que, enquanto vigorar o sistema atual, o Poder Legislativo estabeleça parâmetros claros para a adoção da substituição tributária, com base nos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade. Esses critérios, já consagrados pela jurisprudência do STF, devem orientar os entes federativos na delimitação do regime, impedindo sua aplicação indiscriminada e assegurando o equilíbrio entre arrecadação eficiente e respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes.

Por fim, considerando a transição para o novo modelo do IBS, é fundamental que as novas normas prevejam de forma expressa os limites e condições para eventual manutenção de mecanismos de substituição tributária, com atenção especial à forma de apuração das bases de cálculo presumidas e ao direito à restituição de valores pagos a maior, de modo a compatibilizar justiça fiscal com segurança jurídica.

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O regime de substituição tributária progressiva do ICMS foi concebido como instrumento de racionalização da arrecadação e combate à evasão, promovendo a justiça fiscal por meio da antecipação do imposto e da uniformização da tributação entre os contribuintes de um mesmo setor econômico. No entanto, ao longo de sua evolução, o regime foi progressivamente distorcido, passando a ser aplicado de forma ampla e desproporcional, gerando complexidade excessiva, distorções concorrenciais e insegurança jurídica.

A análise desenvolvida neste trabalho evidenciou que, embora o instituto tenha inicialmente representado um avanço na organização tributária, ele perdeu grande parte de sua eficácia, tanto para os contribuintes quanto para as administrações fazendárias. As dificuldades operacionais em torno da restituição dos valores pagos a maior, os abusos na definição de bases presumidas e a dificuldade de alinhar a tributação com a realidade econômica demonstram que o regime, como atualmente estruturado, tornou-se disfuncional.

Nesse cenário, a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, originada da PEC nº 45/2019, inaugura um novo modelo tributário sobre o consumo, com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), baseado na não cumulatividade plena, incidência no destino e base ampla de cálculo. Esse novo sistema elimina as justificativas práticas da substituição tributária progressiva, promovendo sua obsolescência funcional, ainda que o art. 150, § 7º, da Constituição Federal permaneça formalmente vigente.

Diante disso, o presente estudo passa a ter especial relevância como análise histórica e crítica de um regime que será gradualmente superado pela nova ordem constitucional tributária. Ainda assim, as lições extraídas da experiência com a substituição tributária devem servir de referência para evitar que os erros do passado se repitam no futuro modelo – especialmente quanto à definição de bases de cálculo presumidas, à segurança jurídica e à eficiência administrativa. O exame do setor farmacêutico exemplifica como a adoção de bases presumidas descoladas da realidade comercial pode comprometer os princípios de capacidade contributiva e neutralidade, reforçando a necessidade de revisão estrutural do regime.

Conclui-se, portanto, pela necessidade de que eventuais mecanismos substitutivos no novo sistema sejam utilizados com parcimônia, observando-se os princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade, e limitados a situações realmente excepcionais. O futuro da tributação do consumo no Brasil dependerá da capacidade do legislador e da administração tributária em aliar justiça fiscal, simplicidade normativa e respeito aos direitos dos contribuintes – pilares que não podem ser negligenciados, mesmo diante de inovações legislativas.

Com a regulamentação da Emenda Constitucional nº 132/2023 pela Lei Complementar nº 214/2025, inicia-se uma profunda transição no sistema tributário nacional. Entre os principais impactos, destaca-se a previsão de extinção progressiva do regime de substituição tributária do ICMS até o ano de 2033, sendo mantido apenas em hipóteses excepcionais. Os novos tributos – a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – trazem inovações como o split payment e a responsabilização solidária de plataformas intermediárias, além da adoção do critério do destino para repartição das receitas, promovendo maior justiça fiscal e equidade federativa.

Entretanto, é necessário destacar que, apesar da possível obsolescência prática do regime de substituição tributária com a plena implementação do IBS, o ordenamento constitucional permanece vigente. Até que sobrevenha revogação expressa, o art. 150, § 7º, da Constituição Federal continua a autorizar a utilização da substituição tributária para frente. A permanência deste dispositivo demonstra que, mesmo com a adoção do IBS, poderá subsistir, em situações residuais ou transitórias, a aplicação do instituto, principalmente em contextos de tributos remanescentes ou durante o longo período de transição previsto pela reforma tributária.

INDICAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

O presente artigo foi elaborado em coautoria, sendo que cada autor contribuiu com as seguintes responsabilidades:

6  REFERÊNCIAS

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Brasil, Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 350.678-RS, Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 11 mar. 2014, Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 19 mar. 2014.

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Brasil, Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Recurso Extraordinário nº 593.849, Tema n. 201 de repercussão geral, Relator: Min. Edson Fachin, 19 out. 2016, Diário Oficial da União, Brasília, 04 maio 2017.

Notas de Rodapé

[1]     Mestre em Direito Econômico e Tributário pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa – IDP (2022). Graduada em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário de Jales (2000) e graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2014). É advogada sócia do escritório Toledo e Toledo Advocacia e Consultoria Empresarial. E-mail: stoledo@toledoetoledo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0009-0007-4662-4600

[2]     Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília (UnB), do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (PPGD) do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E-mail: gurgelfaria@uol.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9515-3506

Declaro, para os devidos fins, que o presente artigo foi integralmente elaborado pela autora, sendo utilizado recurso de inteligência artificial generativa apenas como ferramenta de apoio à revisão gramatical e ortográfica. Todo o conteúdo técnico, jurídico e analítico foi produzido, estruturado e validado exclusivamente pela autora.

[3]     Na Itália, sua primeira aparição consta na Lei 4.021, de 24 de agosto de 1877, sobre o imposto de riqueza mobiliária (Bodda, 1941, p. 196 apud Torres, 2001, p. 87). 

[4]     Este artigo se baseia, com adaptações, em pesquisa originalmente desenvolvida na dissertação de mestrado da autora: Toledo, Silvia Andréia Evangelista Assunção. Regime de Substituição Tributária Progressiva do ICMS: uma análise no setor farmacêutico. Brasília: IDP, 2022.

[5]     De acordo com a justificativa da PEC 48/1991, os objetivos a serem alcançados com a substituição tributária e outras alterações propostas, eram: “a equânime distribuição da carga tributária; a simplificação do processo de imposição, arrecadação e fiscalização; a estabilização do sistema; a inversão da tendência de incidência, com aumento dos impostos diretos e redução dos indiretos; a ampliação da garantia de recebimento de créditos tributários vencidos”.

[6]     O Ministro Ilmar Galvão também trouxe o conceito em seu voto proferido na ADI 1851-4, fls. 145: “a substituição tributária constitui um dos instrumentos consagradores do princípio da praticidade da tributação, que aponta no sentido de uma maior economia, eficiência e celeridade na imposição tributária, a exemplo do que ocorre com o imposto de renda na fonte e o pagamento de tributo por estimativa, hipótese em que são recolhidas quantias prefixadas pela administração fazendária, as quais nem sempre tem correspondência com os respectivos fatos geradores”.

[7]     Parte das reflexões aqui desenvolvidas resulta de pesquisa anteriormente realizada pela autora em nível de mestrado profissional e posteriormente publicada sob a forma de livro (Toledo, 2022; 2023), sendo atualizadas à luz da Emenda Constitucional nº 132/2023.

[8]     Exemplos podem ser encontrados em: Ávila, 2006; Coêlho et al., 2016; Derzi, 2005, p. 103-117.

[9]     Algumas leis (LC nº 87/1996, por exemplo, nos arts. 6º, § 1º, e 8º, I e II, refere às operações e prestações antecedentes, concomitantes e subsequentes) e a doutrina comumente as classificam em três: substituição regressiva (também chamada “para trás” ou antecedente); substituição progressiva (“para frente” ou subsequente); e substituição tributária concomitante. Cf. Melo, 2002, p. 180.

[10]    Art. 58, § 2º, do CTN: “A lei pode atribuir a condição de responsável: [...] II – ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo, ao preço da mercadoria a ele remetida, de percentagem não excedente de 30% (trinta por cento) que a lei estadual fixar.”

[11]    Ato Complementar n. 34, de 30/01/1967, que substituiu o inciso II do § 2º, assim determinando: “II – ao industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido por comerciante varejista, mediante acréscimo: a) da margem de lucro atribuída ao revendedor, no caso de mercadoria com preço máximo de venda no varejo marcado pelo fabricante ou fixado pela autoridade competente; b) de percentagem de 30% (trinta por cento) calculada sobre o preço total cobrado pelo vendedor, neste incluído, se incidente na operação, o art. 46, nos demais casos.” 12 § 7º do art. 150: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”

[12]    Torres, Heleno Taveira, Substituição tributária: regime constitucional, classificação e relação jurídica (materiais e processuais), Revista Dialética de Direito Tributário, n. 70, p. 87-108, jul. 2001, citando Parecer PGFN/CAT nº 2055/1996. 

[13]    O substituto (contribuinte de jure) não possui legitimidade ad causam para pedir a restituição do tributo por ele pago indevidamente ou a maior, porque a lei outorgou a ele o direito ao reembolso perante uma terceira pessoa (o substituído), ocorrendo, dessa forma, o que se chama de repercussão econômica do tributo. (Becker, 2018, p. 564572). 

[14]    Doutrinadores como Becker e Misabel Derzi utilizam o termo “praticabilidade” ao invés de “praticidade”, fazendo referência à ideia da simplificação tributária.

[15]    Art. 6º: “Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo Poder Público, mercadoria importada e aprendida. [...] § 3º – A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável: a)ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos; b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista; c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista; d) aos transportadores, depositários e demais encarregados da guarda ou comercialização de mercadorias. § 4º – Caso o responsável e o contribuinte substituído estejam estabelecidos em Estados diversos, a substituição dependerá de convênio entre os Estados interessados.” 17 O autor pontua que o mesmo conjunto de critérios é utilizado pela Teoria Geral para verificação da compatibilidade entre meios e fins e que também pode ser aplicado no plano de validade das normas. A esse respeito, cita: Ferraz Jr., 1989, p. 80-81.

[16]    Segundo Heleno Taveira Torres, a competência para requerer a devolução do excesso cobrado é do substituído, pela respectiva demonstração de sua capacidade contributiva. (TorreS, 2001, p. 95). 

[17]    É o que preveem, por exemplo, o art. 299, § 5º, do RICMS do Estado da Bahia (Decreto nº 13.780/2012), e a Portaria CAT 42/2018, que disciplina o complemento e ressarcimento do ICMS-ST previstos nos arts. 265, 269, 270, 277 e 426-A do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (Decreto nº 45.490/2000). 

[18]    Conforme as diversas críticas doutrinárias que já apontamos a partir da “generalização” da substituição tributária.

[19]    É o que preveem por exemplo, a portaria CAT 25/21, do Estado de São Paulo (dispõe sobre o credenciamento do contribuinte no regime optativo de tributação da substituição tributária previsto no Parágrafo único do art. 265 do Regulamento do ICMS), e a Norma de Procedimento Fiscal nº 003/2020, do Estado do Paraná (dispõe sobre os procedimentos relativos aos pedidos de ressarcimento, de recuperação e de complementação de imposto retido por substituição tributária, conforme igual previsão no regulamento do ICMS). 

[20]    Em se tratando de substituição tributária no setor de medicamentos, o preço máximo (PMC) sugerido pelo fabricante para venda ao consumidor final é considerado como base de cálculo para a substituição tributária.

[21]    Portaria nº 198/2019, posteriormente alterada pela Portaria nº 043/2020, com o seguinte critério de percentuais de redução a serem aplicados sobre os PMCs: 

“Art. 2° Ficam fixados os percentuais de redução a serem aplicados sobre o PMC, nos termos do § 3° do artigo 13-A do Anexo V do RICMS/2014, conforme enquadramento do fármaco ou medicamento, nas hipóteses adiante arroladas: (Nova redação dada pela Port. 043/2020) 

Art. 2° Ficam fixados os percentuais de redução a serem aplicados sobre o PMC, nos termos do § 3° do artigo 13A do Anexo V do RICMS/2014, conforme a classificação do fármaco ou medicamento, como: I – referência: 26,03% (vinte e seis inteiros e três centésimos por cento); II – genérico: 54,41% (cinquenta e quatro inteiros e quarenta e um centésimos por cento); III – similar: 47,79% (quarenta e sete inteiros e setenta e nove centésimos por cento). IV – demais hipóteses: 47,79% (quarenta e sete inteiros e setenta e nove centésimos por cento).  Art. 3° Para os fármacos e medicamentos, de uso humano, incluídos no Programa "Farmácia Popular do Brasil", de acordo com a legislação específica do Ministério da Saúde, o percentual de redução a ser aplicado sobre o PMC será de 70,0% (setenta por cento), ficando afastado o disposto no artigo 2°. (Acrescentado pela Port. 043/2020)”

[22]    Portaria CAT-40, de 23 de junho de 2.021, publicada em 24 de junho de 2.021, estabelece a base de cálculo do imposto na saída de medicamentos de uso humano e outros produtos farmacêuticos a que se refere o artigo 313-A do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo.

[23]    Mais informações podem ser encontradas na Secretaria da Fazenda do Estado do Mato Grosso. Disponível em: <http://www5.sefaz.mt.gov.br/-/14070657-sefaz-disponibiliza-lista-para-calculo-do-icms-de-medicamentos-efarmacos>. Acesso em: 13 maio 2022.

[24]    Coêlho, Sacha Calmon Navarro; Derzi, Misabel Abreu Machado; Moreira, André Mendes, Ilegitimidade da adoção do preço máximo ao consumidor como base de cálculo para o ICMS-ST das indústrias farmacêuticas: pauta fiscal, Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 216, p. 148-159, set. 2016.

[25]    Brasil, Supremo Tribunal Federal, RE 593.849/MG, rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 19/10/2016, DOU 04/05/2017.

[26]    Brasil, Lei Complementar nº 214, de 2 de maio de 2025, dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, Diário Oficial da União, Brasília, 3 maio 2025.

[27]    Brasil, Lei Complementar nº 214, de 2 de maio de 2025, arts. 92 e 93, dispõe sobre o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, Diário Oficial da União, Brasília, 3 maio 2025.