DOI: 10.19135/revista.consinter.00021.29

Recebido/Received 30/07/2025 – Aprovado/Approved 09/10/2025

Adriano Ferriani[1] – https://orcid.org/0000-0002-8758-4840

Alexandre Jamal Batista[2] – https://orcid.org/0009-0001-0338-8173

Resumo

A tradicional distinção entre contratos reais e contratos consensuais, herdada do Direito Romano, ainda orienta diversos dispositivos do Código Civil brasileiro. Este artigo tem por objetivo examinar criticamente a pertinência dessa classificação diante da evolução das práticas contratuais contemporâneas, problematizando a exigência da tradição como elemento constitutivo dos contratos reais. Parte-se da hipótese de que a diferenciação clássica perdeu utilidade funcional no direito brasileiro atual, devendo a entrega ser compreendida como elemento meramente instrumental, vinculado à função e à causa do contrato, e não como requisito ontológico de sua existência. A investigação adota método hipotético-dedutivo, com abordagem dogmática e qualitativa, fundada na análise de textos normativos e da doutrina. Os procedimentos metodológicos envolvem exame histórico da formação da categoria e análise sistemática de tipos contratuais específicos – como mútuo, depósito, comodato e penhor -, à luz de suas funções. Os resultados alcançados confirmam a hipótese inicial: a ausência de tradição não implica inexistência do contrato, mas determina, conforme a causa e a função negocial, a forma adequada de tutela, seja pela execução específica, pela responsabilidade contratual ou por efeitos secundários. Conclui-se que a dicotomia entre contratos reais e consensuais deve ser superada em favor de uma releitura funcional, centrada na boa-fé, na confiança e na realização prática dos interesses legítimos das partes.

Palavras-chave: contratos reais; contratos consensuais; tradição; autonomia privada; boa-fé objetiva; causa do contrato; função do contrato.

Abstract

The traditional distinction between real and consensual contracts, inherited from Roman Law, still guides several provisions of the Brazilian Civil Code. This article aims to critically examine the relevance of such classification in light of contemporary contractual practices, questioning the requirement of delivery as a constitutive element of real contracts. It departs from the hypothesis that the classical differentiation has lost its functional utility in current Brazilian law, and that delivery should be understood as a merely instrumental element, linked to the function and the cause of the contract, rather than as an ontological requirement of its existence. The research adopts a hypothetical-deductive method, with a dogmatic and qualitative approach, based on the analysis of normative texts and legal doctrine. The methodological procedures involve a historical examination of the formation of the category and a systematic analysis of specific contractual types – such as loan for consumption, deposit, commodatum, and pledge – in light of their functions. The results confirm the initial hypothesis: the absence of delivery does not imply the inexistence of the contract but determines, according to its cause and functional purpose, the appropriate legal remedy, whether by specific performance, contractual liability, or secondary effects. It is concluded that the dichotomy between real and consensual contracts should be overcome in favor of a functional reinterpretation, focused on good faith, trust, and the practical fulfillment of the legitimate interests of the parties.

Keywords: real contracts; consensual contracts; delivery; private autonomy; objective good faith; contract cause; contract function.

Sumário: 1. Introdução; 2. Origens históricas e fundamentos da distinção entre contratos reais e consensuais; 3. A recepção pela tradição romanista e o direito moderno; 4. A codificação brasileira e a manutenção da distinção entre contratos reais e consensuais; 5. A questão central: acordo de vontades sem a entrega da coisa; 6. A função da tradição nos contratos reais: uma leitura diferenciada por tipicidade e funcionalidade; 7. Os contratos reais e a suas funções – análise crítica; 8. Conclusão; 9. Declaração sobre o uso de Inteligência Artificial; 10. Referências.

1  INTRODUÇÃO

A distinção entre contratos reais e contratos consensuais ocupa, tradicionalmente, lugar de destaque na dogmática do Direito Contratual, com raízes históricas profundas no Direito Romano. De um lado, os contratos consensuais se aperfeiçoam com o simples acordo de vontades; de outro, os contratos reais exigem, além do consenso, a entrega da coisa (tradição) como condição de existência do vínculo obrigacional.

Essa classificação, embora historicamente compreensível e há muito recepcionada pelas codificações de matriz romanista, revela-se hoje crescentemente disfuncional. As transformações operadas nas práticas negociais contemporâneas – sobretudo a centralidade adquirida pelos princípios da autonomia privada, da boa-fé objetiva, da função social do contrato e, especialmente da causa contratual como expressão funcional do negócio – impõem uma releitura crítica da subsistência dessa dicotomia.

Este artigo parte da hipótese de que a diferenciação entre contratos reais e consensuais, não mais cumpre função relevante no ordenamento jurídico brasileiro. A despeito de sua presença formal no Código Civil de 2002, a exigência da entrega da coisa como requisito constitutivo do contrato real mostra-se incompatível com a lógica funcionalista que rege a moderna teoria contratual. O que verdadeiramente importa, sob esse novo paradigma, é a identificação da causa do contrato, isto é, a finalidade prática e o conteúdo funcional da avença, a partir dos quais se definem os efeitos jurídicos do descumprimento, com ou sem entrega.

A investigação proposta tem como ponto central a superação da distinção tradicional, mediante análise que privilegia a causa como categoria estruturante da relação contratual. A título de exemplo, questiona-se: a promessa de empréstimo (na modalidade mútuo) pode ser vinculante mesmo sem a entrega do numerário? O mesmo se aplicaria ao contrato de depósito ou ao penhor sem tradição? Que efeitos jurídicos decorrem, nesses casos, da ausência de entrega?

As respostas a essas questões dependem não da classificação do contrato como real ou consensual, mas da compreensão da sua função negocial concreta. No depósito, por exemplo, a perda superveniente de interesse do depositante inviabiliza a exigibilidade da entrega, mesmo diante de consenso anterior. No penhor, por sua vez, a função de garantia do contrato – ainda que a entrega não tenha ocorrido – pode justificar a sua execução específica. Tais contrastes evidenciam que o critério relevante não é a entrega em si, mas a função que o contrato se propõe a realizar, ou seja, sua causa.

A metodologia utilizada é essencialmente qualitativa, de natureza jurídico-dogmática, fundada na análise de textos normativos e doutrina. O método adotado é o hipotético-dedutivo: parte-se de uma hipótese crítica de que a distinção tradicional perdeu utilidade funcional e mediante análise teórica e empírica, busca-se demonstrar que a leitura funcional da causa contratual oferece soluções mais adequadas às demandas do direito contratual contemporâneo.

2  ORIGENS HISTÓRICAS E FUNDAMENTOS DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATOS REAIS E CONSENSUAIS

A teoria geral dos contratos, tal como concebida nas codificações modernas, repousa sobre estruturas conceituais elaboradas pelo Direito Romano, cuja sofisticação técnica influenciou profundamente a dogmática contratual. Dentre essas categorias, a clássica distinção entre contratos reais e consensuais foi inicialmente concebida como reflexo de diferentes formas de aperfeiçoamento negocial – distinção que, à época, fazia sentido dentro de um sistema jurídico de forte matriz formalista, cunhada no período formulário Romano.

Antes de qualquer consideração dogmática contemporânea, é importante reconhecer que o Direito Romano, especialmente em sua fase arcaica, foi construído sobre o pilar da forma e não da vontade.

Algumas vezes a compreensão do Direito Romano é dificultada pelo fato de os autores mencionarem concomitantemente fatos que correspondem a critérios distintos de divisão histórica[3]. Considerando que a análise que se pretende fazer está relacionada à evolução da classificação entre contratos reais e consensuais no Direito Romano, optou-se por apresentar os fatos conforme as fontes do direito, em cada período de governo: período antigo, período pré-clássico, período clássico e período pós-clássico[4].

O Direito Romano antigo[5] foi marcado por um formalismo exacerbado, que sujeitava à observância de certas solenidades o aperfeiçoamento de todos os atos, mesmo que o cumprimento destas não guardasse correspondência com a vontade individual dos agentes[6]. Nas palavras de Max Kaser[7], “é próprio do formalismo primitivo que a actuação formalmente correcta produza efeitos mesmo quando o agente realmente não os queira; o efeito dos actos é consequência da forma e não da vontade”.

Assim, para a validade dos atos jurídicos a vontade ou o consentimento obrigatoriamente deveriam ser manifestados pela teatralidade dos gestos ou por certas fórmulas orais ou escritas, prefixadas e imodificáveis, que tinham natureza imperativa[8].

Constituído nesses moldes, o Direito Romano antigo se preocupava menos com a vontade dos agentes e mais com a aparência das atuações, ou seja, com a forma como se externava a manifestação de vontade.

Os principais negócios formais desse período eram a mancipatio, a in iure cessio e a stipulatio. Eram considerados negócios abstratos, visto que seus efeitos jurídicos se produziam pela mera observância das fórmulas, independentemente de uma causa[9].

A mancipatio era um ato formal por meio do qual uma parte cedia à outra a propriedade (ou um poder semelhante à propriedade) que detinha sobre determinada coisa ou pessoa, na presença de cinco testemunhas, cidadãos romanos e probos, e de outro cidadão que portava uma balança de bronze (libripens)[10]. Na presença de referidas pessoas o adquirente agarrava com a mão a pessoa ou coisa a ser adquirida e pronunciava a fórmula estabelecida, por meio da qual declarava que aquilo passava a lhe pertencer em troca do cobre que entregava ao alienante, razão pela qual a transação se apresentava como uma permuta. Diferentemente da compra e venda, na mancipatio somente o adquirente se pronunciava, enquanto o alienante, que recebia o preço, limitava-se a mero espectador[11].

Já a in iure cessio consistia em um negócio destinado à transmissão, cessão ou extinção de determinados direitos realizada perante o Tribunal, onde o pretor exercia seu poder jurisdicional. O ritual tinha início com a pronúncia da fórmula por parte do adquirente, que vindicava a coisa a ser adquirida, enquanto o transmitente permanecia em silêncio e admitia ou aceitava a propriedade vindicada, seguido pela pronúncia do pretor, que, diante da omissão do alienante, confirmava a afirmação de propriedade feita pelo adquirente[12].

Se as fórmulas deixassem de ser observadas, o adquirente não se tornava proprietário legítimo, mas mero possuidor; e somente quando a posse durasse um ou dois anos é que se adquiria o domínio, pela usucapião[13].

Diversamente desses dois atos formais, a traditio era um ato simples, visto que consistia na transmissão não formal da propriedade mediante a mera entrega material da coisa feita pelo dono, por uma causa que a legitimava[14].

No entanto, a simples entrega não era o suficiente para a aquisição da propriedade por parte do accipiens; era preciso que a entrega material fosse acompanhada da vontade recíproca do tradens de transferir a propriedade. O consenso aparece aqui como elemento principal e assume uma importância que não se verificava na mancipatio e na in iure cessio. Capitant identifica, com isso, o surgimento da noção de causa a partir do instante em que a vontade assume papel central no ato jurídico[15].

Por fim, a stipulatio consistia em promessa oral e formal de uma obrigação, caracterizada por determinada pergunta feita pela parte que se tornaria credora, dirigida à outra parte que lhe prometia a prestação. De origem discutível, por se tratar de um contrato verbal não podia ser pactuada por ausentes, surdos ou mudos. Além de ser o contrato verbal por excelência, a stipulatio era o contrato mais importante no Direito Romano. Em razão de sua simplicidade tinha extraordinário âmbito de aplicação, pois se poderia fazer qualquer prestação lícita, sob qualquer condição permitida, e servia para tornar obrigatórias convenções sobre coisas certas ou incertas, fatos ou abstrações[16].

A stipulatio era também um ato abstrato por excelência, pois bastava a observância das fórmulas previamente estabelecidas para que o promitente se obrigasse, sem necessidade de anunciar a causa da obrigação[17].

Nos períodos pré-clássico[18] e clássico[19] verifica-se um abrandamento gradual do rigor formal que marcou o período anterior, e a vontade individual do agente começa a ser considerada paulatinamente, impulsionada sobretudo pelos negócios não formais[20], em especial aqueles considerados segundo a bona fides[21], cuja prática não era dificultada pela forma e que concediam ao juiz ampla liberdade de interpretação[22].

Nessa fase do Direito Romano, os negócios sem forma, notadamente os contratos consensuais e reais, no direito das obrigações, e a transferência por mera entrega (traditio), nos direitos reais, passam a constituir a regra, tornando-se exceção os atos vinculados à forma (mancipatio, in iure cessio, stipulatio)[23].

É por meio desses contratos consensuais que a noção de fim econômico passa a integrar definitivamente o Direito Romano, com a elevação da vontade das partes a elemento essencial da relação jurídica, da qual se deve extrair o efeito por elas pretendido. Por isso se afirmava que tais contratos eram de boa-fé, e deveriam ser interpretados ex fide bona[24].

Ao lado dos contratos consensuais aparecem os contratos inominados[25], outro gênero de convenções sinalagmáticas, nas quais os fins econômicos perseguidos pelas partes aparecem em primeiro plano. O aperfeiçoamento desses contratos não se verifica com o simples consenso, mas somente quando umas das partes cumpre sua obrigação, momento em que surge para o outro contratante a obrigação de cumprir sua contraprestação. Dividiram-se em quatro grupos: do ut des (dou para que dês), do ut facias (dou para que faças), facio ut des (faço para que dês) e facio ut facias (faço para que faças) – D. 19, 5, 5[26].

Não obstante tal divisão seja objeto de críticas, visto não esgotar todas as hipóteses de contratos inominados, constata-se que são comuns a todas as espécies de contratos inominados dois requisitos: i) o acordo de vontades sobre uma prestação e uma contraprestação; ii) uma causa, expressão que nos textos guarda o sentido de “realização, por uma das partes, de sua prestação”, ou seja, “de execução unilateral do acordo de vontades”[27].

Como resultado desse progresso, nos inícios da República já se impunha ao testamento a consideração da vontade real do testador, apesar do formalismo do ato. Também nos contratos formais, especialmente na stipulatio, os juristas avançaram no final da época clássica para uma interpretação de acordo com a vontade reconhecível das partes. Segundo Max Kaser,[28] “perguntam quod actum est (ou semelhante), i. e., qual o fim que visa o acordo das partes, mesmo que este ainda não possa ser reconhecido só pelo teor da fórmula do negócio”.

Somente na época pós-clássica[29] é que se conclui esse processo evolutivo orientado para a consideração da vontade individual dos agentes, com a supressão definitiva do formalismo verbal. Desaparecem a mancipatio e a in iure cessio, e a transmissão da propriedade não fica limitada à traditio, permitindo-se que se faça por meio da compra e venda, da doação etc.[30].

Abandona-se também o requisito imperativo do emprego de palavras determinadas nos negócios formais mais importantes, como na stipulatio e no testamento, e tal como nos negócios não formais é permitido às partes o uso de quaisquer palavras em suas declarações[31].

A stipulatio, quase sempre documentada nessa fase, “liga-se mais fortemente à causa. Com base no documento de dívida, que não menciona a causa, pode o credor intentar a acção sem ter de provar a existência do crédito; mas a falta de causa produz a ineficácia da obrigação, que o devedor alegará e também será apreciada oficiosamente”[32].

Justiniano[33] regressa à concepção clássica e considera que a traditio transfere a propriedade. A compra e venda, a doação etc. seriam meras causae da transmissão, não sendo claro, entretanto, se a aquisição da propriedade deve depender da validade da causa. Para Max Kaser[34], “parece prevalecer a doutrina abstrata, segundo a qual basta a vontade de transmitir a propriedade (animus transferendi dominii), que se fundamenta nas Inst. 2, 1, 40/41”. E generalizou-se nesse período a consideração do animus[35]:

Em âmbito mais vasto, que vai para além da interpretação dos negócios, falam os juristas romanos no animus, que significa a intenção do agente visando um determinado fim. Assim, a intenção das partes nos contratos obrigacionais decide se chegaram a acordo sobre o conteúdo do contrato. Além disso, a intenção das partes é decisiva na determinação da finalidade (causa) para uma atribuição (cessão, estipulação etc.).

Essa noção de animus, no sentido de “intenção do agente visando a um determinado fim”, introduziu-se no Direito Romano como um corretivo necessário ao arcaico sistema dos atos abstratos, adquirindo importância maior na medida em que se passou a valorizar cada vez mais a vontade das partes, evidentemente sem ocupar ainda a posição de relevância que mais adiante atingiu, visto que os jurisconsultos romanos não chegaram a sistematizar esse conceito[36].

Com o fortalecimento da vontade das partes, expandem-se os contratos consensuais, que se diferenciam de um novo tipo de contrato de empréstimo informal, que se considerava perfeito somente com a entrega da coisa ao devedor. Dessa mera entrega surgia a obrigação de restituição da coisa por parte de quem a recebeu. E o fato que dava fundamento para a obrigação era a entrega, que não implicava simplesmente na transmissão da posse, mas na transferência da propriedade. Denominado mutuum, foi o primeiro contrato real considerado por Gaio. Abrindo espaço para posteriormente serem admitidos outros três contratos com finalidade idêntica, qual seja, de restituir a coisa entregue[37].

Nesse contexto então surgiram os contratos de depósito, comodato e penhor: todos eles cuja eficácia surgia não apenas do acordo de vontades, mas da entrega do objeto pactuado, enquanto expressão concreta da causa contratual.

A distinção ganha ainda mais nitidez quando se contrapõe aos contratos consensuais, como a compra e venda (emptio venditio), a locação (locatio conductio), a sociedade (societas) ou o mandato (mandatum), todos válidos independentemente da entrega da coisa. Nesses casos, a causa se expressava no próprio consenso, considerado suficiente para gerar a obrigação exigível.

Com o passar dos séculos, o conceito romano de causa[38] foi reinterpretado, ora como elemento da validade do contrato, ora como instrumento de controle de sua função econômica e social. Contudo, a estrutura originária – na qual a entrega da coisa constitui pressuposto de existência jurídica do contrato real – influenciou decisivamente a dogmática civilista e ainda persiste em muitos sistemas jurídicos contemporâneos, inclusive no brasileiro.

O Código Civil de 2002, embora sob influência do funcionalismo contratual e da boa-fé objetiva, ainda mantém, em diversos dispositivos, a distinção entre contratos reais e consensuais. É o que se observa nos artigos 586 (mútuo), 579 (comodato), 627 (depósito voluntário), entre outros. A própria jurisprudência nacional, em sua maioria, considera que, sem a entrega da coisa, não há formação do contrato real, mas, no máximo, promessa de contrato, despida de eficácia típica.

Essa persistência, no entanto, precisa ser contextualizada. A exigência da entrega como elemento formativo do contrato real, ainda que tenha desempenhado papel estruturante no Direito Romano, não pode ser transposta de modo acrítico para os sistemas jurídicos modernos. Se outrora a tradição da coisa se justificava como marco inequívoco da constituição da obrigação – especialmente em razão do formalismo do sistema e da incipiência da autonomia da vontade –, hoje ela se mostra, na maior parte dos casos um critério artificial e anacrônico.

É justamente nesse ponto que a evolução histórica do conceito de causa ganha relevância contemporânea: ao deixar de ser mera explicação do passado e assumir o papel de categoria funcional do contrato, a causa permite reinterpretar a exigência da entrega sob uma nova luz. A entrega pode ser relevante, sim – mas não como pressuposto de existência do contrato, e sim como meio de realização da função contratual (negocial), cuja centralidade está nas legítimas expectativas, na finalidade prática e no conteúdo obrigacional consensuado pelas partes.

Assim, a distinção entre contratos reais e consensuais, embora historicamente compreensível, deve hoje ser revista à luz da funcionalidade negocial. A categorização formal baseada na entrega da coisa perde espaço diante da necessidade de proteger a confiança, a boa-fé e a causa subjacente ao acordo de vontades. O que se impõe é uma releitura contemporânea da tradição contratual.

É com esse pano de fundo que se compreende a recepção da distinção nas codificações modernas, dentre as quais a brasileira. A esse tema é dedicado o próximo capítulo.

3  A RECEPÇÃO PELA TRADIÇÃO ROMANISTA E O DIREITO MODERNO

Com o declínio do Império Romano, a Igreja emergiu como substituta de sua autoridade, cultura e jurisdição. A ascensão do cristianismo na Idade Média alçou a Igreja à organização social mais extensa, à força espiritual mais importante, e de forma coerente sua ordem jurídica interna tornou-se também a mais poderosa. E tão grande quanto o poder da Igreja foi a interferência de seu direito no direito profano[39].

Fato marcante dessa fase foi também o surgimento das Universidades, a primeira delas fundada em Bolonha no ano de 1088, considerada o primeiro grande centro de estudos científicos do Direito. Seu fundador, Irnerio (Irnerius), alcunhado de “archote do direito”, destacou-se na cátedra de Direito Romano, que lhe rendeu o título de lucerna juris, primus illuminator scientiae nostrae.

A Igreja desde cedo mostrou-se favorável ao respeito à palavra dada. “Textos canónicos dos sécs. IV (Chromatius) e VI (Gregório, o Grande) assimilam já a mentira ao perjúrio; é preciso manter tanto a promessa feita por simples loquela (enunciação) como a feita por juramento”[40].

Enquanto os canonistas se ocupavam com o trabalho de elaboração formal de uma tradição já concretizada, na Universidade os legistas buscavam interpretar e adaptar àquela nova realidade os textos jurídicos de Justiniano[41].

Essa denominada escola dos glosadores[42] não se restringia ao campo doutrinário. Não distantes da aplicação prática, e familiarizados com o direito consuetudinário de fundo germânico, os glosadores[43] dedicavam-se à difícil hermenêutica dos primitivos textos romanos, especialmente os Pandectas, descobrindo e revelando afinidades com os institutos então vigentes.

A Universidade de Bolonha passa a ser considerada um ponto de referência e centro de convergência entre o Direito Romano clássico e o Direito cristão, entre o Direito formalista e o Direito Natural, tendo desempenhado papel fundamental na renovação e adaptação do Corpus iuris civilis às novas necessidades da época, à luz do cristianismo.

Nessa fase é possível identificar dois períodos distintos da Universidade bolonhesa: o primeiro, conhecido como dos glosadores[44], estendeu-se do final do século XI ao princípio do século XIII; e um segundo período, iniciado no século XIII, que representa uma das épocas mais brilhantes do pensamento ocidental: guiados pela filosofia aristotélico-tomista, os juristas bolonheses tomaram como ponto de partida não só o Corpus iuris civilis, já renovado pelas Glosas do período anterior, mas deram atenção especial às realidades sociais da época para conduzir os estudos do Direito civil à luz da filosofia escolástica[45].

A doutrina dos pós-glosadores teve continuidade no século XV por meio vários juristas italianos, dentre eles Paulus de Castro e Jason de Mayno. “A preeminência italiana era tal, que essa escola ficou conhecida como mos italicus iuris docendi (o método italiano de ensino jurídico), em oposição à escola francesa ou mos gallicus, como é designada a abordagem humanista do século XVI, essencialmente ligada à França”[46].

Não obstante a inegável contribuição dos glosadores e dos pós-glosadores, foi com a jurisprudência francesa que o direito positivo até então existente sistematizou-se de modo mais claro e transparente, com a introdução do racionalismo cartesiano na ciência do direito[47]. “Esta tradição francesa começou com Donellus[48], adoptou através de Domat[49], nos finais do séc. XVII, as aquisições sistemáticas do jus-racionalismo teórico e conduziu, com o sistema de Pothier, a pré-história do Code Civil francês”[50].

Talvez com impropriedades semelhantes às mencionadas no Direito Romano, afirma-se que Domat[51] sistematizou na teoria conceitos distintos de causa, conforme tenha se referido à causa das obrigações nos contratos sinalagmáticos, nos contratos reais e nos contratos com obrigações unilaterais[52].

Nos contratos sinalagmáticos Domat afirma que a causa está na prestação e contraprestação das partes, enquanto nos contratos reais a entrega da coisa é a causa da obrigação de restituir. Há situações, entretanto, em que o contrato é real e sinalagmático, por exemplo, o depósito oneroso. Qual seria a causa da obrigação de restituir do depositário: a entrega anterior da coisa ou a remuneração devida pelo serviço prestado?[53]

Ao que parece questionamentos como esses passaram despercebidos na época, assim como pouco se refletiu quanto a pertinência e relevância da classificação dos contratos em reais e consensuais. Esses conceitos originados no Direito Romano atravessaram o Direito medieval e ingressaram nas codificações europeia, antes de desembarcarem no Código Civil de 1916. E ainda hoje remanescem no Código Civil vigente.

O movimento de codificação do século XIX consolidou a distinção entre contratos reais e consensuais. O Code Napoléon de 1804 preservou a tradição romanista, exigindo a entrega em determinadas hipóteses como requisito constitutivo. Na mesma linha, o Codice Civile italiano de 1865, inspirado no modelo francês, positivou a dicotomia em seu sistema obrigacional. O Bürgerliches Gesetzbuch (BGB) alemão de 1900, por sua vez, embora marcado por maior rigor técnico e pela influência pandectista, também manteve a classificação, procurando fundamentá-la em bases conceituais mais abstratas.

Em Portugal, o Código de Seabra de 1867 acolheu expressamente a categoria, transmitindo-a ao direito luso até a entrada em vigor do Código Civil de 1966, que, apesar de mais funcionalizado, não rompeu integralmente com a tradição. Na Itália, o novo Codice Civile de 1942 reiterou a estrutura dogmática anterior, confirmando a presença dos contratos reais em seu sistema. Assim, tanto a experiência latina quanto a germânica contribuíram para a consolidação da distinção romanista, transmitida às codificações subsequentes e, em especial, ao Código Civil brasileiro.

É com base nesse legado, herdado sem reelaboração crítica, que a codificação brasileira absorveu e perpetuou essa distinção – tema que será examinado no tópico seguinte.

4  A CODIFICAÇÃO BRASILEIRA E A MANUTENÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATOS REAIS E CONSENSUAIS

Como se afirmou, a recepção da distinção entre contratos reais e consensuais pelo ordenamento jurídico brasileiro seguiu, de maneira bastante nítida, os contornos romanistas que influenciaram a doutrina e a legislação civil desde os primeiros projetos de codificação. O Código Civil de 1916, de autoria de Clóvis Beviláqua, continha dispositivos que comprovavam tal afirmação, tais como o art. 1.248 sobre o comodato, o 1.265, caput, a respeito do depósito e, principalmente o art. 768 que disciplinava o penhor. Sobre esse último, a ênfase para a tradição efetiva era até emblemática: “Constitui-se o penhor pela tradição efetiva...”.

O Código Civil de 2002, embora tenha incorporado preceitos de natureza mais principiológica nas Disposições Gerais do direito contratual, haja vista a função social do contrato e a boa-fé objetiva, não rompeu com a tradição de distinção entre contratos reais e consensuais.

Os contratos reais, tal como mencionado de início, permanecem na sistemática do novo código com igual exigência da entrega da coisa para sua formação. O artigo 586 define o mútuo como o empréstimo de coisas fungíveis, estabelecendo que “o mutuante transfere ao mutuário o domínio da coisa emprestada”, exigindo, portanto, a tradição como requisito de existência. No mesmo sentido, os artigos 579 (comodato), 627 (depósito voluntário) e 1.431 (penhor) mantêm a exigência implícita da entrega como pressuposto necessário. Em relação ao Código Civil de 1916, o Código Civil vigente incorporou no rol dos contratos típicos também o contrato estimatório que, de acordo com o artigo 534, pressupõe a entrega de bens móveis pelo consignante ao consignatário como elemento de aperfeiçoamento; outro exemplo, portanto, de contrato real.

A manutenção dessa distinção não se deu por acaso. Ela reflete um compromisso da codificação brasileira com a tradição romano-germânica, mas também revela um traço conservador que tem sido criticado pela doutrina contemporânea. Em um cenário em que a autonomia privada se exercita por vias digitais, por contratos de adesão e por relações jurídicas complexas e desmaterializadas, a exigência formal da entrega da coisa para a validação do contrato revela-se, em muitos casos, anacrônica. A promessa de mútuo feneratício, por exemplo, pode gerar legítima expectativa de confiança e ensejar responsabilidade civil mesmo sem a entrega do numerário pelo mutuante ao mutuário.

Apesar disso, a jurisprudência brasileira ainda se mostra amplamente fiel ao critério da entrega como marco constitutivo dos contratos reais[54]/[55]. Decisões do STJ e dos tribunais estaduais, em geral, recusam reconhecer vínculo obrigacional em promessas de mútuo ou comodato não acompanhadas de tradição, restringindo a tutela jurídica a casos em que se prove o efetivo repasse do bem ou valor. Tal posição, embora coerente com a letra da lei, pode conflitar com os princípios de boa-fé objetiva e proteção da confiança, hoje centrais na hermenêutica contratual.

Nota-se, assim, que o Código Civil brasileiro – tanto em sua versão de 1916 quanto na vigente de 2002 – reproduz a estrutura romanista da distinção entre contratos reais e consensuais. Ocorre que, ao assim proceder, permanece atado a uma lógica classificatória que não mais atende às complexidades das práticas contratuais modernas, tampouco se alinha com a centralidade da causa contratual, como elemento funcional.

É diante de tais tensões que se deve investigar o que ocorre quando a entrega não acontece – questão desenvolvida em seguida.

5  A QUESTÃO CENTRAL: ACORDO DE VONTADES SEM A ENTREGA DA COISA

Contrato real é aquele que se aperfeiçoa com a entrega da coisa de uma parte à outra. Com isso, poderia surgir a observação válida de que se o contrato é real e não se verifica a entrega, então não há contrato. E, consequentemente, se não há contrato, nenhuma obrigação poderia ser extraída da situação. Mas não é bem assim. De fato, a ausência de tradição, na dogmática clássica, impede o aperfeiçoamento do contrato real. Contudo, isso não significa que o pacto firmado pelas partes seja juridicamente inexistente. Ao contrário, as figuras concebidas como pré-contratuais podem sim conter densidade obrigacional autônoma, capazes de gerar efeitos jurídicos próprios – ainda que distintos daqueles que decorrem do contrato efetivamente pretendido.

Assim, há situações em que as partes se manifestam de forma inequívoca para ajustar contrato (acordo de vontades), com todos os seus elementos definidores, mas não se pode cogitar de contrato propriamente dito pelo fato de a lei determinar que a entrega da coisa seja elemento de sua formação (nos contratos reais). Como definir juridicamente tal situação? Promessa de contrato real? Contrato preliminar, pré-contrato? Mera negociação? Ou seria um “nada jurídico”? As partes podem driblar a regra de necessidade da entrega para a formação do contrato real por meio de contrato preliminar e, como tal, exigível? Haveria espaço para o Poder Judiciário, a pedido da parte prejudicada, determinar a realização do contrato definitivo em tal caso, com a subsequente tutela específica nos termos do art. 536 do Código de Processo Civil? Na hipótese de negativa das últimas questões formuladas, haveria espaço para se cogitar ao menos de perdas e danos? Essa responsabilidade seria extracontratual, contratual ou pré-contratual?

Estas indagações ganham particular relevo em tempos de intensificação dos contratos digitais, bancários e informais, nos quais a materialização da entrega pode intencionalmente ser relegada ao futuro. Pensemos num contrato estimatório ou mesmo de depósito performado digitalmente para posterior consecução da entrega dos bens que dele forem objeto.

Outro exemplo paradigmático é o do mútuo. Conforme o art. 586 do Código Civil, trata-se do empréstimo de coisas fungíveis em que o mutuante transfere ao mutuário o domínio do bem. Sem a efetiva tradição, não se aperfeiçoa o contrato. Mas como fica a expectativa do mutuário em face da “promessa” feita pelo mutuante de que lhe transferiria o dinheiro, por exemplo?

Em face de tais exemplos, nota-se que pouco importa o nome que se atribua ao fenômeno “contratual” antes do aperfeiçoamento do contrato real em si, mas sim a densidade da obrigação autonomamente criada, tomando-se em conta a autonomia privada, a função do contrato, a boa-fé objetiva, a confiança legítima a e expectativa razoável de seu cumprimento.

É nesse ponto que ganha relevo o deslocamento da análise para a causa do contrato: não se trata de discutir se houve ou não tradição, mas de compreender qual era a função daquela avença e se, mesmo sem entrega, o consenso gerou obrigações tuteláveis pelo direito.

Parece-nos, assim, que não se deve reunir todos os contratos reais num único cesto e conferir a eles igual tratamento quando não são aperfeiçoados pela tradição. A uniformização de tratamento implica no anacronismo apontado de início. E aí reside o ponto nodal da presente reflexão: a exigência da entrega, tal como concebida pela tradição dos contratos reais, pode conflitar com a evolução da dogmática contratual em direção a valores como autonomia privada, boa-fé objetiva, causa do contrato, função social do contrato e tutela da confiança.

Em vez de condicionar a existência do contrato a um ato físico, talvez se deva privilegiar o conteúdo obrigacional que decorre do consenso e da legítima expectativa gerada, levando-se em conta a natureza e a função do contrato.

Daí a necessidade de examinar alguns dos tipos contratuais  tradicionalmente considerados reais para verificar em que medida a exigência da entrega da coisa ainda poderia encontrar justificativa. Mais do que desenvolver a conveniência de manutenção da classificação (contratos reais x contratos consensuais), busca-se compreender se a tradição, em cada hipótese, possui efetiva razão de ser – ou se representa apenas resquício formalístico dissociado da realidade contratual. O capítulo seguinte, antes de ingressar na análise de casos concretos, propõe uma breve reflexão sobre o papel dos tipos contratuais e sua relevância (ou não) diante da centralidade da autonomia privada e da função do contrato.

6  A FUNÇÃO DA TRADIÇÃO NOS CONTRATOS REAIS: UMA LEITURA DIFERENCIADA POR TIPICIDADE E FUNCIONALIDADE

A distinção entre contratos reais e consensuais, embora tradicionalmente fundada na exigência da entrega como elemento constitutivo do vínculo, não se justificaria por uma lógica homogênea. Tampouco se sustenta como critério dogmaticamente válido à luz da teoria contratual contemporânea. Ao contrário, a exigência da tradição cumpre – ou pretende cumprir – funções distintas conforme o tipo contratual e a causa subjacente à avença. O objetivo do presente capítulo é, precisamente, o de recolocar a entrega em seu devido lugar: como elemento funcional, e não estrutural com atenção ao que efetivamente justifica (ou não) sua presença em determinados tipos contratuais.

Para isso, parte-se de uma breve reflexão sobre a relevância dos tipos contratuais no sistema, para demonstrar que não é a classificação (real ou consensual) que determina a existência ou eficácia do vínculo, mas sim a função da avenca no caso concreto, extraída da causa do contrato e da autonomia privada das partes.

A doutrina não costuma fazer enfrentamento de tal natureza nem constitui intenção do presente estudo esgotar a matéria, mas tão somente contribuir com subsídios para a compreensão e reflexão dos diversos contratos considerados reais, seja por textos expressos de lei seja por interpretação que deles se podem extrair.

Tipo contratual é a identificação atribuída pela lei a determinados negócios jurídicos cuja disciplina também é regulamentada. Assim, compreendem-se por contratos típicos, ou nominados, aqueles a que a legislação confere nominação própria e que submete a regras jurídicas em pormenores, de modo particularizado.

Muitos contratos são tipificados a partir da reiterada prática de determinados negócios jurídicos que, mesmo não regulamentados, tornam-se corriqueiros na vida social e negocial, e adquirem tamanho relevo que se positivam no ordenamento jurídico com regulação própria[56]. Quando não tipificados por lei, tais contratos são identificados pelo que se denomina atípicos ou tipos sociais, ou ainda, tipos extralegais[57].

A atipicidade do contrato se verifica, então, quando a legislação não o nomina e, principalmente, não estabelece regras próprias para sua disciplina[58]. Isso não quer dizer que, pelo fato de a lei não estabelecer disciplina específica, tais contratos inominados sejam ilegais ou ilícitos, pois, não obstante sejam mais elásticos e menos engessados pela legislação, estão submetidos a todo o regime jurídico dos contratos em geral[59].

Dos conceitos de tipicidade e atipicidade aqui admitidos se depreende que tipos contratuais são esquemas legais predefinidos para identificar contratos que se prestam a um mesmo esquema causal[60].

Portanto, não é a causa que tipifica o contrato, mas os tipos contratuais é que são individualizados e se distinguem conforme o esquema causal que se prestam a nominar.

Fosse a causa que tipificasse os contratos, não se haveria de conceber contratos atípicos, ou inominados, uma vez que não se há de falar em contrato sem uma causa que o justifique.

Disso conclui-se que, não obstante ainda hoje a doutrina se ocupe de tipificar os contratos e de classificá-los em reais ou consensuais, tais questões são de menor relevância frente aos esquemas causais pactuados no âmbito da autonomia privada.

Autonomia privada é, em sentido amplo, o poder outorgado pelo ordenamento às pessoas, naturais e jurídicas, que lhes autoriza a criar e estabelecer normas vinculantes, aptas a regular suas relações jurídicas negociais e determinar seus efeitos. Destaquem-se nesse conceito os principais aspectos presentes nas diversas definições doutrinárias[61]: i) a pressuposição de um ordenamento jurídico a outorgar poder de autorregulação aos agentes; ii) a limitação desse poder outorgado, uma vez que subordinado ao próprio ordenamento jurídico; iii) a função normativa da autonomia privada; iv) o negócio jurídico como principal instrumento de atuação da autonomia privada[62].

Portanto, para além das classificações e dos tipos contratuais, é no âmbito da autonomia privada e de sua extensão que os contratos devem ser analisados e interpretados, atentando-se especialmente para a sua função.

Essa análise funcional do contrato deve considerar os elementos extrínsecos à sua estrutura que atuam na estabilização da relação jurídica, para proteger as legítimas expectativas das partes – o que constitui um interesse social[63].

É nesse contexto que têm relevância a confiança[64] e o dever de coerência, consistentes “em manter-se a palavra dada ou o comportamento manifestado, agindo segundo os fins do contrato, e corresponder à expectativa legitimamente criada pelos próprios atos, assim impedindo surpresas desleais, visto que a contradição, a instabilidade comportamental, a inconstância afetam um vínculo que o ordenamento jurídico pretende dotar de estabilidade”[65].

É da análise funcional que se extraem, por exemplo, as funções social e econômica do contrato, além da função negocial, esta relacionada à Teoria da Confiança, ao dever de coerência e boa-fé objetiva, cuja fragmentação conduz à proibição do venire contra factum proprium e tu quoque, que também se destinam, em última instância, a preservar a causa do contrato[66]. Essa função negocial é justamente a causa do contrato[67].

Com isso, o que importa não é se o contrato encontra qualificação como real ou consensual, mas se a função negocial pretendida pelas partes justifica – ou não – a possibilidade de exigência de entrega (execução específica). É essa lente funcional que orientará, no capítulo seguinte, o exame de contratos específicos (como depósito, mútuo, comodato e penhor), para demonstrar como a tradição pode ser compreendida – ou definitivamente descartada – a depender da causa e da estrutura de interesses em jogo.

7  OS CONTRATOS REAIS E A SUAS FUNÇÕES – ANÁLISE CRÍTICA

Ainda que seja possível justificar a distinção entre contratos reais e consensuais com base em suas funções, é preciso cautela para que esse esforço não sirva de blindagem à perpetuação de uma separação histórica que talvez já não encontre pleno respaldo na lógica contratual contemporânea.

A tradição da coisa que ancora determinados contratos por exigir a efetiva entrega do bem como forma de aperfeiçoamento do contrato pode ser funcionalmente explicada. Mas não por isso deve ser defendida a sua permanência no sistema como condição de existência do vínculo obrigacional.

A análise funcional deve servir muito mais para iluminar as consequências de eventual não cumprimento da palavra empenhada, ainda que não se possa chamar tecnicamente de contrato real o acordo sem entrega da coisa, do que propriamente para fixar condições artificiais e atualmente despropositadas para o aperfeiçoamento do contrato.

Estabelecidas tais premissas, apresentam-se algumas peculiaridades sobre alguns dos principais contratos amplamente considerados reais, com o intuito de verificar se, em cada caso, a exigência da entrega ainda se sustenta à luz da função negocial.

O contrato de depósito, por exemplo, não se caracteriza por uma equivalência clássica de interesses. Seu centro de gravidade está no interesse do depositante, que busca assegurar a guarda segura de um bem por tempo determinado ou enquanto perdurar determinada situação. O depositário, por sua vez, não tem interesse intrínseco no bem, mas apenas na contraprestação, quando existente. Assim, a utilidade do contrato decorre, prima facie, do interesse do depositante. A função – ou causa do contrato –, coincide, aqui, com a entrega da coisa: meio pelo qual se transfere a custódia do bem e se inicia a obrigação de guarda e restituição.

Nesse sentido, a tradição desempenha papel funcional compatível com a causa do contrato: se não há entrega, não há razão para o vínculo existir. O depositário, portanto, não teria força contratual para exigir a entrega, pois tal pretensão contrariaria a própria estrutura causal da avença.

Por outro lado, sob outra perspectiva, não se pode negar a existência de relação obrigacional válida e eficaz quando há acordo de vontades, pagamento prévio e aceitação da prestação, ainda que a entrega não se concretize. Negar natureza contratual a tal avença faria com que valores pagos ficassem soltos, num vácuo jurídico inadmissível.

Considere-se, por exemplo, a contratação do serviço de hospedagem de animal de estimação por meio de aplicativo como tantos disponíveis atualmente, para o período de uma viagem internacional do depositante. Se, por doença súbita ou cancelamento da viagem por qualquer razão, o depositante não mais viaja, a necessidade da guarda deixa de existir. Há perda superveniente da finalidade funcional do contrato. A manutenção da obrigação de entrega do animal revela-se incompatível com a própria natureza e função do contrato. Mas o vínculo existe – foi firmado contrato, com possibilidade inclusive de pagamento do preço. O depositário pode, com base na avença, exigir os efeitos secundários do contrato (como cláusula penal), mas não sua execução específica.

Ou seja, a entrega não pode ser considerada pressuposto de existência do contrato, mas condição de sua execução quando a causa permanece vigente. Perdeu-se a função? Cessa a exigibilidade da entrega. Mas a relação obrigacional – válida, eficaz e funcional – permanece.

Em outras palavras, o depositário não precisaria pleitear responsabilidade extracontratual ou mesmo pré-contratual. Bastaria a ele invocar o próprio contrato, existente e aperfeiçoado, mesmo sem a tradição, pois os efeitos do contrato e todas as consequências de seu incumprimento foram objeto do acordo de vontades e formaram a causa do contrato, ou seja, a função negocial que ele deveria desempenhar conforme o ordenamento jurídico vigente.

A lógica e razão de existir do contrato de depósito é bastante diferente da lógica da compra e venda, em que as partes têm interesses simétricos e complementares. Nesses, o desaparecimento do interesse de uma das partes não basta para afastar a possibilidade de a outra parte pretender exatamente o que foi objeto do contrato.

Portanto, a melhor solução, apesar de a lei prescrever diversamente, não está em negar existência ao vínculo contratual, mas sim em afastar a exigibilidade da tradição. Sem prejuízo de o depositário poder pleitear responsabilidade civil (contratual) ou exigibilidade de simples cláusula penal. Tudo com base no contrato. Afinal, voltando ao exemplo acima referido, o depositário do animal de estimação, com base na avença firmada com o depositante, deixou de ocupar o seu tempo e espaço, potencialmente, com outros animais e outros depositantes.

Nos contratos de mútuo gratuito e comodato (sempre gratuito), a exigência da entrega funciona como marco da efetiva intenção de liberalidade. Antes da entrega, qualquer promessa de empréstimo pode ser revogada sem ônus, pois não há contraprestação nem causa onerosa. A tradição , nesse contexto, teria a função de marcar a efetiva intenção de liberalidade.

Contudo, tal justificativa vacila diante da constatação de que a doação também é contrato gratuito, porém, consensual, salvo a hipótese de doação manual, considerada expressamente real pela lei. Se a tradição não é exigida para validar a liberalidade em uma doação formalizada, por que seria no comodato? A incongruência mostra que a exigência de entrega não é logicamente necessária nem dogmaticamente coerente.

Talvez até por conta disso doutrina e jurisprudência resolveram a questão por meio da não aceitação da promessa de doação. Ou seja, o animus donandi deve estar presente no momento da doação. Não se pretende desenvolver esse assunto aqui, por ser extenso, mas a jurisprudência brasileira acabou flexibilizando tal pensamento ao admitir a promessa de doação em situações de separação e divórcio. Por que? Parece que a resposta repousa sobre a mesma questão relacionada à causa do contrato e tais circunstâncias.

No caso do mútuo feneratício, em que há remuneração, a causa do contrato se torna onerosa. A promessa de empréstimo – se aceita, esperada e confiada – pode gerar legítimas expectativas e ensejar responsabilidade contratual pelo inadimplemento.

A explicação funcional da tradição nesses casos não se sustenta como critério de existência do contrato, mas como elemento de execução ou como marco de delimitação de efeitos. A promessa aceita pode ensejar responsabilidade, mesmo sem a entrega. Isso é compatível com a boa-fé e com a teoria da confiança, pilares da moderna dogmática contratual. A depender da situação, o inadimplemento poderia ensejar até mesmo a execução específica do contrato. Tome-se por exemplo a instituição financeira que se obriga a emprestar, mas não o faz e também não apresenta qualquer justificativa plausível para a recusa.

A explicação funcional do mútuo, conforme a gratuidade ou não, e do comodato relaciona-se à proteção da liberalidade. Quer dizer, justifica-se a tradição como marco de formação do contrato, evitando que promessas de empréstimo possam gerar obrigações sem entrega efetiva. Porém, a realidade desafia tal justificativa. Pois essa mesma lógica – centrada na liberalidade – também está presente na doação, que salvo hipótese residual da doação manual, é contrato consensual. Ora, se a função de preservar a efetiva vontade de conceder a liberalidade se justifica no empréstimo, talvez por maior razão deveria estar presente também na doação. E não está, exceção feita á doação manual.

No que se refere ao penhor, o cenário é diferente. Embora também considerado um contrato real, o penhor cumpre função de garantia e exige a entrega como mecanismo de publicidade, que permite oponibilidade em face de terceiros. Aqui, a tradição não é expressão da causa do contrato, mas instrumento para garantir sua eficácia externa. A ausência de entrega comprometeria a função do contrato como garantia real (oponibilidade erga omnes), mas não impede o reconhecimento do vínculo obrigacional originado do acordo de vontades, com possibilidade de execução específica segunda essa ordem de ideias proposta.

Por isso, se houver obrigação de constituir penhor – como promessa assumida em contrato –, o vínculo contratual é perfeitamente existente e, se descumprido, autoriza a execução específica nos termos da causa e da função da avença.

Portanto, ainda que se possam oferecer justificativas para a entrega em certos contratos, o que se observa é que a tradição jamais deveria ser tratada como elemento de existência do contrato, mas apenas como dado funcional ou probatório, conforme o tipo de interesse e a estrutura da relação jurídica.

A insistência na entrega como critério de formação do vínculo jurídico leva à negação de contratos plenamente estruturados sob o ponto de vista da autonomia privada e da função negocial. A tradição, nesses casos, deve ser ressignificada: não como requisito ontológico, mas como elemento instrumental que pode influenciar a forma de execução e os remédios cabíveis havendo descumprimento da palavra empenhada.

A superação da dicotomia entre contratos reais e consensuais não implica ruptura com a tradição jurídica, mas sua releitura crítica à luz de novos paradigmas normativos e pragmáticos – centrados na função, na confiança, na causa e na concretude da relação obrigacional.

8  CONCLUSÃO

A tradicional classificação dos contratos em reais e consensuais, embora tenha exercido papel relevante em determinados contextos históricos, não se sustenta como critério dogmaticamente válido na realidade contratual contemporânea. A exigência da entrega da coisa – a tradição – como elemento de constituição do vínculo, representa hoje mais um resquício do passado do que um verdadeiro requisito ontológico do contrato.

A análise histórico-dogmática permite reconhecer que a origem da distinção residia na necessidade de conferir segurança às relações jurídicas segundo os valores da época. No entanto, a evolução do direito obrigacional, a consolidação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como o reforço à autonomia privada, transformaram radicalmente a forma de compreensão e de tratamento das relações contratuais.

O que se exige, hoje, é uma leitura funcional do contrato. A existência do vínculo obrigacional deve ser aferida com base na causa do contrato, ou seja, na função econômica e negocial pretendida pelas partes, e não na subsunção a categorias formais herdadas da tradição. A entrega da coisa pode ter relevância funcional, sim – sobretudo para efeitos de publicidade, delimitação e cumprimento das obrigações –, mas não pode ser tratada como elemento de constituição do contrato.

Ao adotar essa leitura, o jurista se liberta de um formalismo estéril e passa a operar com categorias mais aderentes à realidade das relações jurídicas. Não se nega a importância da tradição em determinados contextos – como no penhor ou no depósito –, mas se reconhece que sua função é outra, e não propriamente fundante do contrato.

A consequência da não entrega deve, pois, ser examinada caso a caso, conforme o contrato e sua causa para, com isso, aferir se tem cabimento a execução específica da obrigação, a responsabilidade contratual ou a aplicação de outras consequências que do inadimplemento, relativo ou absoluto, decorrem. Nunca a consequência pode ser a de considerar o contrato não existente.

É hora, pois, de reconhecer que a classificação entre contratos reais e consensuais cumpriu sua função histórica, mas já não atende às exigências de um sistema contratual funcionalizado, plural e comprometido com a realização concreta dos interesses legítimos das partes.

A doutrina funcionalista propõe a superação da distinção rígida, afirmando que o que deve importar é a existência de obrigações claras entre as partes, e não a natureza real ou consensual do contrato. Segundo tal ordem de ideias, a tutela da confiança e da boa-fé pode justificar a responsabilização pré-contratual ou a exigência do cumprimento da prestação prometida, mesmo sem tradição. Nesse sentido, o vínculo contratual não se esgota no formalismo da entrega, mas se ancora na densidade ética e funcional da relação obrigacional. Na causa do contrato!

A experiência comparada também aponta para modelos mais flexíveis. O Código Civil português, por exemplo, embora reconheça a figura dos contratos reais, atribui maior relevância à intenção negocial e aos efeitos produzidos pelo acordo de vontades. Os Princípios do UNIDROIT e o DCFR (Draft Common Frame of Reference) tampouco operam com a distinção tradicional, preferindo categorias voltadas à eficácia do consentimento e ao cumprimento das obrigações.

Mesmo no direito francês, berço da tradição codificada, a jurisprudência tem reconhecido obrigações derivadas de promessas contratuais sem tradição, com base na teoria da aparência, na responsabilidade pré-contratual e na função integradora da boa-fé. A doutrina italiana, por sua vez, valoriza a autonomia privada e o papel social do contrato, mitigando o rigor da distinção clássica nos casos em que há legítima expectativa de cumprimento.

Retomando a hipótese de pesquisa formulada na introdução – de que a distinção clássica entre contratos reais e consensuais teria perdido utilidade funcional no direito brasileiro contemporâneo –, a análise desenvolvida ao longo do artigo permite confirmá-la. Verificou-se que a ausência de tradição não conduz à inexistência do contrato, mas apenas orienta a definição das consequências jurídicas conforme sua causa e finalidade.

Nesse panorama, a crítica contemporânea propõe que a classificação dos contratos como reais ou consensuais não seja encarada como critério de existência, mas, no máximo, como fator de incidência de efeitos específicos. O essencial, para o direito contratual moderno, é a realização prática da justiça contratual, a preservação da segurança e da confiança, o respeito às legítimas expectativas geradas pelas partes no curso da relação jurídica e a fidelidade à causa contratual.

9  DECLARAÇÃO SOBRE O USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O texto original deste artigo foi integralmente elaborado pelos autores, sem a utilização de ferramentas de inteligência artificial generativa para a redação do conteúdo acadêmico. Apenas em fase posterior de ajustes formais – especialmente no resumo, abstract e conclusão – contou-se com auxílio de ferramenta de apoio redacional, sendo a versão final cuidadosamente revisada, validada e assumida em sua totalidade pelos autores.

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Notas de Rodapé

[1]     Doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Mestre em Direito Processual Civil. Graduado em Direito pela PUC-SP. Professor concursado de Direito Civil, Direito Processual Civil e História do Direito da PUC-SP. Professor Assistente Mestre do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) da PUC-SP.  CEP 05414-901, São Paulo, SP, Brasil, PUC/SP, e-mail: adriano@ferrianiejamal.com.br. https://orcid.org/0000-0002-8758-4840.

[2]     Doutor em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Mestre em Direito Processual Civil e pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil pela mesma instituição. Graduado em Direito pela PUC-SP. Professor concursado de Direito Civil e de História do Direito da PUC-SP. CEP 05414-901, São Paulo, SP, Brasil, PUC/SP, e-mail: alexandre@ferrianiejamal.com.br. https://orcid.org/0009-0001-0338-8173.

Declaro para os devidos fins que não foi utilizado inteligência artificial generativa na elaboração do presente artigo.

[3]     Acrescente-se que o período histórico compreendido pela rubrica Direito Romano é enorme. “Estamos tratando de um intervalo de mais de mil anos e basta pensar um instante para perceber que a Sociedade e o Direito não poderiam permanecer infensos à mudança – mesmo em época na qual se dava mais lentamente” (GRAMSTRUP, Erik Frederico. Evolução histórica do direito privado: Sistemas jurídicos. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 64).

[4]     Cf. NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 137.

[5]     Também denominado Arcaico, estende-se dos obscuros princípios até aproximadamente o início das guerras  púnicas, ou seja, meados do século III a.C. Cf. KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 18.

[6]     CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 92.

[7]     KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 74.

[8]     PINTO, Eduardo Vera-Cruz. Lições de história do direito romano I: síntese geral. Lisboa: AAFDL, 2017. p. 118.

[9]     ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 160.

[10]    BONFANTE, Pietro. Instituciones de derecho romano. Tradução de Luis Bacci y Andres Larrosa. Madrid: Reus, [s.d.]. p. 178.

[11]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 64-65.

[12]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992, p. 67-68.

[13]    BONFANTE, Pietro. Instituciones de derecho romano. Tradução de Luis Bacci y Andres Larrosa. Madrid: Reus, [s.d.]. p. 279.

[14]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 149. Cf. também MARTINS-COSTA, Judith. A teoria da causa em perspectiva comparativista: a causa no sistema civil francês e no sistema civil brasileiro. Revista da Ajuris, Porto Alegre: Ajuris, ano 16, n. 45, p. 213-244, mar. 1989. p. 216.

[15]    CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 93.

[16]    ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 498-499; KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 68-70; BONFANTE, Pietro. Instituciones de derecho romano. Tradução de Luis Bacci y Andres Larrosa. Madrid: Reus, [s.d.]. p. 468-469.

[17]    CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 95.

[18]    Período que se estende do século III ao século I a.C., caracteriza-se pela expansão do poder romano, que chega a dominar quase toda a área do mundo antigo: Europa ocidental e do Sul, Ásia Menor, Oriente Médio, Egito e África do Norte. Cf. KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 19.

[19]    Estende-se do final do período pré-clássico até o término do reinado de Diocleciano, em 305 d.C. Cf. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 2.

[20]    O emprego da forma era dispensado nos contratos que tinham por objeto bens de menor valor no comércio ou que fossem destinados ao consumo. Cf. SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e. A teoria da causa no direito privado. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de (org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. 2. ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado Ed., 2014. p. 57.

[21]    A boa-fé romana constitui peça importante hoje no Direito das Obrigações, não obstante em sua origem tenha surgido com significado distinto, no campo dos Direitos Reais. Cf. CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2015. p. 106.

[22]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 74; LAFAILLE, Hector et al. La causa de las obligaciones en el Código Civil y en la Reforma. Buenos Aires: Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, 1940. p. 26.

[23]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 63.

[24]    CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 109.

[25]    Essa denominação foi atribuída posteriormente pelos comentadores bizantinos. Não significa que tais contratos não tinham, ou pudessem ter, nome próprio, mas sim que se tratava de contratos atípicos, não reconhecidos como figuras singulares. Cf. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 541.

[26]    GROSSO, Giuseppe. Il sistema romani dei contratti. 3. ed. Torino: Giappichelli, 1963. p. 164.

[27]    ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 545. No mesmo sentido, CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 111.

[28]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 75.

[29]    Estende-se de 305 d.C. até a morte de Justiniano, em 565 d.C. Cf. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 2.

[30]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 75.

[31]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 151.

[32]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 236. No mesmo sentido, confira-se RIPERT, Georges; BOULANGER, Jean. Tratado de derecho civil según el tratado de Planiol. Tradução de Delia García Daireaux. Supervisão de Jorge Joaquin Llambias. Buenos Aires: La Ley, 1988. t. IV − Las obligaciones, 1ª parte, p. 182.

[33]    Imperador Bizantino de 527 a 565 d.C., foi responsável por importante trabalho legislativo que recompilou e organizou a legislação romana. O Corpus iuris civilis é um dos projetos legislativos mais célebres da História, que traduz o resultado final da expressão suprema do antigo Direito Romano e sua evolução jurídica ao longo de dez séculos. Foram compiladas obras de juristas clássicos e da legislação imperial, organizadas sistematicamente e depois publicadas e promulgadas. Composto por quatro coleções, a mais importante delas, tanto por sua escala, quanto por sua qualidade, é o Digesto ou Pandecto. Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 25.

[34]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 151.

[35]    KASER, Max. Direito privado romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1992. p. 76.

[36]    Cf. CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 122-123; LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960. v. I, p. 479.

[37]    Cf. MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 120.

[38]    A palavra “causa” no Direito Romano aparecia em sentidos diferentes, sendo mais comuns os seguintes: i) no sentido de causa eficiente da obrigação, ou seja, o ato jurídico que lhe dava origem; ii) no sentido de causa necessária para dar força obrigatória aos contratos sinalagmáticos, isto é, causa de cumprimento da obrigação por uma das partes (na expressão dos glosadores, o vestimentum indissociável para tornar obrigatório o pacto); iii) a vontade do doador, o animus donandi, ou o simples motivo que lhe determinava a praticar o ato; e finalmente, como revelam inúmeros textos, iv) o fim perseguido por quem realizava o ato. Cf.  CAPITANT, Henri Lucien. De la causa de las obligaciones. Tradução de Eugenio Tarragato y Contreras. Madrid: Góngora, [s.d.]. p. 123-124. Possivelmente devido à essa imprecisão terminológica e aos diferentes sentidos, há grande divergência entre os autores quanto ao significado de causa, no Direito Romano. No Digesto, por exemplo, a palavra “causa” é encontrada em noventa e duas passagens, raras vezes empregada com a mesma acepção ou referida à mesma figura jurídica. Cf. MARTIN-CORDOVA, Tomas de Zumalacarregui. Causa y abstracción causal en el derecho civil español. Tesis Doctoral. Madrid: Centro de Estudios Hipotecarios, 1977. p. 38.

[39]    WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2015. p. 67-68.

[40]    GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Tradução de A. M. Botelho Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. 18. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2016. p. 735.

[41]    O legado mais importante do Direito Romano foram as compilações de Justiniano, que permaneceram desconhecidas durante os primeiros séculos da Idade Média, em razão do isolamento do Ocidente e do fracasso de Justiniano em reconquistar os territórios invadidos pelos germânicos. Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 25.

[42]    Assim chamadas porque seus membros se notabilizaram pelas glosas, ou notas, feitas à margem ou nas entrelinhas dos textos, comentando as instituições a que se referiam.

[43]    Esses juristas compreendiam “toda a tradição antiga – Sagrada Escritura (religião), Aristóteles (razão grega) e Pandectas (= Digesto – sistema de direito romano) –, como inspirada dentro de uma ratio precisa, como uma categoria lógica impossível de conter contradições” (NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 168).

[44]    Esse primeiro período conta com nomes como Irnerio e os Quatro Doutores (Bulgarus, Martinus Gosia, Hugo e Jacobus), cujo legado teve sequência dada por Acúrsio, Azón e Odofredo, resultando na publicação da Magna Glosa, no século XIII. Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 73.

[45]    O filósofo de maior destaque na escolástica foi Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Considerado “o cristão aristotélico por excelência”, deixou como legado mais importante a releitura da obra de Aristóteles dentro de uma perspectiva cristã (KAUFMANN, Arthur; HASSEMER, Winfried (org.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2015. p. 77-80). A Suma Teológica é a obra mais conhecida de Santo Tomás de Aquino. É fruto e expressão de um homem e de uma vida. O fruto maduro de seu pensamento, apresentado em termos modestos como uma iniciação à teologia. A obra é dividida em três partes, com 512 questões, cada uma com perguntas individuais que resultam em nada menos que 2.669 capítulos no total.

[46]    CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 77-78.

[47]    AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 442.

[48]    Hugues Doneau (Donellus), jurista francês da Escola Humanista, envolveu-se em conflitos religiosos por causa de suas crenças e teve de exilar-se na Alemanha, onde se tornou um dos luminares da Universidade de Leiden. Cf. CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução de Carlos Eduardo Lima Machado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 81.

[49]    Jean Domat (1625-1696) formou-se em um ambiente de maior tolerância religiosa e marcada admiração pelas novas ciências. É um dos representantes mais ilustres da escola do direito natural racionalista, a ponto de se tornar conhecido como o restaurador da razão na jurisprudência. Profundo conhecedor da filosofia estoica, Domat era cristão e a considerava compatível com seus preceitos. Admirava o direito canônico e tinha domínio da tradição jurídica romana culta, difundida pelos grandes juristas do século XVI que lhe precederam (Donellus, Jacques Cujas, Bertrand d’Argentré e outros). Seus predecessores, entretanto, limitaram-se a interpretar, glosar e comentar os textos e leis romanos, ainda vinculados ao Corpus iuris civilis. Cf. DOMAT, Jean. Las leyes civiles en su orden natural. Tradução de Felio Vilarrubias y José Sardá. 1. ed. colombiana tirada da 2. ed. de 1844. Bogotá: ABC/Arkhé, 2015. t. I, p. 19-20; DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial. 6. ed. Madrid: Civitas, 2007. v. I, p. 259.

[50]    WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. Tradução de A. M. Botelho Hespanha. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2015. p. 234.

[51]    Domat encontrou no Direito Natural o rigor matemático que sonhava para o Direito Civil. Por sua condição de católico, racionalista, matemático e tão absolutista quanto Luís XIV, foi contratado por este, que lhe proporcionou condições financeiras para que pudesse se dedicar à reconstrução do Direito Civil, segundo os princípios do direito natural. Cf. LAFAILLE, Hector et al. La causa de las obligaciones en el Código Civil y en la Reforma. Buenos Aires: Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires, 1940. p. 38.

[52]    DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial. 6. ed. Madrid: Civitas, 2007. v. I, p. 260-261.

[53]    Cf. DÍEZ-PICAZO, Luis. Fundamentos del derecho civil patrimonial. 6. ed. Madrid: Civitas, 2007. v. I, p. 261.

[54]    Ação monitória. Contrato bancário. Desconto de títulos. Inexistência de prova da dívida. Contrato real que se aperfeiçoa com a tradição dos títulos ou documentos representativos da dívida. Carência da ação reconhecida. Sentença mantida. Recurso improvido. (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2447479 – SP (2023/0285279-6) – grifos nossos.

[55]    Além disso, em nenhum momento há a afirmação de que o crédito tomado pela apelante junto ao Banco do Brasil fora efetivamente repassado/disponibilizado à ré. E ainda que assim o fosse, sopesando o fato de que o mútuo (empréstimo de coisa fungível: dinheiro) é um contrato real e translativo, este fato demandaria inequívoca comprovação – que não se perfaz por mera declaração ou acerto de vontades acerca do aperfeiçoamento do pacto avençado, que se dá pela tradição: pela efetiva entrega do valor mutuado a "devedora" (artigo 587 do Código Civil), ônus do qual não se desincumbiu a autora (artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil), até porque a apelante admite que não há "recibos assinados ou transferência bancária" representativos da obrigação em testilha (sic fls. 513). (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2157884 – SP (2022/0194731-9) – grifos nossos.

[56]    FERRI, Giovanni Battista. Causa e tipo nella teoria del negozio giuridico. Milano: Giuffrè, 1966. p. 223-224.

[57]    A expressão tipo contratual é empregada neste estudo em sua acepção estrita. Não se desconhece, entretanto, a doutrina que a subdivide em tipo contratual legal e tipo contratual social ou extralegal, compreendido este como a identificação de determinados negócios jurídicos que, não obstante não sejam tipificados em lei, nas práticas contratuais são identificados e nominados. Confiram-se BETTI, Emilio. Teoria generale del negozio giuridico. Seconda ristampa corretta dela seconda edizione. Torino: Unione Tipografico Editrice Torinese, 1955. p. 197; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Contratos atípicos. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 61; PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão da posição contratual. 1982. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003. p. 94.

[58]    Por vezes o contrato é previsto em lei, mas mesmo assim permanece atípico, visto que o legislador não disciplina uma estrutura jurídica própria para ele. Foi o que ocorreu, por exemplo, com o contrato built to suit. Trata-se de contrato atípico, que, não obstante tenha passado a ser previsto formalmente em nosso ordenamento jurídico como contrato de locação – com o advento da Lei n. 12.744/2012, que introduziu na Lei de Locações (Lei n. 8.245/91) o artigo 54-A –, não foi tipificado, porque a lei, além de não tê-lo batizado corretamente, deixou de fixar regulação própria para essa espécie de contratação, que com a locação não se confunde. Confira-se, nesse sentido, GOMIDE, Alexandre Junqueira. Contratos “built to suit”: aspectos controvertidos decorrentes de uma nova modalidade contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 65; BENEMOND, Fernanda Henneberg. Contratos “built to suit”. Coimbra: Almedina, 2013. p. 94. Há entendimento, entretanto – do qual dissentimos –, que considera o contrato built to suit tipificado espécie do gênero locação. Confira-se, nesse sentido, GOMES, Daniel Cardoso. Contratos “built to suit”: novas perspectivas em face da Lei n. 12.744/2012. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 53.

[59]    MESSINEO, Francesco. Doctrina general del contrato. Tradução de R. O. Fontanarrosa, S. Sentis Melendo e M. Volterra [da obra italiana Dottrina generale del contratto. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1948]. Buenos Aires: EJEA, 1952. t. I, p. 381-384; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 165-166.

[60]    Confira-se CIOFFI, Carmine B. N. Classe, concetto e tipo nel percorso per l’individuazione del diritto applicabile ai contratti atipici. Torino: Giappichelli, 2008. p. 7.

[61]    Confiram-se definições no mesmo sentido em PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 8. ed. Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 2017. p. 443; CASTRO Y BRAVO, Federico de. El negocio jurídico. Reimpresión. Madrid: Civitas, 2016. p. 11-13; COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 12. ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2018. p. 115; PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 2017. p. 13; VICENTE, Dário Moura. Da responsabilidade pré-contratual em direito internacional privado. Coimbra: Almedina, 2001. p. 38; LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 534-544; SEGNI, Mario. Autonomia privata e valutazione legale tipica. Padova: Cedam, 1972. p. 126-127, nota 19; ALPA, Guido. Trattato di diritto civile e commerciale: il contrato in generale: fonti, teorie, metodi. Milano: Giuffrè, 2014. p. 399; COSTEA, Luis Martin-Ballestero y. La manifesta intención de obligarse y el derecho nuevo. Madrid: Montecorvo, 1963. p. 40; STIGLITZ, Rubén S. Autonomía de la voluntad y revisión del contrato. Buenos Aires: Depalma, 1992. p. 15; MIRANDA, Custodio da Piedade Ubaldino. Interpretação e integração dos negócios jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 64; GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 29-45; MELO, Diogo Leonardo Machado de. Princípios do direito contratual: autonomia privada, relatividade, força obrigatória, consensualismo. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coord.). Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011. p. 82. REBOUÇAS, Rodrigo Fernandes. Autonomia privada e a análise econômica do contrato. São Paulo: Almedina, 2017. p. 60-61; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. O direito pela perspectiva da autonomia privada: relação jurídica, situações jurídicas e teoria do fato jurídico na segunda modernidade. 2. ed. Belo Horizonte: Arraes, 2014. p. 93-95; MEIRELES, Rose Melo Venceslau. Autonomia privada e dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 68-72; POMPEU, Renata Guimarães. Autonomia privada na relação contratual. Belo Horizonte: D’Plácido, 2015. p. 110 e s.

[62]    Não se há de confundir autonomia privada com autotutela privada. Esta compreende, em linhas gerais, o poder outorgado pelo ordenamento jurídico para que o agente defenda por si próprio seus interesses (confira-se LENZI, Raffaele. Condizione, autonomia privata e funzione di autotutela: l’adempimento dedotto in condizione. Milano: Giuffrè, 1996. p. 122-123). Tema acerca do qual cabem outras tantas reflexões!

[63]    “É fora de dúvida, porém, que a proteção dispensada aos que contratam confiantes numa declaração de vontade aparentemente consciente concorre para a estabilidade das relações jurídicas, que constitui, òbviamente, interêsse social” (GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 16-17).

[64]    “A confiança, tal como é juridicamente protegida, não inflete sobre o desejo recôndito (os ‘motivos’), mas atua sobre condutas, ações e omissões significativas na interação social. Sua força é, ademais, escalonada conforme os setores do mundo jurídico sobre os quais inflete. No Direito dos Contratos está o seu campo privilegiado. Aí a inconstância, a contradição, a incoerência, a frivolidade, não são tolerados para além das hipóteses rigidamente demarcadas pela lei. Por isso, o contrato há de ser o terreno da constância, pois existe, funcionalmente, para regular o amanhã do que se quer hoje” (MARTINS-COSTA, Judith. Os dilemas da incoerência. In: CASTRO NEVES, José Roberto (org.). Ele, Shakespeare, visto por nós, advogados. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2017. p. 158).

[65]    MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 254.

[66]    Venire contra factum proprium e tu quoque têm espectro amplo, pois aplicam-se também a situações extracontratuais, como nos procedimentos em geral, em que é vedado às partes se comportarem de forma contraditória e/ou incoerente. Para efeitos deste estudo, entretanto, interessa a abordagem dessas expressões no âmbito da teoria geral do contrato.

[67]    BATISTA, Alexandre Jamal. A causa do contrato e sua funcionalidade. 2021. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2021. Não publicada. A tese foi depositada junto à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2019, tendo sua defesa adiada para 2021 em razão das restrições impostas pela pandemia de COVID-19.